Imagine um piloto que começa a reduzir a potência dos motores para preparar o pouso. Os passageiros sentem a desaceleração e se acomodam nos assentos, acreditando que a aterrissagem está próxima. Mas, ao se aproximar do aeroporto, o comandante percebe uma frente de instabilidade e decide manter o avião estabilizado em altitude por mais tempo. O clima não permite descer. Foi esse o recado do Banco Central na reunião de hoje (quarta-feira).
O Copom elevou a Selic para 14,75% ao ano, um aumento de 0,50 ponto percentual — em linha com o que o mercado projetava. Mas o verdadeiro alerta veio nas palavras. O comitê foi firme em afirmar: “Tal cenário prescreve uma política monetária em patamar significativamente contracionista por período prolongado para assegurar a convergência da inflação à meta.”
Essa afirmação reposiciona a sinalização de política monetária. Se até recentemente uma parte dos agentes econômicos apostava que os juros começariam em breve, o Banco Central tratou de ajustar essas expectativas. Não apenas voltou a subir a taxa, como indicou que ela deverá permanecer elevada por um bom tempo — sem pressa para iniciar uma reversão.
Ao mesmo tempo, o Copom adotou um discurso mais cauteloso, reconhecendo que o ciclo de aperto já avançou bastante e que os efeitos defasados das medidas anteriores ainda devem impactar a economia nos próximos meses. Em vez de anunciar novas altas, o comitê afirma que a política dependerá dos dados. O tom é de transição, mas o conteúdo ainda é de firmeza.
Isso marca uma inflexão em relação aos comunicados anteriores. Em janeiro e março, o Banco Central subiu os juros com discurso duro, deixando claro que novas altas estavam no radar. Agora, mesmo sem afirmar explicitamente que o ciclo chegou ao fim, o BC dá a entender que só voltaria a subir os juros caso o cenário se deteriore de forma relevante. A postura é de vigilância — não mais de ofensiva. (No fim do texto, incluo uma tabela comparativa das últimas cartas com a atual para entender a evolução dos comunicados)
Embora possa ter encerrado o ciclo de alta, o BC afirma que os riscos permanecem. A inflação segue pressionada, principalmente nos serviços. As expectativas para 2025 e 2026 continuam acima da meta, e a projeção do próprio Copom para 2026, no cenário de referência, é de 3,6%, acima da meta de 3%. Internamente, a política fiscal ganha destaque como fator de pressão, e, externamente, a política econômica do governo Trump adiciona incerteza com reflexos nos preços de ativos e no câmbio.
Para o investidor, o recado é claro: mesmo que o ciclo de alta esteja perto do fim ou encerrado, a fase de juros elevados está longe de terminar. A ideia de um pouso breve dos juros foi adiada. E os ativos que dependem de cortes iminentes, como ações e prefixados longos, terão que esperar.
O avião desacelerou, mas segue em altitude de cruzeiro. O Banco Central decidiu manter a cabine em modo de observação — e, por enquanto, o trem de pouso continua recolhido.
Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor.
Siga e curta o De Grão em Grão nas redes sociais (Instagram).
Abaixo, tabela comparativa e resumida das últimas cartas para entender a evolução dos comunicados.
Aspecto | Janeiro 2025 | Março 2025 | Maio 2025 |
---|---|---|---|
Decisão de política monetária | Aumento da Selic em 1,00 p.p., para 13,25% a.a. | Aumento da Selic em 1,00 p.p., para 14,25% a.a. | Aumento da Selic em 0,50 p.p., para 14,75% a.a. |
Tom do comunicado | Hawkish: Enfatiza a desancoragem das expectativas de inflação e a necessidade de uma política monetária mais contracionista. | Hawkish com flexibilidade: Indica continuidade do aperto, mas com possibilidade de ajustes menores, dependendo da evolução do cenário econômico. | Hawkish reforçado: Destaca riscos elevados para a inflação e a necessidade de manter juros elevados por período prolongado. |
Cenário externo | Ambiente desafiador devido à política econômica dos EUA, gerando incertezas sobre a desaceleração e a desinflação globais. | Mantém preocupação com a política econômica dos EUA e seus efeitos sobre a economia global. | Reforça a adversidade e incerteza do ambiente externo, especialmente devido à política comercial dos EUA e seus impactos inflacionários heterogêneos. |
Cenário doméstico | Atividade econômica e mercado de trabalho aquecidos, com inflação acima da meta. | Observa sinais de moderação no crescimento, mas inflação cheia e medidas subjacentes permanecem elevadas. | Indica incipiente moderação no crescimento, mas destaca que a inflação cheia e as medidas subjacentes continuam acima da meta. |
Expectativas de inflação | Expectativas para 2025 e 2026 acima da meta, com projeções do Copom indicando inflação persistente. | Expectativas de inflação permanecem elevadas, com projeções indicando necessidade de política monetária contracionista. | Expectativas de inflação para 2025 e 2026 continuam acima da meta, com projeção de 3,6% para 2026 no cenário de referência. |
Sinalização futura | Indica continuidade do aperto monetário, com possibilidade de nova alta de mesma magnitude na próxima reunião. | Sinaliza possível ajuste de menor magnitude na próxima reunião, dependendo da evolução do cenário. | Não antecipa decisão para a próxima reunião, destacando a necessidade de cautela adicional e flexibilidade para incorporar novos dados que impactem a dinâmica de inflação. Mas perspectiva de cenário contracionista por longo prazo. |
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.
Fonte ==> Folha SP