Morreu nesta quinta-feira (24) Edy Star, cantor e multiartista que transitou do submundo ao mainstream, marcou o glam rock nacional e dizia ser o primeiro nome da música brasileira a se assumir gay.
A informação foi publicada por Ricardo Santhiago, biógrafo e amigo do artista, no perfil oficial cantor, que tinha 87 anos. Um comunicado enviado à imprensa afirma que a morte de Edy ocorreu “em decorrência de complicações clínicas que se agravaram nos últimos dias”.
“O artista faleceu de forma serena, sem dor, enquanto recebia tratamento médico. As causas foram insuficiência respiratória, insuficiência renal aguda e pancreatite aguda — condições que, infelizmente, não puderam ser revertidas, apesar dos cuidados intensivos”, diz o texto.
Edy estava internado em estado grave no Hospital Heliópolis, na zona sul de São Paulo, após sofrer um acidente doméstico. “Ele chegou ao hospital em estado gravíssimo, foi submetido à diálise, mas enfrentava complicações mais severas”, afirma Santhiago na nota.
As informações sobre o velório ainda não foram divulgadas.
Nascido Edivaldo Souza em Juazeiro, na Bahia, Edy Star iniciou a carreira na adolescência, na Rádio Sociedade da Bahia. Ao longo das décadas de 1960 e 1970, participou do teatro de revista, do cabaré e da música popular.
Na época em que se apresentava no Largo de Roma, em Salvador, era chamado de Edy Bofélia e tinha fama de brigão. “É viado valente, queria dar porrada em todo mundo aqui no Cinema Roma”, disse Waldir Serrão, em depoimento para o documentário “Antes que me Esqueçam, Meu Nome é Edy Star”, lançado no ano passado.
No Rio de Janeiro, Edy Star se apresentou com destaque na barra pesada dos cabarés da zona portuária que acabou catapultado para o sucesso nas boates chiques da zona sul. O cantor ganhou a fama de ser o primeiro músico brasileiro a assumir publicamente sua homossexualidade, algo que ele próprio afirmava.
Edy era o único integrante remanescente dos “kavernistas” —isto é, dos artistas que gravaram o álbum “Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10”, de 1971, com Raul Seixas, Sérgio Sampaio e Miriam Batucada.
Com músicas e vinhetas pouco comuns para a época, o disco foi registrado e lançado entre junho e julho de 1971, pela gravadora CBS. O álbum foi recolhido da lojas dois meses após o lançamento, e ficou fora de catálogo por mais de 20 anos —o que só aumentou o apelo cult da obra.
Àquela altura, Edy já havia cantado a música “Dia Cheio de Ogum”, do compositor Capiba, no festival O Brasil Canta no Rio —lançada em uma coletânea de 1969. Ele conhecia Raul Seixas do tempo em que fazia programas de TV e rádio em Salvador, e ambos tinham interesses em comum.
O LP marcou as estreias em disco de todos os artistas envolvidos, com exceção de Raul Seixas, que tentava reabilitar a carreira depois de fracassar com “Raulzito e os Panteras”, de 1968. Iconoclasta e conceitual, o disco era propositalmente estranho e foi abraçado pela contracultura da época.
Em 1974, lançou o disco solo “Sweet Edy”, considerado um marco do glam rock brasileiro. Naquela época, os Secos & Molhados faziam sucesso com os rostos pintados, mas tocavam uma música mais folk que rock. O baiano tinha uma abordagem mais anárquica e cheia de glitter.
No disco, Edy interpreta composições de Caetano Veloso, como “O Conteúdo”, e de Gilberto Gil, caso de “Edite Cooper”, artistas que ele conhecia antes da fama. “Para mim ele é um pioneiro e um libertador”, disse o músico de Santo Amaro no documentário “Meu Nome é Edy Star”.
Edy, aliás, foi creditado como um dos autores da música “Procissão”, um dos primeiros sucesso de Gil, de 1962, apenas nos anos 2000. Isso porque o cantor criou versos que inspiraram o tropicalista a fazer a letra da música.
“Edite Cooper” já foi gravada por Gil com nomes como “Edith Cooper” e “Edyth Cooper”. Na composição, o tropicalista compara o conterrâneo ao roqueiro americano Alice Cooper.
No disco “Ao Vivo na USP”, gravação de um show de Gil em 1973, ele conta a história da composição antes de cantar a música. Anuncia a faixa como “um roquinho que fiz para um amigo meu —uma bicha baiana maravilhosa”.
“Artista plástico, ele canta também, e um dia chegou para mim e disse, ‘Quero que você faça uma música para mim, assim parecida com Alice Cooper'”, disse Gil. “Quando era véspera de eu viajar para Londres, eu fiz essa música. Edy era pintor, vivia na galaria Bazarte em Salvador, onde aconteciam as coisas mais importantes de arte daquela época —1959 e 1960. Eu, Caetano, a gente tudo ia lá para ouvir jazz, ver filmes de Godard, essas coisas.”
Edy morou por quase duas décadas na Espanha e retornou ao Brasil nos anos 2000, retomando a carreira musical com o álbum “Cabaré Star”, de 2017. O disco, com produção e direção musical de Zeca Baleiro, tem participações de Ney Matogrosso, Caetano Veloso e Ângela Maria, entre outros.
Depois de gravar o disco “Meu Amigo Sérgio Sampaio”, de 2023, em que cantou o repertório do compositor capixaba Sérgio Sampaio, Edy gravou um álbum em homenagem a outro amigo, Raul Seixas, que não chegou a ser lançado. A obra vinha sendo registrada no ano passado e, agora, vai tentar ser viabilizada por meio de financiamento coletivo.
No documentário do ano passado, Edy dizia que, aos 86 anos, continuava “uma bicha maluca”, “dançando balé e fazendo três horas de show no palco”. “Depois de duas tentativas de suicídio e um câncer, minha filha, tudo é lucro: eu tô no bônus track.”
Ele queria que seu acervo fosse incinerado após sua morte, segundo afirmou em “Meu Nome é Edy Star”. Disse ainda que desejava ser cremado, e que as cinzas chegassem ao rio São Francisco —que banha Juazeiro, no norte da Bahia, sua cidade natal— levadas pela descarga da privada.
Fonte ==> Folha SP