Pagar por florestas é excelente ideia, diz especialista – 23/06/2025 – Ambiente

Uma mulher de cabelos grisalhos, com um sorriso amigável, está em pé em frente a um fundo de folhas verdes. Ela usa uma camiseta clara e parece estar em um ambiente ao ar livre, possivelmente próximo a um corpo d

Criado para recompensar financeiramente a diminuição da emissão de gases de efeito estufa oriunda do desmatamento e da degradação das florestas, o mecanismo REDD+ enfrenta críticas quanto à sua eficácia, impactos sociais e modelo de pagamentos.

Na avaliação de Frances Seymour, referência em estratégias de conservação de florestas tropicais no planeta, embora o sistema possa trazer alguns riscos e preocupações legítimas, essas questões podem ser efetivamente geridas, garantindo que o modelo siga sendo significativamente positivo para a proteção da natureza.

“O REDD+ continua sendo uma ótima ideia que ainda mal foi colocada em prática”, disse Seymour à Folha, em entrevista durante uma visita ao Brasil em maio para participar de uma série de eventos.

Assessora sênior de políticas no Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e no Woodwell Climate Research Center, ela integrou o governo de Joe Biden como assessora sênior para florestas no Gabinete do Enviado Especial da Presidência dos EUA para o Clima.

Entusiasta do modelo REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), a pesquisadora americana escreveu um livro que aborda amplamente o tema — “Why Forests? Why Now?” (Por que as florestas? Por que agora?), lançado em 2016 —e segue defendendo o mecanismo, criado no âmbito da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas).

Nesse modelo, a remuneração é feita por resultados, quando os projetos conseguem evitar emissões de carbono —essencialmente impedindo o desmatamento— ou aumentando os estoques de carbono, em relação a um nível base previamente estabelecido.

Uma vez mensuradas, essas emissões evitadas dão origem a créditos de carbono, que podem ser vendidos a países ou empresas.

Uma das críticas ao sistema é que existe o risco de os compradores simplesmente pagarem para compensar suas emissões, sem efetivamente agirem para reduzir seus próprios níveis de poluição.

“Essa é uma preocupação legítima, mas os dados mostram que, na verdade, empresas que compram créditos voluntariamente têm melhor desempenho na redução de emissões do que aquelas que não compram”, detalhou. “É possível fazer ambos: reduzir ao máximo o que é tecnicamente e economicamente viável e, depois, compensar o que não pode ser evitado.”

Segundo Seymour, as críticas à integridade dos créditos de carbono ligados ao REDD+ estão principalmente em projetos de pequena escala, que muitas vezes superestimam as reduções de emissões.

“No começo, surgiram muitos projetos em pequena escala como atividades de demonstração [do conceito de REDD+]. Infelizmente, e não necessariamente por má-fé, vários desses projetos foram posteriormente identificados como emissores de créditos em excesso. Isso se deve, em grande parte, a problemas metodológicos. Essa questão veio à tona há cerca de dois anos, com artigos acadêmicos mostrando que vários projetos estavam superestimando seus créditos”, detalhou.

Ela considera, portanto, que a solução é focar no REDD+ em escala jurisdicional, no âmbito de Estados ou países, o que oferece mais controle e manutenção dos resultados. Essa abordagem também minimizaria o risco do chamado vazamento, quando o desmatamento evitado em uma área apenas se desloca para outra nas proximidades.

“Além disso, se você tem um projeto de crédito pequeno e ocorre um grande incêndio florestal, todo o carbono armazenado pode ser perdido de uma só vez. Mas, se você está trabalhando em escala de um Estado, por exemplo, mesmo um grande incêndio causaria apenas uma perda parcial. Por todos esses motivos, acho que há um consenso emergente de que o crédito em escala jurisdicional é o caminho a seguir”, afirmou.

“O desafio agora não é mais apenas técnico ou contábil, e sim político: integrar todos os projetos que já existem dentro desses sistemas de crédito em escala jurisdicional.”

TFFF

A especialista em conservação elogiou a construção do Fundo Florestas Tropicais para Sempre, mais conhecido pela sigla em inglês TFFF. Proposta pelo governo brasileiro, a iniciativa também pretende remunerar pela conservação das florestas, mas em um modelo distinto do REDD+, que paga pela redução das emissões ou pelo aumento das remoções do carbono.

Já o TFFF remunera com base na área de floresta em pé, independentemente de haver mudança no fluxo de carbono, valorizando assim todos os serviços ecossistêmicos, não apenas as emissões.

“Os dois mecanismos são absolutamente complementares, e acho que essa é realmente uma mensagem importante a ser divulgada, porque algumas pessoas consideram que, com o TFFF, o REDD+ poderia ser deixado de lado”, afirmou.

“O TFFF, ao recompensar com base em hectares conservados e sem a preocupação com se a conservação teria acontecido de qualquer forma ou não, preenche uma lacuna em que o REDD+ tem menos chances de gerar financiamento, não porque os créditos não sejam válidos, mas por causa da percepção do mercado”, considera Seymour.

Segundo ela, os mais de 15 anos de investimento em projetos REDD+ proporcionaram uma enorme capacidade instalada, com estrutura institucional e lições valiosas que podem ser imediatamente reaproveitadas para o TFFF.

Perda florestal em alta

Em 2024, o planeta bateu recordes de perda de cobertura florestal, conforme indicam dados recentemente divulgados pelo Global Forest Watch (GFW).

De acordo com Seymour, ao mesmo tempo em que os ecossistemas enfrentam os desafios crescentes relacionados às mudanças climáticas —que potencializam incêndios, secas e outras ameaças à natureza —, os investimentos nas iniciativas de conservação permanecem muito aquém do necessário em escala global.

“A quantidade de recursos que investimos na proteção das florestas é minúscula comparada ao que gastamos com outras coisas, e também em relação àquilo que gastamos com fatores que, de fato, impulsionam o desmatamento.”

“Mesmo que estejamos investindo um pouco em conservação, manejo de incêndios florestais ou reconhecimento dos direitos indígenas, todas essas coisas positivas ainda são pequenas diante da necessidade. Além disso, nós, como comunidade global, temos uma enorme demanda por carne bovina, por soja, por cacau e por uma série de outros produtos que estão impulsionando a perda florestal”, completou.

Ela destacou, contudo, que iniciativas que envolvem o comprometimento de empresas privadas em não causar desmatamento nas cadeias de fornecimento de commodities têm apresentado bons resultados.

“É interessante observar que a Indonésia foi um dos poucos países que conseguiram reduzir a perda de florestas tropicais neste ano. E, embora muitos fatores tenham contribuído para isso, os compromissos com as cadeias de fornecimento certamente foram um deles, junto com a aplicação da lei, o clima mais favorável e várias outras coisas”, analisou Seymour, que morou por mais de uma década no país asiático.

COP30

Para a pesquisadora, a realização da COP30, a 30ª conferência do clima da ONU, em Belém, na amazônia, em novembro, automaticamente coloca os holofotes sobre a questão das florestas, o que é algo bastante positivo para os esforços de proteção.

“O Brasil ser o país anfitrião da COP e também ter a maior extensão de florestas tropicais do mundo reforça essa atenção”, detalhou ela, chamando a atenção para o fato de que o Brasil já mostrou que é possível derrubar significativamente os índices de desmatamento.

Seymour relembrou que, na COP26, de 2021, em Glasgow, a Declaração dos Líderes Globais estipulou como meta interromper e reverter a perda e degradação das florestas até 2030.

“Na COP30 estamos na metade do caminho. Então, ela será também o momento de fazer um balanço de como estamos”, afirmou. “Será uma oportunidade de analisar o conjunto de instrumentos disponíveis para enfrentar o desmatamento e reforçar aqueles que são eficazes.”

Ela reconhece, porém, que as perspectivas são difíceis. “Especialmente à luz do aumento da perda florestal em 2024, a curva para atingir essa meta até 2030 está ainda mais íngreme.”



Fonte ==> Folha SP

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