A elevação do nível do lago Guaíba, em Porto Alegre, tem causado preocupação em moradores de áreas fora do sistema de proteção contra cheias da capital gaúcha.
A prefeitura de Porto Alegre fechou, nesta segunda-feira (30), as últimas cinco comportas ainda abertas, localizadas no centro histórico e na zona norte. Já na região das ilhas e no bairro Guarujá, na zona sul, o Guaíba já ultrapassou a cota de inundação.
Os portões das comportas 1, 2, 4 e 6, no centro de Porto Alegre, começaram a ser fechados na manhã desta segunda-feira (30). Já a comporta 12, que está em obras, foi fechada com sacos de areia de uma tonelada, cobertos por uma camada de argila.
O fechamento da comporta 12, que conecta duas das principais vias de Porto Alegre, alterou a circulação do trânsito na região.
Pela manhã, a régua no Guarujá marcava 2,51 metros, 1 cm acima da cota do local. Na orla do bairro, moradores estão acompanhando o nível do Guaíba desde a primeira elevação, na metade do mês.
“A gente sabia que poderia encher, mas não esperava a quantidade de chuva. Foi praticamente uma semana toda chovendo, aí a gente se preocupou”, disse Eduardo Corrêa, 30, gerente de uma loja de piscinas.
“A gente tem estratégias aqui na loja, para remover os produtos e tudo mais”, explica. Segundo ele, ainda não foi necessário colocá-las em prática.
Na enchente histórica de 2024, sua loja ficou sob quase 1 metro de água. Agora, a enchente está subindo a praça da orla, e trechos da rua estão totalmente inundados.
Segundo Eduardo, a cheia do ano passado fez a população do bairro mudar a postura durante as chuvas. “Ontem à noite, vimos pessoas se mudando. Juntaram os móveis, a gente viu o carro saindo com o colchão, carregado de mudança. Ou seja, o pessoal não está esperando subir mais para poder sair de casa.”
O biólogo Nicolas Mascarello, 45, mora em uma área mais alta do Guarujá e, um ano depois das enchentes de 2024, vê o bairro como um canteiro de obras.
“Muitas casas foram reerguidas faz pouco tempo”, explica. Mascarello diz que o frio e a previsão de um nível alto do Guaíba pelos próximos dias são desafios para os moradores do bairro. “Tem gente mais humilde aqui no bairro, e estão todos preparados, de botas, esperando a água chegar.”
“Se prevenir de uma situação que não se sabe quando vai acontecer de novo não é uma coisa barata. Hoje em dia, tudo é dinheiro”, afirma. “Nesse frio, as pessoas colocam madeiras para tapar buracos da casa.”
Às 16h, os termômetros na orla marcavam 13 °C. A previsão para esta semana indica o retorno das temperaturas baixas, podendo atingir mínima de 3 °C e máxima de 11 °C, segundo dados do Climatempo.
Além das cheias, os moradores também enfrentam a mudança dos ventos, que reduziu a sensação térmica no bairro e deixou o Guaíba mais turbulento, com pequenas ondas que ultrapassam o nível de transbordamento.
A força da água arrastou lixo plástico, galhos e dezenas de troncos de árvore para a faixa de areia e a calçada da orla. Segundo Mascarello, restos de árvores tornaram-se uma visão comum para o público que busca lazer ou prática de esportes nas quadras da orla, especialmente após as cheias de maio de 2024.
O fenômeno começou a ocorrer em menor escala nas cheias de setembro e novembro de 2023, respectivamente, a terceira e a quarta maiores enchentes do Guaíba em quase 100 anos.
A avenida da orla também está com mais casas à venda —algumas abandonadas e com marcas de lama com mais de um ano.
Bairros como Guarujá, Ipanema e Lami já sofreram com outras enchentes e alagamentos no passado, normalmente causados por chuvas muito fortes e pontuais, mas a realidade de alagamentos contínuos e demorados é recente.
Como o Guaíba está muito cheio, as bocas de lobo estão sobrecarregadas, e a água alagou casas a duas ou três quadras da orla — como a do autônomo Leandro Jardim, 54, que sai todo dia de galochas para acompanhar a elevação da água no arroio que corta o bairro.
Leandro está preocupado porque ainda está mobiliando a casa. Em maio de 2024, a enchente do lago Guaíba atingiu 1,4 metro dentro de sua residência. Foram mais de 40 dias fora de casa, e mais da metade dos móveis e eletrodomésticos perdidos.
Desta vez, pelas previsões, ele considera que a água deve, no máximo, invadir seu pátio. Ainda assim, teme ser pego de surpresa. “Vou tentar fazer alguma contenção, caso entre um pouco de água. Talvez a casa escape, mas…”, hesita Leandro.
O sistema de proteção contra cheias de Porto Alegre foi desenvolvido nos anos 1960, quando a zona sul ainda não havia passado por uma expansão habitacional.
Após o colapso de 2024, a prefeitura encomendou um projeto para refazer o sistema de proteção contra enchentes na capital. O projeto está em fase de elaboração e é conduzido pelo professor emérito da UFRGS Carlos Tucci.
As chuvas retornaram ao Rio Grande do Sul no fim de semana causando novas enchentes nos rios Caí, Taquari e Jacuí, que já haviam registrado elevações na metade do mês. Os três rios são afluentes do lago Guaíba, que banha Porto Alegre.
Porto Alegre tem 80 pessoas em um abrigo emergencial, com capacidade para receber até 150 desabrigados. A maior parte das famílias no abrigo veio da região das ilhas da capital, que tem cota de inundação menor do que o restante da cidade.
Fonte ==> Folha SP