Parir dói. Amamentar dói. Voltar ao trabalho com o corpo rasgado e a alma esgotada dói ainda mais, mas ninguém fala sobre isso.
Em fevereiro de 2024, o INSS lançou a Instrução Normativa nº 188, celebrada como avanço por eliminar a carência para o salário-maternidade. Agora, mesmo quem nunca contribuiu pode ter acesso ao benefício. Mas o que parecia uma vitória histórica escancara um abismo: o Estado segue surdo à dor emocional, à exaustão mental e à solidão das mães. Desburocratizou-se o processo, mas a maternidade segue sendo um campo de batalha silencioso e institucionalmente negligenciado.
Do ponto de vista legal, tudo parece organizado: o benefício é garantido em casos de parto, adoção, guarda judicial e até aborto não criminoso. Dura de 120 a 180 dias, dependendo do regime da segurada. É concedido para empregadas com carteira assinada, MEI’s, trabalhadoras domésticas, rurais, desempregadas com qualidade de segurada e adotantes com decisão judicial válida.
Mas enquanto a lei tenta parecer justa, a realidade é cruel.
Mulheres seguem sendo empurradas para o mercado de trabalho quando ainda estão sangrando, dormindo três horas por noite e tentando sobreviver a uma montanha-russa hormonal. Ninguém se responsabiliza. A dor emocional é invisível. A sobrecarga é normalizada. O puerpério é tratado como frescura ou fragilidade, quando, na verdade, é um momento limítrofe entre o renascimento e o colapso.
Quem fica de fora?
Todas aquelas que não contribuíram, que perderam a qualidade de segurada ou que não conseguiram formalizar a guarda ou o parto dentro das regras. Milhares de mulheres, especialmente as mais pobres, são ignoradas. O problema deixou de ser técnico: é estrutural. É político. É cruel.
Mesmo entre as que têm direito, o acesso é um labirinto: exigências, termos jurídicos, documentos, indeferimentos. É como se o sistema colocasse um obstáculo atrás do outro para garantir que só algumas consigam atravessar.
No consultório, eu vejo todos os dias aquilo que os dados oficiais ignoram, mães chorando de culpa por não conseguirem dar conta.
Mulheres devastadas por uma sociedade que exige produtividade antes mesmo de cicatrizarem por dentro.
Famílias em colapso tentando segurar as pontas sem nenhum tipo de suporte.
Winnicott dizia que o bebê precisa de uma mãe suficientemente boa. Mas o que ninguém diz é que essa mãe também precisa de um Estado minimamente decente.
O salário-maternidade deveria ser o início de uma política pública robusta, afetiva e humana. Mas ele segue sendo uma linha fria no extrato do INSS. O discurso é bonito: “amparo à maternidade”. A prática é feia: abandono institucional mascarado de benefício e pior, não são todas que sabem, tampouco todas que conseguem.
Enquanto isso, seguimos normalizando o absurdo, mães vulneráveis sem acesso a nenhum direito, voltando ao trabalho sem cicatrização emocional ou física, pois devem sustentar seus filhos (já que não conseguiram o benefício) e filhos sendo criados à base de improviso, culpa e exaustão.
É hora de parar de romantizar o mínimo.
É hora de expor o que está por trás da “política pública”: o lucro em cima da dor, a produtividade acima da dignidade.
A maternidade não é um detalhe administrativo. É um ato político. Um país que não protege suas mães, está escolhendo fracassar no futuro. Garantir o salário-maternidade com dignidade não é gentileza. É obrigação. É ética. É civilização.