O avanço de um lixão flutuante a céu aberto, instalado há pelo menos duas décadas no vilarejo peruano de Islândia, na região da tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia, tem contaminando as águas do rio Javarizinho, afluente do rio Javari, e afetando diretamente a população de Benjamin Constant, no interior do Amazonas.
A situação levou a Defensoria Pública do estado a pressionar uma solução por parte do governo federal. A instituição enviou ofícios, no dia 18 de junho, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, à ministra Marina Silva (Meio Ambiente) e ao ministro Mauro Vieira (Relações Exteriores), pedindo cooperação internacional para resolver o impasse.
O lixo, que, segundo a Defensoria, inclui resíduos orgânicos, hospitalares e até metais pesados, é despejado diretamente sobre o rio e representa uma ameaça à saúde pública e ao meio ambiente na região.
A poluição impacta principalmente ribeirinhos, indígenas e comunidades tradicionais da região do Alto Solimões. De acordo com a Defensoria, os moradores de Benjamin Constant usam a água do rio para consumo e vêm registrando aumento de doenças de veiculação hídrica. Ainda assim, nenhuma medida concreta foi tomada pelo governo federal até agora.
“Quando falamos em crise ambiental, falamos também em violação de direitos humanos. Isso não é uma abstração para quem vive às margens desses rios contaminados, sem ter a quem recorrer”, diz o defensor público geral do Amazonas, Rafael Barbosa.
No documento, a Defensoria pede que o governo federal lidere uma articulação internacional para dar fim ao lixão fluvial e garantir a proteção dos direitos humanos na região.
A situação se arrasta há pelo menos 20 anos, segundo relatos de moradores. O lixão ocupa cerca de 4.800 metros quadrados e chega a nove metros de altura —90% do volume fica submerso durante a cheia dos rios. Islândia, onde está localizado o depósito irregular, não tem terra firme suficiente para receber o descarte, o que agrava o problema.
Nesta quarta-feira (25), o coordenador do grupo estratégico da Defensoria que atua com populações vulneráveis, Maurilio Casas Maia, se reuniu com representantes da prefeitura e da câmara de Benjamin Constant para discutir soluções. Uma das propostas foi retomar o uso de uma balsa para armazenar o lixo, alternativa que já foi adotada temporariamente pelo governo peruano no passado.
Planeta em Transe
Uma newsletter com o que você precisa saber sobre mudanças climáticas
O subsecretário de Meio Ambiente do município, Weique de Almeida, também defende que a questão seja abordada junto ao governo peruano. “Nós não conseguimos fazer muita coisa, fazemos o que está a nosso alcance. Mas, infelizmente não é o suficiente. Precisamos da internacionalização do problema, que o governo federal, o Itamaraty atue”, diz.
Ainda segundo o parlamentar, a água que abastece o município já apresenta contaminação. “Esse lixo gera chorume e despeja coliformes fecais no rio, que desce para a nossa cidade”, afirma Almeida.
A última análise feita pela prefeitura mostrou que o nível de oxigênio dissolvido na água está em 1,28 miligrama por litro —abaixo do mínimo de 5 mg/L exigido para preservação da vida aquática, estabelecido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente.
Em nota, o Ministério do Meio Ambiente informou que levou a situação ao governo do Peru no dia 18 de junho, durante reunião do Grupo de Cooperação Ambiental Fronteiriça, que reúne representantes dos dois países. A proposta brasileira foi construir um aterro sanitário conjunto, com contrapartidas a serem definidas em parceria.
O tema voltará a ser debatido na próxima sessão do grupo, marcada para 10 de julho. A pasta afirma que o governo brasileiro mantém iniciativas conjuntas com o Peru voltadas à gestão de resíduos sólidos, especialmente na região do Acre e da província peruana de Tahuamanu, mas reconhece que o caso de Islândia ainda aguarda desfecho.
Apesar do avanço diplomático, o defensor Maurilio Casas Maia lamenta a ausência de medidas práticas. “O pequeno município não possui recursos para construir um aterro sanitário com padrão internacional para receber dejetos do vilarejo peruano”, ressalta.
Segundo estimativas da prefeitura, Benjamin Constant produz de 30 a 36 toneladas de lixo por dia. Islândia, cerca de 10.
A Defensoria alerta que, sem uma ação coordenada, o risco à saúde e ao meio ambiente tende a se agravar e seguirá ultrapassando fronteiras. “A liberação de substâncias tóxicas e mais pesados poderá gerar surtos de doenças. É imprescindível que se estabeleça uma parceria internacional imediata para conter esse colapso ambiental e sanitário”, afirmou o defensor Renan Nóbrega, que atua no município.
A reportagem procurou também o Itamaraty e a Casa Civil da Presidência da República, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.
Fonte ==> Folha SP