Novas gerações investem em cacau orgânico no sul da Bahia – 27/06/2025 – Ambiente

Novas gerações investem em cacau orgânico no sul da Bahia - 27/06/2025 - Ambiente

Em um cenário de queda de produção de cacau, a nova geração de produtores no sul da Bahia aposta na agricultura orgânica como alternativa viável e sustentável.

Segundo dados da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), o volume de cacau recebido pelas indústrias no primeiro trimestre de 2025 foi de 17.758 toneladas, queda de 67,4% em relação ao último trimestre de 2024 e o segundo menor em cinco anos para o período.

Mudanças climáticas ajudam a explicar a queda da produção no Brasil. “A região viveu uma seca intensa em 2015/2016. De lá para cá, as chuvas têm sido mais fortes, assim como os períodos de estiagem. O cacau precisa de equilíbrio, não gosta de excessos”, conta Ana Paranhos, 52, gestora da Fazenda Cruzeiro do Sul, em Uruçuca.

As lavouras sombreadas do sistema cabruca, em que o cacau cresce sob a mata atlântica, vêm sendo especialmente afetadas pela alta umidade e pouca luz solar, que favorecem a vassoura-de-bruxa, principal praga do fruto.

“Com menos sol e mais umidade, a doença se espalha mais. Nos períodos de La Niña [fenômeno climático que esfria as águas do Pacífico e altera padrões de chuva] a produção tende a cair porque muitos frutos são contaminados”, explica Tiago Tombini, presidente da Mecenas da Vida, uma ONG baiana com foco em questões climáticas.

Produtores relatam que, com a agricultura orgânica, o solo ficou mais forte e as plantas mais resistentes, o que ajudou a controlar a vassoura-de-bruxa.

Além das pragas já conhecidas, a monilíase preocupa os agricultores. Embora ainda não tenha chegado à Bahia, o risco é alto. “O fungo produz até sete bilhões de esporos por fruto, que se espalham pelo vento e roupas”, alerta Vanuza Barroso, presidenta da Associação Nacional dos Produtores de Cacau.

A Fazenda Cruzeiro do Sul, fundada em 1910, é exemplo de novos caminhos possíveis. Em 1990, a propriedade foi duramente afetada pela vassoura-de-bruxa, e sua produção anual caiu de mais de 75 toneladas para menos de 10% desse volume. “Todos os funcionários foram demitidos e tivemos que aderir ao sistema de parceria agrícola”, relembra Ana Paranhos.

Paranhos foi a primeira em quatro gerações da família a adotar a agricultura orgânica. Há mais de 20 anos, sua fazenda aboliu os insumos químicos e hoje cultiva cacau em sistema cabruca, com adubos orgânicos e controle biológico. Em 2024, produziu 3.000 quilos de cacau fino usados em sua marca própria, a Chocolates Cruzeiro do Sul. A decisão de criar um produto orgânico veio após a crise da vassoura-de-bruxa.

Flora Monteiro, 31, filha de Ana e representante da quinta geração, lidera uma linha própria de chocolates 100% orgânicos que dá continuidade ao caminho iniciado pela mãe.

A busca por modelos de produção sustentável tem ganhado força entre os novos produtores. Segundo Orlantildes Pereira, presidente da Cooperativa dos Cacauicultores do Sul da Bahia, que reúne cerca de 196 famílias, o êxodo dos jovens foi inevitável durante os anos mais difíceis. “Muitos buscaram opções mais rentáveis em outras atividades”, afirma.

Em Coaraci, outra família também já está na quarta geração no cultivo de cacau em sistema cabruca. Sheylla Tomás, 36, lidera a marca Simplicitude, que valoriza a agricultura familiar e utiliza ingredientes 100% naturais da região.

Apesar de Sheylla ter se formado em comunicação social, seu pai, o advogado e agricultor Soleval Planeta, 62, afirma que o interesse dela pelo cacau sempre existiu. “Quando ela nos apresentou a marca, teve todo o meu apoio”, relata.

A Fazenda Taboquinhas, em Itacaré, produz cacau agroecológico e chocolate orgânico de alta qualidade. A produção sustentável surgiu a partir do apoio financeiro da Mecenas da Vida. “A capacitação ajuda os agricultores a migrarem de um modelo poluente para uma produção mais fértil e resiliente”, explica Salvador Ribeiro, sócio-fundador da ONG.

Osvaldo Brito, 62, agricultor e gestor da fazenda, aposta na nova geração para fortalecer a produção. “Um rapaz de 21 anos foi contratado como MEI, jovens mulheres estão atuando na colheita e seleção do cacau, além de outras trabalhando na agroindústria, onde fazemos chocolates e desidratados”, diz.

A ONG também conecta produtores a empreendimentos turísticos, como pousadas e restaurantes, que compensam suas emissões de carbono consumindo produtos sustentáveis locais.

A produção de cacau no Brasil sofre com baixa produtividade e altos custos, de acordo com o Ministério da Agricultura. Para enfrentar esses desafios, foi lançado o Plano Inova Cacau 2030, coordenado pela CocoaAction Brasil. “O objetivo é construir uma cacauicultura mais produtiva e sustentável”, diz Anna Paula Losi, presidente-executiva da AIPC.

Ela também destaca que o clima tem afetado diretamente o mercado global de cacau. A quebra da safra 2023/24 na África Ocidental reduziu os estoques mundiais e elevou os preços internacionais. “Esse desequilíbrio entre oferta e demanda tem mantido o mercado volátil, com preços elevados e um ambiente de incerteza para produtores e indústrias”, conclui.


Esta reportagem foi produzida durante o 69º Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha, patrocinado pela CNA (Confederação Nacional da Agricultura) e pela Philip Morris Brasil. O curso teve ênfase em meio ambiente.



Fonte ==> Folha SP

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