Nas ruas de Congonhas, placas com o alerta “rota de fuga” estão espalhadas nas calçadas. Junto a elas, estão setas que apontam para áreas mais elevadas do município histórico em Minas Gerais, conhecido por um dos maiores acervos do escultor Aleijadinho.
O motivo da sinalização está no horizonte: a barragem Casa de Pedra, uma estrutura com capacidade para conter 65 milhões de metros cúbicos erguida no meio da cidade.
Quase dez anos desde o desastre de Mariana ocorrido a 70 km dali, a outra construção em Congonhas continua preocupando e causando e adoecimento mental entre moradores, segundo o MAB (Movimento Atingido por Barragens).
Próximo a barragem em Congonhas, vivem 4.330 pessoas. Outros 12 mil estão dentro da “zona de auto salvamento”, território demarcado pela prefeitura equipado com sirenes para uma possível evacuação em caso de risco de rompimento.
A CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) assegura, em nota, que a barragem é segura, estável e sem risco de se romper. Já nos cálculos do MAB (Movimento Atingidos por Barragem), os moradores teriam oito segundos para fugir da lama no caso de um eventual colapso.
Em janeiro, uma audiência do Ministério Público de Minas Gerais destacou relatos de aumento do uso de medicamentos controlados, incômodo com a desvalorização de imóveis e medo dos dias chuvosos devido à barragem.
A intenção da Promotoria e de movimentos sociais é avaliar previamente a saúde mental de populações próximas a barragens e aferir o impacto na saúde mental com a hipótese de um acidente.
Como exemplo, a coordenação do MAB cita uma pesquisa da FioCruz , de novembro, que detalhou que de 2021 a 2023 o número de adultos com episódios de depressão intensa em Brumadinho passou de 28,8% para 38,4%. Já os quadros de ansiedade foram de 19,2% para 30,8% no mesmo intervalo.
Segundo o MAB, novas reuniões sobre o tema devem ser feitas com a Promotoria ainda neste ano.
FISSURAS
Alguns dos sintomas presenciados em Congonhas remetem a 2017, quando um parecer do Ministério Público demonstrou fissuras e o risco de quebra da Casa de Pedra. Na época, os promotores exigiram incremento nas medidas de segurança.
Em 2019, duas escolas foram fechadas pela prefeitura por ficarem próximas da barragem. Os estudantes foram transferidos e os dois prédios continuam abandonados, mas as pessoas que moravam ao redor não foram retiradas e seguem no local.
Em 2022, um deslizamento de terra causado por chuvas também teria transportado rejeitos de minério a um rio próximo a Congonhas, segundo o MPF (Ministério Público Federal).
A empresa defende que o incidente aconteceu em uma área próxima, não na barragem. Também diz ter investido R$ 9 milhões em planos de evacuação, núcleos comunitários, veículos para Defesa Civil, treinamentos, seminários e sinalização.
A CSN afirma ainda ter feito obras para aumentar a estabilidade do local do deslizamento e protegê-lo da erosão, em especial nos períodos mais chuvosos.
A Fundação Estadual do Meio Ambiente, do governo de Minas, também afirma que um relatório de 2024 atestou a estabilidade e segurança do empreendimento. Segundo a gestão estadual, a barragem não recebe novos rejeitos desde 2019.
Apesar disso, o aposentado Sebastião dos Santos, 64, ainda diz sentir medo dos dias de chuva. Há vinte anos, o morador do bairro Gualter Monteiro e agente comunitário viu a mineradora erguer e ampliar a operação a cerca de 200 metros de onde vive.
Diz já ter recebido fake news sobre possíveis abalos à barragem. Para ele, as notícias falsas causam uma espécie de descrença nos vizinhos sobre as normas de segurança. Muitos, diz, sequer saem de casa quando as sirenes anunciam mais um exercício de evacuação.
Não é o caso dele.
Sebastião lembra do estouro da Fundão, onde 19 pessoas foram mortas na região do distrito de Bento Rodrigues, uma área rural a cerca de 50 minutos da área urbana de Mariana. Ele também não esquece de Brumadinho e suas 268 vítimas. Religioso, é voluntário em uma capela próxima da casa onde vive com a família.
“A gente se imagina dentro daquela cena. Só que com a gente, a coisa seria muito maior, né?”, diz. “É um medo constante. Eu peço a Deus para nos dar discernimento caso um dia aconteça de ela vir abaixo e a gente sair a tempo”.
A CSN afirma monitorar a barragem 24 horas por dia, investir em auditorias regulares feitas por auditores externos e ter investido em um modelo de construção para “assegurar que ela jamais estaria suscetível a rompimentos no moldes do que aconteceu em Mariana e Brumadinho”.
O padre Antônio Claret, 60, da paróquia Nossa Senhora da Conceição, já propôs à empresa medidas mais drásticas, como reassentar a população próxima à Casa de Pedra em um outro local.
Desde Brumadinho, ele representa o movimento de atingidos por barragens no município. A igreja em que está à frente é próxima dos bairros mais pobres de Congonhas, distante dos Doze Profetas de Aleijadinho.
Muitos moradores, porém, deixaram de participar de audiências públicas para discutir alternativas.
“O pessoal tem medo, mas não tem como sair. Muitos têm familiares ou dependem do trabalho na mineradora”, explica. “Já houve uma reunião com mil pessoas. Mas o pessoal se desiludiu por não ver mais solução.”
No cotidiano da paróquia, porém, as sugestões são menos técnicas. Ali, diz ter sido procurado com demandas mais íntimas.
“A gente percebe muito adoecimento mental. A pessoa não dorme direito, aumentou muito o uso de remédio controlado”, explica.
A CSN afirma que um reassentamento está fora dos planos pela possibilidade de prejuízos ambientais e socioeconômicos, uma vez que a barragem é segura e a sugestão seria “absolutamente injustificável, dada a ausência de riscos.”
O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde
Fonte ==> Folha SP