O chefe da comunicação da Polícia Militar de São Paulo, coronel Emerson Massera, afirmou nesta sexta-feira (11) que mortes de vítimas desarmadas e rendidas por policiais não ocorrem por falta de treinamento. Ele afirmou que PMs têm consciência de que mortes nessas circunstâncias são ilegais.
Massera comentava a prisão em flagrante de dois policiais pela morte de um suspeito que já estaria rendido, com as mãos na cabeça, na tarde desta quinta-feira (10) em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, . O assassinato foi captado por câmeras corporais presas aos uniformes dos PMs.
“Os policiais que cometeram erros sabiam que estavam cometendo erros e optaram por isso”, disse o coronel, ressaltando que os militares recebem treinamento não apenas na academia de polícia mas ao longo de toda a carreira. “A falta de treinamento não pode ser alegada para o cometimento de algumas ações que são dolosas [com intenção].”
A vítima —Igor Oliveira de Moraes Santos, 24— era suspeito de tráfico de drogas, segundo a PM. Ele estava num grupo de quatro homens que fugiram ao ver a polícia e se abrigaram numa casa da comunidade, segundo o relato oficial. Imagens de câmeras corporais teriam mostrado o momento em que ele foi atingido por tiros de espingarda e pistola, mesmo sem oferecer mais perigo aos PMs.
A morte desencadeou uma onda protestos e vandalismo na comunidade durante a noite desta quinta-feira (10). Moradores atearam fogo em pneus e pedaços de madeira, viraram carros e fecharam algumas ruas do local. O tumulto foi sucedido de nova operação em que mais um homem foi morto e um agente da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, tropa de elite da PM) ficou ferido.
Massera, ao comentar a prisão dos PMs, afirmou também que declarações de políticos à frente do comando da tropa, como governadores e secretários estaduais, influenciam a base da corporação e lembrou de declarações do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) no mesmo sentido.
“O governador foi, no meu entendimento, muito feliz na observação dele quando ele reconheceu que precisa ter cuidado com o discurso, que o discurso precisa ser muito bem direcionado”, afirmou o coronel. “Caso contrário, essa mensagem pode ser interpretada de maneira equivocada pelo policial.”
Em dezembro do ano passado, o governador afirmou que seu discurso “tem peso” no comportamento da polícia, reconheceu que pode ter errado ao comentar ações da PM e que há necessidade de mecanismos de contenção que garantam a legalidade de ações. No mesmo mês, afirmou que estava “completamente errado” sobre o uso de câmeras corporais no início de seu governo, quando criticou o uso dos equipamentos.
Antes disso, porém, Tarcísio deu uma série de declarações de apoio a operações da PM em que havia denúncias de mortes de pessoas desarmadas. Em março do ano passado, por exemplo, o governador afirmou que não estava “nem aí” para denúncias de abusos cometidos por policiais durante a Operação Verão feitas por entidades à ONU (Organização das Nações Unidas).
Reportagem da Folha mostrou que a operação vivia um período de dez dias sem vítimas naquele momento, mas as mortes recomeçaram logo após aquela declaração.
Nesta sexta, o chefe da comunicação da PM ressaltou que as imagens que mostraram a morte do suspeito quando já estava rendido foi captada pelos novos modelos de câmeras corporais, e que elas foram acionadas automaticamente —via tecnologia bluetooth— após um dos policiais ligar seu próprio equipamento.
As câmeras têm uma função que aciona todos os equipamentos num raio de 20 metros quando o botão de uma delas é ligada manualmente.
Massera afirmou há na corporação uma expectativa de redução da letalidade nos próximos meses.
O ouvidor das polícias, Mauro Caseri, afirmou que o caso demonstra a necessidade do uso das câmeras corporais por todo o efetivo da PM, se possível. Ele disse que as medidas devem ir além do monitoramento por vídeo, e incluir também o aumento das compras de equipamentos não letais —como pistolas elétricas (as tasers) e sprays de pimenta— e a discussão sobre as condições de trabalho e a saúde mental dos policiais.
O aumento do investimento em armas não letais também foi um dos pontos destacados pelo porta-voz da PM, num ponto de convergência com o ouvidor.
“No ano de 2024, o número de mortos em operações da Polícia Militar ultrapassou 800 pessoas [aumento de 63% no estado]. Eu não posso reputar aí só a um erro na formação, a um erro na ausência de comando, crise no comando”, disse Caseri. “É inaceitável que nós, no estado de São Paulo, o estado mais rico da nação, tenhamos policiais que ganham R$ 4.000 reais por mês e que a sociedade não possa participar da discussão do que é segurança pública. Isso não acontece na educação, isso não acontece na saúde, isso não acontece na moradia, isso não acontece em lugar nenhum.”
Fonte ==> Folha SP