Dados atualizados do Projeto Mapear mostram que o número de pontos de exploração sexual infantil no país teve um aumento de 83% no biênio 2023-2024, com 17.687 locais, ante 9.653 no biênio 2021-2022. O Nordeste segue no topo do ranking nacional, com 6.532 pontos, seguido pela região Sudeste, com 5.041.
Realizado em parceria entre a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e a fundação Childhood Brasil, o Mapear identifica locais vulneráveis à exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias federais do país.
Para Bruna Bacelar, coordenadora-geral de Direitos Humanos da PRF, o aumento de pontos mapeados tem um lado positivo. “Quanto maior o número, significa que a PRF passou por ali. A expectativa é que esse número aumente a cada biênio”, afirma.
Os pontos são cadastrados pelos agentes da PRF por meio de um aplicativo com questões objetivas que caracterizam o local. A partir das respostas, o sistema classifica o lugar como crítico, de alto risco, médio risco ou baixo risco.
A classificação avalia características do estabelecimento como iluminação, fluxo de pessoas, se há venda de bebidas alcoólicas e outros itens. Entre os principais locais identificados estão postos de combustíveis (1.792), pontos de alimentação (1.344) e bares (1.230).
Total de pontos de exploração sexual (2023-2024)
- Brasil: 17.687
- Nordeste: 6.532
- Sudeste: 5.041
- Sul: 2.474
- Centro-Oeste: 2.210
- Norte: 1.430
Apesar do aumento de lugares mapeados (no levantamento anterior foram 3.107), o Nordeste viu cair o percentual de locais classificados como críticos ou de alto risco, justamente os que mais requerem a atenção da PRF, como explica Eva Cristina Dengler, superintendente de programas e relações empresariais da Childhood Brasil.
O número de locais críticos da região no levantamento anterior (176) representava 5,7% do total; agora, os 249 locais constituem 3,8%, abaixo da média nacional, de 4,6% —o Sudeste é o campeão em número absoluto, com 258 pontos críticos (5,1%).
Entre os lugares de alto risco, o Nordeste tem agora 759 pontos, ou 11,6% —no relatório anterior, eram 517 pontos, que representavam 16,6%. Novamente, a região Sudeste, com 765 locais notificados (15,2%), está numericamente à frente.
“Os pontos identificados como críticos e de alto risco passam a ser alvo de ações integradas de fiscalização, educação e, quando necessário, repressão. Nosso objetivo também é chegar a esses locais antes que os crimes aconteçam”, destaca Eva.
Segundo ela, o Projeto Mapear não apenas identifica os pontos vulneráveis, como compartilha os dados com as redes municipais, permitindo o planejamento de ações preventivas.
Para Eva, o aumento no número de pontos no Nordeste pode ser explicado pela extensa malha viária federal e litorânea que corta a região.
Além disso, muitas dessas estradas atravessam zonas turísticas e regiões economicamente estratégicas, observa João Mário de França, professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Ceará (Caen/UFC).
Ele destaca que a movimentação nesses trechos contribui para o surgimento de pequenos bares, pousadas e outros estabelecimentos que, em contextos de pouca fiscalização, se tornam ambientes vulneráveis. “Mesmo quando não há fatores de risco evidentes, esses pontos precisam ser monitorados.”
Ao contrário dos outros estados do Nordeste, Ceará (15%), Paraíba (8%) e Maranhão (6%) despontam com médias de pontos críticos acima da nacional. Nestes estados, o perfil das vítimas se repete: meninas, menores de idade e em vulnerabilidade social, com baixa escolaridade, vindas de periferias e áreas rurais em busca de condições melhores de vida.
Na Paraíba, conselhos tutelares, escolas, forças de segurança pública e demais órgãos de proteção se articularam com iniciativas de combate à exploração.
“Somente a atuação conjunta dessas instituições garante a proteção integral da criança e do adolescente, assegurando seus direitos”, afirma Soraya Nóbrega, promotora de Justiça da Infância e Juventude da Paraíba.
Já o Ministério Público do Maranhão mantém um projeto chamado Combate Permanente à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Entretanto, o órgão afirma que entraves, como a subnotificação de casos e insuficiência orçamentária, dificultam o atendimento.
No Ceará, o Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude (Caopij) informou que “buscará uma aproximação com a Polícia Rodoviária Federal para tratar dessa questão”.
Para a psicóloga Andréa Cordeiro, especializada nos direitos das crianças e adolescentes, um caminho para a melhora dos índices passa por ações em escolas municipais e estaduais. “Muitas escolas do Nordeste ainda não desenvolveram protocolos claros para identificar e reportar abusos e violência sexual”, diz.
Há também campanhas para conscientizar a população, como o Maio Laranja. A psicóloga relata que é comum que, no mês de campanha, o volume de denúncias aumente, mas apenas uma pequena parcela dos municípios continua a realizar ações de prevenção ao longo do ano.
Como denunciar
Esta reportagem é resultado do curso sobre cobertura jornalística de violência sexual infantil promovido pela Folha e pelo Instituto Liberta em junho de 2025
Fonte ==> Folha SP