Enquanto famílias brincam com crianças pequenas e turistas andam de bicicleta, ao lado traficantes vendem drogas ao ar livre dentro do parque Görlitzer, localizado em Berlim —o que transforma o espaço em uma espécie de versão alemã da cracolândia.
Para tentar mitigar a venda e o uso de entorpecentes, o governo local decidiu cercar a área e fechar o espaço durante a noite. Mas as medidas geraram protestos de parte da população.
O parque é um dos pontos que compõem as chamadas cenas abertas de uso de drogas na cidade, semelhante ao que acontece na cracolândia no centro de São Paulo. A principal diferença é que na capital alemã são consumidos diversas opções de drogas, com variação entre cada ponto. No Görlitzer, o mais comum são cocaína injetável e heroína.
Mesmo antes do início das obras para instalar as grades, grupos passaram a realizar ações contra a medida. Há diversas frases pintadas no chão que dizem “espaços de consumo em vez de cercas” e cartazes com frases como “o Görli permanece aberto”.
As autoridades, porém, mantém o plano de fechar o espaço e dizem que a iniciativa é necessária para combater o tráfico de drogas. Já os ativistas dizem que isso não resolverá o problema e apenas irá espalhar a venda e consumo de entorpecentes por outras partes do bairro onde fica o parque.
O Görlitzer é um símbolo importante da cidade. Ele foi criado no final dos anos 1990, após a reunificação alemã, após pedidos da população. A área era uma antiga estação de trem, que foi bombardeada durante a Segunda Guerra Mundial. Com 14 hectares, virou tema de debates sobre segurança e combate ao tráfico de drogas após uma denúncia de estupro em 2023.
A decisão do governo de fechar o espaço contrasta com outras medidas adotadas em Berlim, que apostam em políticas de redução de danos. São exemplo disso a existência de salas para consumo de drogas, que disponibilizam inclusive testes para os usuários saberem exatamente qual substância vão utilizar.
O debate sobre o tema voltou a crescer no país em meio ao aumento nas mortes causadas por drogas —em 2023 (último dado disponível), foram 2.227, o maior número em 20 anos.
O caso alemão guarda semelhança com o fechamento da praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo. Aberto, o espaço costumava ficar tomado por usuários da cracolândia, que fumavam crack ali. Em 2022, a prefeitura decidiu fechar o local. Depois de uma reforma, ele foi reaberta ao público, com cercas e horário de funcionamento. A medida afastou os dependentes químicos, que passaram a se concentrar em outros pontos da região.
Na Alemanha, organizações e políticos contrários às cercas dizem que a venda e consumo de drogas mais pesadas (como heroína, crack e cocaína) no parque começou na pandemia, quando espaços de festa foram fechados na cidade.
“Antes, [o parque] tinha pessoas em busca de drogas de festa e, de repente, foi tomado por dependentes químicos”, diz Antje Kapek, membro da Câmara dos Deputados de Berlim e porta-voz do Partido Verde.
Segundo ela, o cenário contribuiu para o aumento de crimes na região, incluindo roubos de bicicletas e carros que passaram a ser quebrados para terem suas peças revendidas.
A limpeza também passou a ficar comprometida, uma vez que canteiros eram usados como banheiros pelos usuários —outra situação que aproxima Berlim de São Paulo. Apesar disse, a deputada considera que a cerca não vai resolver o problema.
“O problema não vai desaparecer, as drogas muito menos. Essa cena vai chegar cada vez mais próxima das pessoas, vão passar a ocupar a frente de prédios e cada vez m ais sangue, seringa e sujeira vai se acumular em frente as casas”, diz. O Partido Verde atualmente lidera a oposição ao governo da capital alemã, que é formado por uma aliança entre os democrata-cristãos (de centro direita) e os social-democratas (de centro esquerda).
David Kiefer, morador do bairro e representante do grupo Görli Zaunfrei (Görli sem Grades), defende a criar criação de locais onde os usuários possam consumir drogas e passar o dia.
Em nota, a Secretaria de Mobilidade, Transporte, Clima e Meio Ambiente de Berlim disse que mantém o diálogo com a população, com o bairro e com organizações sociais por meio do comitê gestor que se reúne uma vez por mês.
A pasta afirmou também que foram investidos mais R$ 162 milhões em 30 medidas de segurança e limpeza da cidade, e que a implementação da cerca é uma dessas ações.
Ainda segundo a secretaria, a verba foi destinada para aquisição de unidades móveis para consumo de droga, fortalecimento do trabalho social móvel, instalação de banheiros públicos, patrulhamento de parques e zeladoria de bairros e contratação de trailers móveis equipados com câmeras usadas para monitoramento de áreas públicas.
Além do Görlitzer, outra região de Berlim também tem sido alvo palco de debates devido ao uso de drogas em áreas públicas. É o Leopoldplatz, local com consumo de crack.
Na praça, há uma região delimitada para o consumo da droga, onde assistentes sociais prestam apoio para os usuários. Porém, o local reservado fica próximo a playgrounds onde crianças brincam, o que tem causado críticas.
A concentração de usuários ali também aumentou após a pandemia. Com o lixo acumulado, seringas usadas e deixadas no chão e brigas entre os dependentes passaram a incomodar as outras pessoas que usam o local.
Em resposta, um grupo de moradores criou uma associação para realizar mensalmente a limpeza da praça.
“É um ambiente estressante se estiver com criança”, diz Noe Gonzales, que mora na região e participa da associação. No local, foram instalados pontos de informação, que vigiam o espaço e fornecem ajuda aos dependentes. “Quem sofrem mais são eles [usuários]”, diz Noe, “Estamos tendo algumas melhoras, as iniciativas fazem efeito, mas não estamos resolvendo o problema principal. É preciso que essas pessoas tenham acesso a saúde mental, residências e trabalho.”
Fonte ==> Folha SP