O jogador venezuelano Miguel Navarro, do argentino Talleres, denunciou nesta terça-feira (27) “um ato de xenofobia” do volante paraguaio Damián Bobadilla, do São Paulo, durante duelo da Copa Libertadores. A partida entre os dois times ocorreu no estádio Morumbis.
Navarro e Bobadilla, jogadores das seleções de seus países, se estranharam na reta final do jogo, que foi vencido por 2 a 1 pelo tricolor paulista.
Após a discussão, o venezuelano de 26 anos começou a chorar, e o árbitro chileno Piero Maza interrompeu a partida por alguns minutos. Companheiros e adversários consolaram Navarro, e o duelo prosseguiu.
“Vou até as últimas consequências diante do ato de xenofobia que vivenciei hoje no Brasil pelas mãos de Damián Bobadilla”, afirmou Navarro após o jogo em uma publicação no Instagram.
“Gostaria que pudesse ter nas minhas mãos a solução para a fome no meu país […] jamais terei vergonha das minhas raízes”, acrescentou Navarro, referindo-se à crise humanitária na Venezuela.
Mais tarde, em declarações à imprensa, ele disse que o adversário o chamou de “venezuelano morto de fome”.
Bobadilla, de 23 anos, joga no São Paulo desde 2024. Seu pai é o ex-goleiro da seleção paraguaia Aldo Bobadilla.
Em nota, o time tricolor afirmou que “está acompanhando atentamente a apuração dos fatos pelas autoridades competentes e colaborando integralmente com as investigações em curso”.
O clube disse, ainda, que “repudia veementemente qualquer manifestação de discriminação, preconceito ou intolerância, seja ela de natureza racial, étnica, nacional ou de qualquer outra forma”.
De acordo com o comunicado, Bobadilla nunca apresentou histórico de conduta disciplinar negativo. Por isso, receberá apoio institucional do São Paulo, mas, mesmo assim, passará por medidas educativas.
“O clube providenciará que ele seja devidamente orientado por meio de medidas educativas que serão conduzidas pela área de compliance”, informou o time tricolor.
O jogador paraguaio também se manifestou nas redes sociais. Primeiro, afirmou que teve uma discussão com jogadores do Talleres e, segundo ele, teria sido “tratado com desprezo”. Depois, reconheceu que “agiu mal”.
“No calor do momento eu reagi mal e, bem, peço desculpas publicamente. Se eu tiver a oportunidade de falar com ele pessoalmente, também pedirei desculpas. Só queria esclarecer isso e mandar um grande abraço a todos”, disse o atleta em um vídeo.
O Talleres expressou o “mais enérgico repúdio” ao “ato de xenofobia” e expressou profunda solidariedade a seu atleta. “Como instituição, levantamos a voz contra qualquer forma de discriminação. NÃO há lugar para o ódio no futebol”, afirmou em uma mensagem na rede X.
A imprensa brasileira divulgou imagens de membros da delegação do Talleres entrando na delegacia do estádio Morumbis.
“Quero falar sobre um ato de racismo que nós sofremos hoje. Talvez isso seja duplamente doloroso, porque estamos justamente aqui, em uma terra onde se promove muito o combate à discriminação racial”, disse o jogador argentino do Talleres Augusto Schott em sua declaração pós-jogo.
No Brasil, o racismo é considerado crime, punível com entre dois e sete anos e meio de prisão. Os clubes do país têm denunciado com insistência atos de racismo contra seus jogadores nas partidas como visitante nos torneios continentais.
No início de maio, o boliviano Miguel Terceros foi detido por chamar de “negro de merda” um adversário em uma partida da segunda divisão do Campeonato Brasileiro. Terceros, uma das promessas do futebol boliviano, foi liberado no dia seguinte, mas continua respondendo perante a Justiça.
O jogador do São Paulo também poderá ser punido pela Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol). Em abril, o uruguaio Pablo Ceppelini pegou um gancho de quatro meses por um ato de xenofobia durante o jogo entre Alianza Lima e Boca Juniors, pela fase preliminar da Libertadores.
A entidade alegou que ele infringiu o artigo 15.1 do Código Disciplinar e o suspendeu em seus torneios pela atitude que “menospreze, discrimine ou atente contra a dignidade humana de outra pessoa ou grupo de pessoas por motivos de cor da pele, raça, religião, origem étnica, gênero ou orientação sexual”.
Devido à punição, o jogador não enfrentou o São Paulo no duelo entre os times pela fase de grupos.
Em nota, a Federação Venezuelana de Futebol afirmou que vai levar à Conmebol e à Fifa os casos de racismo sofridos por Miguel Navarro e pela jogadora Jhoagny Contreras, do time feminino do Desportes Iquique, do Chile, ocorrido em partida do Campeonato Chileno, no último dia 19.
“E que não fique dúvidas: a xenofobia contra um jogador de futebol venezuelano é inaceitável e será sempre enfrentada com a maior firmeza. Não é só um ataque a um profissional do esporte, mas sim uma tentativa de menosprezar nossa identidade. Onde tiver um venezuelano jogando futebol, deve haver respeito”, disse a entidade.
O São Paulo conseguiu a classificação às oitavas de final do torneio continental como líder do Grupo D, enquanto o Talleres terminou em último e encerrou sua participação em competições internacionais nesta temporada.
No ranking mundial do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), feito pela ONU (Organização das Nações Unidas), o Paraguai está em 99º lugar, com 0,756 –quanto mais perto de 1, melhor. A Venezuela ocupa a 121ª posição, com índice 0,709.
Segundo dados do FMI (Fundo Monetário Internacional) referentes a 2024, o PIB (Produto Interno Bruto) per capta da Venezuela é de 4.510 dólares, enquanto o do Paraguai é de 6.390 dólares. Como comparação, o do Brasil é 10,21 mil dólares.
Fonte ==> Folha SP