Pix causa temor aos EUA porque ameaça o domínio do país sobre modelos de pagamento

Pix causa temor aos EUA porque ameaça o domínio do país sobre modelos de pagamento

À Sputnik Brasil, economista afirma que o sistema de pagamento desenvolvido pelo Brasil está na mira dos EUA por ser um ponto de inflexão geopolítica e econômica, que coloca em xeque o modelo vigente dominado por companhias norte-americanas, e pode inspirar outros países.

O sistema de pagamento via Pix entrou no radar do governo estadunidense. Em paralelo às tarifas de 50% a produtos brasileiros exportados ao país, anunciadas pelo presidente Donald Trump, e previstas para entrar em vigor em 1º de agosto, o Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR, na sigla em inglês) divulgou um comunicado afirmando que vai averiguar o que chamou de “práticas desleais” do Brasil relativas a serviços de pagamento eletrônico.

“O Brasil também parece se envolver em uma série de práticas desleais com relação a serviços de pagamento eletrônico, incluindo, entre outras, aproveitar seus serviços de pagamento eletrônico desenvolvidos pelo governo”, diz o documento.

As discussões em torno da criação do Pix começaram em 2016, no governo de Michel Temer, lideradas pela equipe técnica do Banco Central, e avançaram até 2018. O sistema foi lançado em 2020, na gestão de Jair Bolsonaro. Hoje, o Pix é o principal meio de pagamento entre brasileiros. Segundo dados divulgados em janeiro pelo Banco Central, o meio de pagamento é usado por 76,4% da população, superando o débito (69,1%) e o crédito (68,9%).

Desde que foi lançado, o Pix já movimentou R$ 65 trilhões e alcançou recorde de R$ 2,8 trilhões de transações em junho deste ano, segundo o Banco Central. Para setembro está previsto o lançamento da função crédito em pagamentos via Pix, que permitirá o parcelamento da compra pelo pagador com recebimento imediato pelo vendedor, diferentemente do que acontece hoje com cartões tradicionais.

À Sputnik Brasil, Hugo Garbe, professor e economista-chefe da G11 Finance & Restructuring, destaca que o Pix — com custo praticamente nulo, funcionamento instantâneo e alta penetração — já tem a adesão de mais de 150 milhões de brasileiros. Com isso, o sistema “desintermediou um mercado tradicionalmente dominado por bandeiras de cartões como Visa e Mastercard“.

“Essa característica, que trouxe enormes ganhos de eficiência para consumidores e empresas, colocou o Brasil no radar dos EUA”, explica o economista.

Ele afirma que, na visão da Casa Branca, o fato de o Pix ser uma infraestrutura estatal de pagamentos, gratuita ou muito mais barata do que serviços privados, “distorce a concorrência e afasta fintechs estrangeiras do mercado brasileiro“.

“Por trás da crítica está o impacto direto que o Pix gera sobre as receitas de gigantes americanos, principalmente as bandeiras de cartão de crédito e as big techs que lucram com intermediação financeira. Ao transferir valores de forma instantânea entre contas bancárias, sem taxas elevadas ou necessidade de intermediários internacionais, o sistema enfraquece o modelo tradicional baseado em tarifas, taxas de intercâmbio e compartilhamento de dados.”

Ademais, ele aponta que o sucesso do sistema criado pelo Brasil inspirou outros países a criarem soluções similares, o que aumentou o temor norte-americano de descentralizar as infraestruturas financeiras globais, atualmente “muito vinculadas ao dólar e aos sistemas de pagamentos ocidentais”. Esse receio tende a ser agravado após o lançamento da função crédito em pagamentos via Pix.

“Ou seja, não apenas os débitos e as transferências instantâneas migram para o Pix, mas também o financiamento ao consumo, que historicamente foi uma fonte relevante de receita para bancos, bandeiras e fintechs americanas. É exatamente essa ampliação que reforça as críticas de Trump, pois o sistema passa a competir em todas as frentes com os players tradicionais e a infraestrutura financeira exportada pelos EUA”, afirma Garbe.

Segundo o economista, uma eventual retaliação dos EUA ao Brasil, tendo o Pix como argumento, pode ser feita por meio de tarifas adicionais sobre produtos brasileiros, como já anunciado por Trump, ou restrições comerciais, “causando impactos significativos para a economia” na forma de aumento no custo das exportações, pressão sobre a balança comercial e efeitos secundários sobre o câmbio e a inflação.

“Além disso, outros países poderiam seguir a linha americana e questionar sistemas públicos de pagamento que desafiem modelos de negócios privados, criando um contágio regulatório que enfraqueceria o avanço de soluções similares em economias emergentes.”

Diante desse cenário, Garbe afirma que “a resposta brasileira deve ser estratégica”, sendo fundamental para o país demonstrar, no âmbito técnico e diplomático, que o Pix é uma política pública doméstica voltada à inclusão financeira, sem discriminar companhias estrangeiras.

“Ao mesmo tempo, o governo poderia buscar engajar fintechs americanas no ecossistema do Pix, mostrando abertura regulatória e transparência. Defender o sistema em organismos multilaterais, como a OMC [Organização Mundial do Comércio], e negociar reciprocidade com os EUA também seriam caminhos para neutralizar acusações de prática desleal”, afirma.

Para o economista, a crítica de Trump ao Pix, no fundo, “carrega um componente duplo”. O especialista aponta que a posição dele é pragmática ao buscar proteger interesses econômicos estratégicos para os EUA, como fintechs e bandeiras de cartão, que são diretamente ameaçados pela inovação brasileira. “Mas também é ideológica.”

“[…] inserida em uma agenda mais ampla de contenção da influência financeira de países do BRICS e de sistemas alternativos ao dólar. Assim, o embate vai além da simples disputa por mercado. Ele simboliza a tensão entre um modelo estatal de infraestrutura pública de pagamentos e o tradicional modelo privatizado dominado por empresas americanas.”

Nesse contexto, o especialista enfatiza que o Pix é mais do que um sistema de pagamento. “Tornou-se um ponto de inflexão geopolítica e econômica.”

“Para o Brasil, defender essa inovação é preservar um ativo estratégico que democratizou o acesso financeiro, reduziu custos para consumidores e empresas e pode servir como plataforma para a próxima fase de integração digital e inclusão econômica”, conclui o economista.



Fonte ==> Bahia Notícias

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