Moeda 4.0 –  O Brasil entre a inovação e a prudência: como o país pode liderar a próxima revolução financeira global

O mercado de criptoativos brasileiro vive um momento decisivo. Com mais de R$ 180 bilhões movimentados anualmente e cerca de 10 milhões de investidores ativos, o país já figura entre os principais players globais do setor. Mas até que ponto essa vitalidade de mercado se converterá em liderança regulatória internacional?

Para entender esse cenário, conversamos com Tayná Carneiro, Doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), e que acaba de defender sua tese sobre a construção regulatória da criptoeconomia no Brasil. Referência no debate sobre inovação no Direito, Carneiro tem acompanhado de perto a evolução do marco regulatório brasileiro e traz uma perspectiva única sobre os desafios e oportunidades do setor.

Entre o experimentalismo e a estabilidade

“O que descobrimos na pesquisa é que o Brasil está desenhando um modelo próprio, híbrido, incremental e pragmático, que não é simples tropicalização de nenhum país”, explica Carneiro.
“Enquanto El Salvador apostou tudo no Bitcoin como moeda oficial e a China optou pela proibição generalizada, o Brasil vem arquitetando um ecossistema regulatório que tenta equilibrar inovação com proteção ao investidor.”

O estudo examinou mais de 300 contribuições às consultas públicas do Banco Central sobre ativos digitais e identificou um dado preocupante: nenhuma universidade brasileira participou formalmente do processo.
“É sintomático. Ainda há um vácuo entre a produção acadêmica e o processo regulatório. Decisões de alta complexidade técnica estão sendo tomadas sem a devida contribuição científica”, alerta a advogada

O desafio das zonas cinzentas

Um dos principais achados da pesquisa foi a identificação do que Carneiro chama de “zonas cinzentas regulatórias” – áreas onde nem o Banco Central nem a CVM têm clareza sobre suas competências. “Stablecoins e DeFi (Finanças Descentralizadas) são os exemplos mais óbvios. São bilhões de reais circulando em protocolos descentralizados sem uma diretriz clara de supervisão.”

Essa indefinição tem custos concretos para o mercado. Segundo dados do setor, empresas brasileiras de cripto gastam em média 30% mais com compliance do que suas concorrentes em jurisdições com regras mais claras, como Singapura ou Suíça.

O Brasil pode liderar?

Carneiro é otimista, mas com ressalvas. “Temos todas as condições: um mercado vibrante, reguladores tecnicamente preparados e um sistema financeiro robusto. O que falta é coordenação institucional e métricas objetivas.”

A tese propõe a criação de um comitê permanente BCB-CVM-COAF e sandboxes regulatórios específicos para inovações em blockchain. “Não podemos regular o futuro com ferramentas do passado. Precisamos de experimentação controlada, mas também de coragem para assumir que estamos lidando com uma mudança de paradigma.”

A moeda do futuro

Para a pesquisadora, o debate sobre criptoativos vai muito além de especulação financeira. “Estamos falando da infraestrutura monetária do século XXI. A pergunta não é se o Brasil vai participar dessa revolução, mas se vamos ser protagonistas ou coadjuvantes.”

O timing é crucial. Com o Real Digital (Drex) em desenvolvimento e exchanges brasileiras ganhando relevância global, o país tem uma janela de oportunidade única. “Mas essa janela não ficará aberta para sempre. Outros países estão avançando rapidamente, e decisões tomadas agora definirão nossa posição nas próximas décadas.”

A mensagem de Carneiro para reguladores e empresários é clara: “Precisamos superar a dicotomia entre inovação e prudência regulatória. Os dois podem e devem caminhar juntos. O Brasil tem histórico de criar soluções financeiras inovadoras – do Pix ao Open Banking. Agora é hora de aplicar essa mesma criatividade ao universo dos ativos digitais.”

Com a regulamentação das PSAVs em fase final e o mercado global de criptoativos projetado para alcançar US$ 5 trilhões até 2030, as decisões tomadas nos próximos meses serão fundamentais. Como conclui Carneiro: “Não se trata apenas de regular um novo tipo de ativo, mas de reimaginar todo o sistema financeiro para a era digital. E o Brasil tem tudo para estar na vanguarda dessa transformação.”

Sobre Tayná Carneiro:

Advogada e Consultora Jurídica. Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Fellow Kobe University (Japão). Editora-chefe da Revista de Direito e as Novas Tecnologias (RDTec). Vice-Presidente da Comissão de Inteligência Artificial e Secretária-Geral da Comissão de Direito Bancário da OAB/RJ. Co-Fundadora e Diretora da Future Law. Coordenadora dos livros da SaraivaJur: “Departamento Jurídico 4.0 e Legal Operations”, “Legal Operations: como começar” e “Transformação Jurídica: Criatividade é comportamento… Inovação é Processo”. É professora universitária, palestrante e autora de diversos livros e artigos especializados.

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