Nos últimos anos, o mundo empresarial tem sido desafiado a lidar com uma agenda que, até pouco tempo, era considerada exclusiva dos governos e da sociedade civil, a crise climática.
Secas prolongadas, ondas de calor, enchentes e crises hídricas deixaram de ser abstrações científicas para se tornar riscos concretos, capazes de afetar diretamente operações, cadeias de suprimento e, em última instância, o resultado financeiro das empresas.
Nesse cenário, o Brasil vive um momento de inflexão. A promulgação da Lei nº 14.904/2024, que estabelece diretrizes nacionais para os Planos Municipais de Mitigação e Adaptação às Mudanças do Clima, exige que gestores públicos e empresas incorporem de forma definitiva a variável climática em seus processos de decisão. E é justamente nesse ponto que o licenciamento ambiental climático emerge como um novo divisor de águas para os negócios.
Do paradigma burocrático ao estratégico
Historicamente, o licenciamento ambiental foi percebido pelo setor privado como um entrave burocrático, um rito formal a ser cumprido para viabilizar projetos. Esse paradigma, no entanto, já não se sustenta. O licenciamento, quando visto sob a ótica climática, deixa de ser apenas um controle e passa a ser um instrumento estratégico de gestão de riscos e oportunidades.
No meu livro Gestão e Planejamento Ambiental – Estratégias Municipais e Estaduais contra as Mudanças Climáticas, defendo que o licenciamento climático deve ampliar o escopo tradicional, incorporando elementos como:
- Avaliação de vulnerabilidade climática: identificar riscos de enchentes, secas, deslizamentos ou ondas de calor sobre a área do empreendimento.
- Análise de emissões de gases de efeito estufa (GEE): considerando não apenas a fase de operação, mas também construção e cadeia de suprimentos.
- Medidas de adaptação e mitigação: exigindo planos claros das empresas para enfrentar eventos climáticos extremos e reduzir sua pegada de carbono.
- Compatibilidade com os Planos Municipais de Ação Climática: garantindo que projetos privados se alinhem às diretrizes locais e nacionais de combate às mudanças do clima.
Esse modelo antecipa problemas que, se ignorados, podem gerar prejuízos milionários, embargos judiciais ou até inviabilizar negócios no médio prazo.
O impacto para os negócios
O setor empresarial precisa compreender que o risco climático é um risco financeiro. Investidores internacionais, bancos multilaterais e até mesmo consumidores estão cada vez mais atentos às práticas de sustentabilidade. Projetos que não considerem seriamente o impacto climático enfrentam:
- Maior dificuldade de financiamento: instituições como o BNDES e o Banco Mundial já condicionam crédito a critérios ESG.
- Barreiras comerciais: países importadores, como membros da União Europeia, começam a exigir comprovações ambientais para autorizar negócios.
- Custos operacionais crescentes: eventos climáticos extremos podem paralisar operações, destruir estoques ou encarecer seguros.
- Risco reputacional: empresas que ignoram o tema sofrem desgaste de imagem, perdendo competitividade em mercados cada vez mais conscientes
Por outro lado, aquelas que se antecipam ganham segurança jurídica, ampliam acesso a capital e fortalecem sua reputação. Em um mercado globalizado, onde a agenda climática é irreversível, adaptar-se não é mais uma escolha, mas uma necessidade estratégica.
Da regulação à oportunidade
Há quem veja na regulação climática apenas mais uma exigência estatal. Mas é preciso inverter essa lógica, o licenciamento ambiental climático pode ser um diferencial competitivo. Empresas que internalizam desde cedo a agenda climática:
- Aprimoram processos produtivos para reduzir consumo de energia e água.
- Ganham resiliência frente a crises que paralisam concorrentes.
- Aumentam valor de mercado ao serem reconhecidas como líderes em sustentabilidade.
- Abrem portas para novos mercados, já que cadeias globais de valor estão priorizando fornecedores comprometidos com a agenda climática.
No Brasil, onde tragédias ambientais recentes expuseram a fragilidade da infraestrutura urbana e industrial diante de chuvas intensas ou estiagens prolongadas, ignorar o licenciamento climático é condenar-se a um futuro de insegurança jurídica e econômica.
O papel dos gestores e empresários
O desafio agora é de governança corporativa. Conselhos de administração, investidores e executivos precisam entender que a agenda climática não é um “custo”, mas uma estratégia de sobrevivência. Assim como a transformação digital foi determinante nas últimas décadas, a transformação climática regulatória será o eixo estruturante dos próximos anos.
Empresários atentos perceberão que estar em conformidade com o licenciamento climático não é apenas cumprir a lei, mas blindar seus negócios contra riscos e abri-los para novas oportunidades. O setor que souber dialogar de forma madura com os órgãos ambientais, apresentando projetos sólidos e responsáveis, sairá na frente.
O divisor de águas
Estamos diante de um divisor de águas. O licenciamento ambiental climático redefine as regras do jogo, separa os negócios preparados para o século XXI daqueles presos a um modelo ultrapassado, insustentável e cada vez mais caro.
Não se trata apenas de preservar o meio ambiente, trata-se de garantir competitividade, perenidade e legitimidade empresarial em um mundo em rápida transformação.
No final das contas, a pergunta não é se as empresas devem se adaptar ao licenciamento ambiental climático, mas quem sairá na frente e liderará essa transição.