Livros da Fuvest 2026 provocam novos debates em colégios – 07/07/2025 – Educação

Livros da Fuvest 2026 provocam novos debates em colégios - 07/07/2025 - Educação

A Fuvest inaugura neste ano uma lista de leitura obrigatórias só com autoras mulheres, a maioria delas aparecendo pela primeira vez na prova, que seleciona estudantes para a USP. Embora tanta novidade possa assustar, o fato de haver menos resumos, vídeos e outros materiais de referência consolidados sobre os livros tem sido usado pelos colégios para promover debates novos.

A própria ideia de quais são os “clássicos”, quem os define ou por que é importante lê-los virou tema de aulas. “Uma lista com autoras não canônicas abriu a possibilidade de discutir o que é cânone, de como a gente pensa sobre a literatura, o que importa nela”, diz Ana Bergamin, coordenadora do ensino médio no Colégio Vera Cruz, na zona oeste de São Paulo.

Segundo ela, os adolescentes se interessam muito por esse tipo de debate, o que não significa que estão gostando de todas as obras. Porém, é natural que nem todos os livros façam sucesso entre os estudantes. “Desde que eu prestei vestibular era assim; algumas obras eram difíceis demais para aquela fase da vida”, conta.

A opção por uma lista de obras 100% escritas por mulheres foi anunciada pela universidade em novembro de 2023. Pelo plano, durante três anos (nas edições de 2026, 2027 e 2028 do vestibular), a seleção terá apenas autoras, e até Machado de Assis, recorrente nas leituras obrigatórias, ficará de fora.

A partir deste vestibular, os candidatos terão que ler obras das seguintes autoras: Conceição Evaristo, Djaimilia Pereira de Almeida, Julia Lopes de Almeida, Lygia Fagundes Telles, Narcisa Amália, Nísia Floresta, Paulina Chiziane, Rachel de Queiroz e Sophia de Mello Breyner Andresen.

Nas escolas, a forma de estudar não muda completamente apenas por serem obras de mulheres. O que muda, na verdade, é o fato de não existirem tantos materiais como resumos e vídeos de aulas disponíveis na internet. Tampouco há questões de anos anteriores da própria Fuvest sobre os livros. “Não tem atalhos: é preciso ler. Nas aulas, estamos num processo de análise literária e discussão de um jeito menos contaminado”, afirma a coordenadora.

Leonardo Dos Santos Buzatto, professor do Liceu de Artes e Ofícios, já dá aulas de literatura há 20 anos e confessa que ficou assustado quando viu a lista pela primeira vez, por ter várias obras que não conhecia ou que não tinha estudado. Portanto, antes de preparar os alunos, precisou se preparar. Como a lista foi divulgada com dois anos de antecedência, houve tempo para isso.

“Já li cada uma das obras mais de três vezes —e releio vários trechos. Tentei procurar referências e estudos sobre os livros, entender a época histórica da publicação, mas foi sobretudo a partir da leitura das próprias obras que fui encontrando as qualidades literárias”, explica.

Para o professor, também é importante pensar sobre a lista em conjunto. “A gente começa a entender o porquê dessa escolha de uma lista só de mulheres, o caminho das pedras que elas tiveram que percorrer. Até Raquel de Queiroz entrar na Associação Brasileira de Literatura, quantas outras não foram apagadas?”, questiona.

O professor ressalta que, embora tratem de temas das mulheres, as obras não se resumem a assuntos tachados como femininos. “Em ‘Nebulosas’ [de Narcisa Amália], há poesia de amor, sobre abolição, questionamentos sobre a liberdade. É uma obra profunda”, exemplifica. Para trabalhar esse livro, o professor organizou com as turmas um sarau só com as poesias da obra.

Os representantes dos colégios ressaltam, contudo, que seu currículo de literatura não se resume à lista da Fuvest. Assim, autores homens consagrados como Machado de Assis continuam sendo lidos e estudados pelas turmas.

Por ser uma espécie de “farol” para outros vestibulares e mesmo para o ensino médio, a lista deve começar a criar novas referências. “Vejo como um compromisso social da Fuvest; estão chacoalhando o barco, porque era preciso. E quem só decorava resumo vai ter que realmente pensar”, afirma Marcel Costa, fundador do cursinho pré-vestibular IntegralMind.

Costa defende que, além de ler as obras, é preciso sempre pensar nelas dentro do seu contexto. “A escolas literárias refletem movimentos sociais, a cultura de um tempo; são como fotos de uma sociedade. Agora, temos fotos tiradas por mulheres”, diz.

Ele destaca ainda que incluir autoras de Angola e Moçambique, além de Brasil e Portugal, traz uma dimensão importante para a prova deste ano; um olhar para a lusofonia de forma mais ampla.

“A lista cria uma representatividade africana. Ela está dizendo aos alunos que, se é língua portuguesa, tem que ser estudado. Tem uma visão global do idioma”, afirma.


LIVROS DA FUVEST 2026

  • “Opúsculo Humanitário” (1853) – Nísia Floresta
  • “Nebulosas” (1872) – Narcisa Amália
  • “Memórias de Martha” (1899) – Julia Lopes de Almeida
  • “Caminho de Pedras” (1937) – Rachel de Queiroz
  • “O Cristo Cigano” (1961) – Sophia de Mello Breyner Andresen
  • “As Meninas” (1973) – Lygia Fagundes Telles
  • “Balada de Amor ao Vento” (1990) – Paulina Chiziane
  • “Canção para Ninar Menino Grande” (2018) – Conceição Evaristo
  • “A Visão das Plantas” (2019) – Djaimilia Pereira de Almeida

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Fonte ==> Folha SP

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