Há quase duas décadas, o Pará carrega um título inglório: o de maior desmatador da amazônia. Porém, após ultrapassar 5.000 km² de vegetação nativa perdida entre 2020 e 2021, o índice vem caindo continuamente, chegando a 2.260 km² no intervalo de agosto de 2023 a julho de 2024, segundo os dados mais recentes do sistema Prodes, do Inpe (Instituto de Pesquisas Espaciais).
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Os números representam queda de 55% em três anos, uma das maiores registradas na região, ajudando a puxar para baixo o índice do bioma como um todo —que teve redução de 52% no mesmo período.
Sede da COP30, cúpula do clima das Nações Unidas, que acontecerá em Belém, em novembro, as políticas ambientais e climáticas do estado estão sob especial escrutínio neste ano.
A diminuição no desmatamento no estado pode ser explicada por alguns fatores, de acordo com especialistas, em especial o aumento nas operações contra crimes ambientais.
“É inegável o aumento das ações que estão ocorrendo no estado e na Amazônia Legal como um todo”, afirma Larissa Amorim, pesquisadora do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).
“Houve fortalecimento de órgãos como o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e secretarias de meio ambiente, que tiveram aumento de pessoal, impactando no aumento das atividades de fiscalização”, diz.
Em 2021, o Ibama emitiu 820 autos de infração relacionados a crimes contra a flora no Pará, e chegou a 1.147 no ano seguinte. Em 2023, o número quase dobrou (2.247), mas caiu 41% em 2024, indo a 1.343. Neste ano, até junho, foram emitidos 583 autos no estado.
O número de embargos à áreas com ocorrência de desmatamento ilegal também cresceu: foi de 771 em 2021 a 978 no ano seguinte, chegou a 1.148 em 2023 e caiu para 784 em 2024.
Nos seis primeiros meses deste ano, foram executadas 328 ações de embargo no Pará. Entre o final de abril e o começo de maio, uma mega operação embargou remotamente, a partir de imagens de satélite, 5.000 fazendas com desmatamento não autorizado em estados da amazônia, sendo cerca de metade delas no Pará.
Na ocasião, o governador do estado, Helder Barbalho (MDB), reagiu e, acompanhado de representantes do agronegócio local e políticos, se reuniu com a ministra Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais) para tentar contornar a situação.
Os autos de infração por crimes contra a flora e os embargos aplicados no estado representaram cerca de um terço do total aplicado em toda a amazônia de 2021 a 2024.
Jair Schmitt, diretor de proteção ambiental do Ibama, explica que a dinâmica do desmatamento na amazônia varia conforme a região. “No caso do Pará, temos áreas privadas em que as pessoas desmatam ilegalmente para produzir, mas também muitas áreas públicas que são invadidas e desmatadas, na tentativa de grilagem“, diz.
“Quando se trata de grilagem, o que mais impulsiona o desmatamento é a expectativa que, ao desmatar, depois você vai conseguir regularizar a área”, afirma Raoni Rajão, coordenador do Centro Tecnológico de Modelagem Ambiental UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Ele lembra que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tentou mudar a lei de regularização fundiária a partir de uma medida provisória, o que reforçou essa expectativa entre os grileiros, mas ela acabou não sendo votada no Congresso Nacional e perdeu a validade.
“Quando a MP não foi aprovada e não foi efetivamente modificada a legislação, aquilo impactou. Tanto é que o desmatamento começa a cair no Pará ainda no governo Bolsonaro”, diz Rajão.
O professor destaca, ainda, políticas que bloqueiam a concessão de crédito rural para áreas com desmatamento irregular, em especial aquelas sobre florestas públicas não destinadas (terras pertencentes à União e onde não se pode desmatar, mas que ainda não tiveram seu uso definido).
“Isso também gerou um freio importante”, afirma. “O desmatamento reduziu mais nos estados onde ele acontecia principalmente em terras públicas não destinadas, como no Amazonas e no Pará”.
Schmitt, do Ibama, acrescenta que o governo paraense tem adotado políticas para melhorar a rastreabilidade e o controle da cadeia produtiva do gado. “O Selo Verde ainda é bem inicial, mas é uma das iniciativas para que o mercado possa ter mais segurança de saber se aquele produto está atrelado ao desmatamento”, exemplifica.
Desenvolvido por pesquisadores da UFMG e implementado no Pará em 2022, o programa Selo Verde cruza diferentes dados relacionados à criação e transporte de gado com informações de áreas autuadas ou embargadas por desmatamento ilegal. Produtores que comprovarem que o rebanho não tem vínculo com o crime ambiental, recebem o selo.
No entanto, apesar dos avanços recentes, entre agosto de 2023 e julho de 2024, 37% do desmate da amazônia aconteceu no estado.
Para Ane Alencar, diretora de ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), entre os principais entraves para melhorar esse cenário estão as movimentações políticas, como tentativas de enfraquecer leis ambientais ou reduzir unidades de conservação.
“Esses ataques do Congresso à legislação ambiental passam uma mensagem para as pessoas que estão no campo de que podem desmatar”, diz. “Há uma mensagem, colocada diariamente e fortalecida pelas elites locais, de que a questão ambiental atrapalha o desenvolvimento”.
A destruição da floresta faz o Pará ser o maior emissor de gases de efeito estufa entre os estados brasileiros. De acordo com o Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), elaborado pelo Observatório do Clima, em 2023 as emissões paraenses representaram 13,6% do total no país, seguido de Mato Grosso (13%) e Maranhão (7,6%).
Fazer com que os países reduzam as emissões de dióxido de carbono e outros gases que aquecem o planeta é o principal objetivo da cúpula climática da ONU.
“As ações de comando e controle [fiscalização] vão ter um limite. Nós precisamos mudar a perspectiva de como fazer dinheiro com a floresta –com a floresta em pé”, afirma Alencar.
Fonte ==> Folha SP