A Justiça Federal no Amapá determinou a anulação de contratos e a interrupção imediata das atividades de exploração de madeira em uma área do PAE (Projeto de Assentamento Agroextrativista) Maracá, em Mazagão (AP), que fica numa região preservada da amazônia.
A decisão do juiz federal Athos Attiê, da 2ª Vara Federal Cível em Macapá, foi proferida na última segunda-feira (23).
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O projeto de exploração de madeira no assentamento envolve 172 mil hectares de floresta, quase um terço do espaço destinado à reforma agrária, onde vivem 1.993 famílias.
A relação que se estabeleceu foi de exploração empresarial, com desrespeito a limites para exploração de madeira de forma sustentável, conforme a decisão da Justiça.
A empresa, por sua vez, afirma que o uso é sustentável.
O plano de manejo florestal autorizado no assentamento contou com articulação do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente do Senado, junto ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). E com apoio e divulgação do senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo Lula (PT) no Congresso.
As licenças ambientais foram concedidas pelo órgão ambiental do governo do Amapá –o governador Clécio Luís (Solidariedade) também atuou politicamente para a liberação do empreendimento. Segundo o governo do estado, o manejo de madeira no assentamento é o maior do país.
Uma ação civil pública movida neste mês pelo MPF (Ministério Público Federal) no Amapá, em outro processo na Justiça, também aponta irregularidades no empreendimento e afirma que o governo local não tem legitimidade para a concessão das licenças ambientais.
Em nota, a empresa responsável, TW Forest, afirmou que recorre contra a decisão e que temas abordados já estão superados.
“Tanto a empresa quanto a comunidade estão seguros e tranquilos, com a certeza de que o Judiciário compreenderá que decisões sobre o uso sustentável da floresta, quando amparadas por autorizações de órgãos competentes e construídas com a participação comunitária, não são meras questões técnicas, mas escolhas de desenvolvimento social e ambiental equilibrado”, disse.
A reportagem também procurou o Governo do Amapá e aguarda resposta.
Na decisão proferida no dia 23, a Justiça Federal determina que os contratos de exploração florestal firmados entre entre a Atexma (Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas do Maracá) e empresas do ramo –Eco Forte Bioenergia e Norte Serviços Florestais– sejam anulados.
Também devem ser anuladas assembleias feitas com assentados, por vícios nas deliberações feitas, conforme a decisão. Uma grande parte dos assentados não participa da atividade de manejo e não apoia o projeto. Devem ser interrompidos, de forma imediata, manejo, corte, transporte e comercialização de madeira, entre outras atividades.
“Os documentos acostados aos autos evidenciam que os contratos celebrados conferem direitos exclusivos de exploração, por períodos extensos, a pessoas jurídicas com finalidade lucrativa, sem que haja qualquer ato formal de anuência prévia do Incra”, afirma o juiz.
As empresas responsáveis pelo empreendimento são a TW Forest e a Eco Forte Bioenergia, conforme o Governo do Amapá. Elas integram um mesmo grupo.
Reportagem publicada pela Folha em 9 de março de 2024 mostrou que a empresa do projeto de exploração de madeira já foi multada três vezes pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) por recebimento irregular de madeira nativa.
Uma multa, no valor de R$ 120,2 mil, foi aplicada quatro meses antes da concessão da autorização para o projeto. As outras duas, que somam R$ 10,1 mil, se referem a infrações cometidas dois meses depois, como consta no sistema de consulta pública do Ibama.
Dois pareceres técnicos e dois despachos internos do Incra foram contrários ao aval ao empreendimento. Um dos pareceres aponta viés empresarial do projeto e suspeita de falsificação de assinaturas de beneficiários.
“Apesar do alerta, houve a anuência por parte da gestão anterior da superintendência do Incra no Amapá”, disse o órgão em nota à reportagem em março de 2024. Uma comissão técnica foi criada pelo instituto para diligência e vistoria no projeto.
Alcolumbre disse defender o desenvolvimento sustentável do Amapá, com respeito ao meio ambiente. Randolfe afirmou que não tinha conhecimento sobre as multas, que conheceu o projeto em 2023 e que desconhece pressão política sobre o Incra.
A área para a retirada de madeira, dentro de um projeto que prevê seleção das árvores a serem derrubadas e manejo sustentável da atividade, equivale a mais de mil parques Ibirapuera, em São Paulo.
Pareceres técnicos do Incra no Amapá apontaram problemas no plano de manejo e recomendaram que a anuência não fosse dada à associação responsável, a Atexma, até que houvesse segurança jurídica para o órgão federal, responsável por assentamentos rurais.
TW Forest e Eco Forte afirmaram que são empresas sérias e que o projeto inibe extração ilegal de madeira, além de envolver os assentados por meio do pagamento de bolsas em dinheiro.
A TW Forest está no Amapá desde 2003 e tem parque industrial bem estabelecido, disse. Em 20 anos, houve apenas as multas de 2023, referentes a “falhas documentais que foram sanadas”. “A empresa jamais foi autuada por exploração ilegal de madeira. A maior das multas se deve a erro do próprio poder público, não da empresa, motivo pelo qual foi contestada.”
Em 22 de março de 2024, outra reportagem mostrou que o MPF investigava a suspeita de exploração ilegal de madeira no assentamento, com pedido da Procuradoria para que a PF (Polícia Federal) instaurasse um inquérito policial.
Fonte ==> Folha SP