Pastores mirins fazem sucesso nas redes e atraem haters – 05/05/2025 – Cotidiano

Uma jovem mulher está em pé em um palco, segurando um microfone. Ela usa um blazer xadrez e tem cabelo longo e liso. Ao fundo, há pessoas sentadas e uma decoração colorida com balões verdes, vermelhos e amarelos. Na mesa à sua frente, há arranjos de flores e objetos decorativos. Um símbolo verde está projetado na parede atrás dela.

“Tô com 15 anos e 1,2 milhão de seguidores hoje”, diz Miguel Oliveira. Ele se apresenta como missionário e profeta. É um fenômeno típico da era digital, catapultado por vídeos como o que faz pedacinhos do diagnóstico de leucemia recebido por uma mulher. “Eu rasgo o câncer, eu filtro o teu sangue e eu curo a leucemia”, declarou à fiel desesperada.

Diz possuir o dom de línguas estranhas e inclusive balbucia um inglês (“of the king, the power”; do reino, o poder) no meio de algumas dessas manifestações, que evangélicos pentecostais atribuem ao Espírito Santo.

Há quem o ame e quem o odeie. O adolescente já foi chamado de “anticristo” e “meu herege favorito” nas redes sociais. “São questões que as pessoas não gostam mesmo. Tem gente que não tá falando de coisas ministeriais, tá falando do meu dente, tá falando do meu cabelo”, disse ao podcast Eu Acredito.

Disse no mesmo programa: “Tem pessoas que estão com 50, 60 anos, gente frustrada aí, que nunca chegou aonde eu tô chegando, né? Nunca ultrapassou barreiras como eu tô ultrapassando”.

O Ministério Público diz, em nota, que a promotoria de Justiça de Carapicuíba, na Grande São Paulo, investiga ameaças contra o jovem.

Miguel de fato tem arrebatado multidões, de admiradores e de “haters”. E não está só. Multiplicam-se pela internet vídeos dos chamados pastores mirins. São crianças ou adolescentes que assumem a liderança de cultos evangélicos, emulando em cadência e maneirismo os líderes adultos.

Pastor na Assembleia de Deus Avivamento Profético, em Carapicuíba, Miguel é hoje o exemplar mais conhecido dessa leva. Dentro e fora das igrejas, virou alvo ora de críticas, ora de admiração por declarações como a de que nasceu sem tímpanos e cordas vocais, portanto surdo e mudo, até receber uma cura milagrosa quando tinha três anos. Não mostrou laudos que comprovassem essa versão.

Há outros minipastores provocando rebuliço digital, alguns ainda na primeira infância. Viralizou a filmagem de um garotinho de terno gesticulando com dedo em riste: “Glorifica o nome do Senhor, porque ele vai abençoar esta multidão linda”.

O vídeo foi replicado por várias contas de forma zombeteira, gerando cobranças para que o conselho tutelar aja e inúmeros chistes contra a criança. Um dos mais curtidos compara o menino a um “anão de 70 anos”.

Diretor de políticas e direitos do Instituto Alana, que zela por crianças e adolescentes, Pedro Hartung diz que toda criança tem direito constitucional “de participar da vida social da família e da comunidade”, e, em certos casos, “com protagonismo”. Atividades religiosas inclusas.

“Aqui a gente está falando tanto das evangélicas como as de candomblé, umbanda, espírita, católica”, afirma. “A gente tem rituais de iniciação com crianças em diversas matrizes, né? Como no candomblé, ou os coroinhas, e também os pastores mirins.”

Agora, a fundamental ressalva: quando essa atividade “se transformar num espaço de exploração da presença da criança por meio da sua imagem, da sua presença digital, é uma outra discussão”.

Aí sim é algo a se preocupar. “Ao expor a criança em situações vexatórias, e para várias pessoas, isso pode trazer consequências negativas. Ela muitas vezes não está preparada para lidar com a repercussão”, diz Hartung.

Outro ponto digno de nota é quando esses pequenos influencers ganham destaque virtual, “e seu conteúdo é monetizado pelas famílias, pelas comunidades e até pelas plataformas que se beneficiam dessa exposição”.

Ainda é preciso refletir sobre a “expectativa de performance constante” que pode recair sobre o menor de idade. “A gente precisa lembrar que ser pastor no Brasil é um trabalho. São pessoas que dedicam a sua vida a pastorear uma comunidade. E se a criança ocupa esse lugar, a gente poderia entender essa atividade como analogia a um trabalho infantil religioso.”

Não que isso necessariamente vá acontecer. Cada caso é um caso, diz Hartung. Sob o ponto de vista teológico, o apóstolo Estevam Hernandes, à frente da Renascer em Cristo e da Marcha para Jesus, é mais taxativo: para ele, não pode. E ponto.

“Creio que Deus pode usar uma criança sem nenhum problema, mas em condições específicas”, afirma. Mas pregador infantojuvenil é um rótulo “muito perigoso”, pois seria “precipitado estimular uma criança a se intitular assim”, diz. “Não vemos nenhum relato bíblico de pastores mirins. Jesus foi ao templo com 12 anos, mas iniciou seu ministério com 30 anos.”

O pastor Leoncio Ota tem dois filhos nessa categoria: João Vitor, 16, e Esther, 9. A caçula conta que viu o irmão e a mãe, também pastora, pregando. Bateu a vontade nela também. “Acho legal, bonito, dá para ganhar muitas almas para Jesus”, diz a jovem com quase 9.000 perfis que a acompanham no Instagram.

Há quatro anos, quando conversou com a Folha pela primeira vez, ela dizia querer “mais de mil de mil de mil e de mil” seguidores, “para ganhar mais recebidos”, que é como se chamam as cortesias que marcas enviam a influenciadores digitais em troca de divulgação.

Com 1,4 milhão de seguidores, o irmão João Vitor é o mais pop da família. Preletor em cultos como “Mocidade Vivendo a Promessa”, ele diz que começou a pregar com quatro anos. Não parou desde então. “Conheci sete países, já rodei o Brasil. É um dom desde pequeno. É algo que não não me vejo parando de fazer.”

Leoncio, o pai da dupla, reconhece a “grande responsabilidade” que é ter crianças missionárias. “Mas nunca pode obrigar seu filho a fazer nada que ele não queira”, diz. “Tem que vir da parte dele, né? E aí você dá uma cobertura espiritual, blinda.”

As redes sociais dão projeção a um fenômeno que há tempos está aí. Kanon Tipton tinha quatro anos quando, em 2011, entrou no Guinness, o livro dos recordes, como o pregador mais jovem do mundo.

Ele ainda não havia completado dois anos quando apareceu num vídeo engatinhando até o púlpito onde seu avô liderava um culto. O bebê pegou o microfone e começou a balbuciar algo semelhante em entonação ao sermão dos pastores grandes.

Seus pais, na época, sublinharam o feito do filho com uma passagem do livro de Provérbios: “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velha, não se desviará dele”.



Fonte ==> Folha SP

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