Passeio Público do Rio terá eventos contra degradação – 16/08/2025 – Cotidiano

A imagem mostra uma ponte de ferro em um parque urbano. A ponte é de cor verde e está sobre um pequeno canal. Abaixo da ponte, há um espaço coberto por tecidos escuros e alguns detritos no chão. Ao fundo, é possível ver árvores e duas pessoas vestindo uniformes laranja e amarelo, que parecem estar realizando alguma atividade no parque.

O Passeio Público do Rio de Janeiro, primeiro jardim público do Brasil, construído no século 18, tem sinais de degradação e é evitado pela população por medo.

Em parecer técnico após visita em setembro do ano passado, o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) afirmou que “o estado de conservação é desolador”.

O Passeio Público fica entre o centro da cidade e a zona sul, em quarteirão entre a Lapa, a Cinelândia e o Aterro do Flamengo.

A Prefeitura do Rio de Janeiro tem planos de ocupar o espaço com atividades culturais. Neste domingo (17) está marcada uma roda de samba e ainda em agosto parte dos expositores da feira da Glória, a mais badalada feira da cidade, deve ser transferida para o parque.

O parque foi idealizado por Valentim da Fonseca e Silva, o Mestre Valentim, escultor, entalhador e urbanista do período colonial do Brasil. Valentim foi chamado pelo vice-rei Luiz de Vasconcellos para construir o parque nas franjas da baía de Guanabara.

Eram tempos de um Rio de Janeiro de ruas estreitas e de uma baía de Guanabara que chegava até onde hoje está a Cinelândia. Depois de sequentes aterramentos, o mar está ao menos a 500 metros dali.

O passeio foi construído sobre região fétida, segundo relatos do século 18. Era o cheiro da lagoa do Boqueirão da Ajuda, aterrado para a construção do parque. Em moldes franceses, Valentim idealizou jardins com quatro ruas de 8 metros, em moldes geométricos, com chafarizes que ficariam famosos, como o dos Jacarés e dos Meninos.

“A construção é um gesto simbólico de europeizar a cidade colonial e dar a ela esse conforto de ter um espaço aberto, de contemplação e usufruto da população”, afirma Cristóvão Duarte, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Em 1861, o paisagista francês Auguste Glaziou, a pedido de dom Pedro 2º, alterou características originais do parque para o estilo inglês, com ruas sinuosas, pequenos cursos d’água, um lago com cisnes e marrequinhas, e estátuas de ferro.

“Glaizou conservou uma série de obras do mestre Valentim, como chafariz, obeliscos, mas deu um traçado mais romantizado”, diz Duarte.

Relatos de abandono do Passeio Público existem já no século 19. O viajante alemão Carl Seidler, no Brasil em 1835, escreveu que no parque “as fontes secaram e os obeliscos tremem de medo de sua derrocada iminente”.

As fontes também estavam secas no relato do parecer técnico do Iphan, de setembro do ano passado. “Lagos secos, cheios de folhagem e lodo, fato que propiciou o desaparecimento de animais silvestres, como patos, gansos. Os peixes morreram, já não se encontram as carpas tão características do local”, afirma o relatório.

Em nota, o Iphan disse que realiza visitas ao Passeio anualmente para acompanhar as condições de conservação dos bens tombados. “O Instituto mantém contato frequente com a Fundação Parques e Jardins, vinculada à Prefeitura do Rio de Janeiro, com a qual realiza reuniões periódicas”, afirmou.

“O grande desafio, mais do que seguir os padrões de tombamento —e os órgãos de controle estão corretos nas afirmações—, é criar uma vocação para esse espaço nessa nova fase da cidade”, afirma o secretário de Conservação Diego Vaz.

“Tem muita praça em que a gente faz reforma, investe, mas se não tiver atividade acaba perdendo a visitação e entrando em degradação.”

Pessoas em situação de rua se abrigam no parque há alguns anos. Uma ponte sobre um lago seco tinha colchões e cobertores na visita que a reportagem fez ao local, no dia 11. Escadarias e pés de estátua também tinham registros de permanência. Uma equipe da Comlurb (Companhia de Limpeza Urbana) varria a área.

Ouvidos pela reportagem sob anonimato, três trabalhadores de edifícios no entorno dizem temer circular tanto dentro quanto na calçada. Eles afirmam que na época de maior movimento da Cinelândia, com prédios comerciais ocupados e cinemas em atividade, o Passeio tinha maior movimento, especialmente em horário de almoço.

O edifício Serrador, antigo endereço do hotel Serrador, da boate Night and Day e de empresas do grupo EBX, está em obras para ser transformado na nova sede da Câmara do Rio de Janeiro. A conclusão deve ocorrer no fim de 2026. Quando a transferência foi anunciada, há dois anos, havia planos para instalação de quiosques e cafés no Passeio, mas não houve avanço.

O edifício Mesbla, em frente ao Passeio, foi vendido e será um residencial. É outra esperança, segundo a prefeitura, para a reocupação.

A programação deste domingo do Samba do Passeio prevê barracas de comida, roda de samba, DJs e espaço infantil. Para as próximas semanas deve acontecer o teste com expositores da feira da Glória.

Diante do aumento exponencial de frequentadores, puxado por vídeos nas redes sociais, a feira da Glória se tornou um problema para prefeitura, que decidiu transferir as barracas de gastronomia para a praça Paris e manter o comércio de frutas e legumes na rua original. A ideia é que o Passeio receba outra parte desses expositores de gastronomia.

“Uma outra ideia é tirar os ensaios dos blocos de rua, que acontecem durante o ano na praça Paris, e colocá-los no Passeio”, afirma Vaz.

Cristóvão Duarte, da UFRJ, discorda do plano da gestão Eduardo Paes (PSD).

“Hoje, um jardim público em uma área vegetada na cidade ganha importância enorme diante da emergência climática e da necessidade de ter áreas permeáveis”, diz. “O jardim histórico terá barraquinhas alimentadas por cabos de energia, geradores a diesel funcionando ininterruptamente e gerando lixo.”



Fonte ==> Folha SP

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