Nossos antepassados tinham algumas ideias estranhas sobre paternidade. Na antiga Atenas, um bebê não era legalmente uma pessoa até que seu pai dissesse que era.
Em uma cerimônia chamada “amphidromia”, o patriarca segurava o recém-nascido para uma inspeção, então decidia ou recebê-lo em sua casa ou abandoná-lo em uma colina para uma morte quase certa. Razões típicas para rejeitar um bebê incluíam deformidades ou o mero fato de ser uma menina.
Tudo isso pode soar horrível hoje, mas parte disso tinha uma lógica subjacente severa. Pela maior parte da história, os homens não tinham uma maneira confiável de saber se eram o pai biológico de uma criança e, em um mundo onde quase todos eram pobres, a maioria relutava em arriscar desperdiçar pão com a prole de outro homem.
Muitos, portanto, exerciam um controle opressivo sobre a fertilidade feminina, proibindo suas esposas e filhas de se misturarem com outros homens e —no caso ateniense— reivindicando o direito de matar qualquer criança que não desejassem reconhecer.
Os homens há muito tempo moldam a lei a seu favor. Um terço das regras no código de 4.000 anos do rei babilônico Hamurábi abrange relações domésticas.
Leitores atentos da grande pedra fálica na qual estão inscritas detectarão um certo viés pró-pai. Um filho que bate em seu pai deve ter suas mãos cortadas, por exemplo, e uma esposa que planeja assassinar seu marido deve ser empalada publicamente.
Em “Fatherhood: A History of Love and Power” (ou “paternidade: uma história de amor e poder”, ainda sem tradução no Brasil), Augustine Sedgewick, um acadêmico americano, descreve como o pensamento sobre os pais mudou ao longo do tempo. O que é impressionante é a pura variedade de absurdos em que as pessoas já acreditaram.
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Aristóteles argumentou que sexo mais saliente e sêmen mais vigoroso eram mais propensos a gerar uma criança do sexo masculino. Sigmund Freud acreditava que todos os meninos secretamente anseiam por matar o pai e fazer sexo com a mãe. (Alerta de spoiler: muitos não anseiam.)
Santo Agostinho de Hipona, influente cristão de tempos antigos, observou o comportamento egoísta de seu filho bebê (que morreu na infância) e concebeu a noção de “pecado original”: um bebê herda a maldade de seu pai, transmitida pelo próprio ato sexual. O pai, por sua vez, herda o pecado de seu pai, e assim por diante, até Adão. Isso se tornou dogma da Igreja e foi usado para justificar o batismo infantil.
Outro tema comum é a crueldade. Diz-se que Martinho Lutero afirmou que “preferiria ter um filho morto do que um desobediente”. Em 1662, o governo da colônia da Virgínia aboliu a antiga tradição britânica de que o status passava de pai para filho, decretando que os filhos deveriam herdá-lo de suas mães. Isso não foi, como parece, um avanço para o feminismo. Foi para que os proprietários de plantações pudessem engravidar suas escravas, seguros de que a prole também seria propriedade.
Essa regra aumentou muito o valor de mercado das mulheres escravizadas, já que dava ao comprador a propriedade de todos os seus descendentes. Também “uniu a negritude à escravidão”, já que “a escravidão foi definida como hereditária e congênita, em vez de uma consequência de captura, derrota militar ou endividamento”. As sombrias consequências desta regra ainda são sentidas nas relações raciais em todas as Américas.
Nos tempos modernos, duas grandes mudanças afetaram a forma como as pessoas veem a paternidade. Uma é que, graças aos testes de DNA, “pela primeira vez na história humana, tornou-se possível estabelecer a paternidade com certeza”. A outra é que os pais dedicam mais tempo do que nunca aos cuidados com os filhos.
As mulheres ganham mais hoje do que no passado, graças à contracepção confiável, à disseminação da educação e ao triunfo (parcial) do feminismo. Não precisando mais do salário de um marido para alimentar e vestir seus filhos, elas podem ser mais seletivas sobre com quem (ou se) vão se casar.
Isso, por sua vez, permitiu que exigissem uma divisão mais justa do trabalho em casa —mesmo quando máquinas de lavar e aplicativos de entrega de comida liberaram tempo para cuidar dos filhos. E, embora a igualdade perfeita ainda esteja longe, a maioria dos pais modernos descobriu que a criação compartilhada é profundamente gratificante.
Provavelmente agora é o melhor momento de todos para ser pai, pelo menos nos países ricos. Muitos empregadores oferecem licença-paternidade generosa; em grande parte da Europa, eles são obrigados a isso. Os pais americanos dedicam três vezes mais tempo aos cuidados com os filhos hoje do que na década de 1960.
Quando a Covid-19 forçou os pais a ficarem em casa em 2020 e 2021, o hábito permaneceu parcialmente: quando a pandemia terminou, o tempo que os pais americanos dedicavam aos cuidados com os filhos continuou maior do que havia sido em 2019.
A noção de que não é masculino ler histórias na hora de dormir está irremediavelmente ultrapassada: os homens são mais propensos do que as mulheres a dizer que gostariam de ver mais os pequenos.
Enquanto seus avôs impunham disciplina com palmadas, os pais de hoje são mais gentis e comunicativos. As crianças se beneficiaram de pais mais engajados com elas, principalmente porque mães e pais frequentemente criam filhos de maneiras complementares.
Como Richard Reeves, da Brookings Institution, observa em “Of Boys and Men”, os pais são mais propensos a incentivar a abertura para o mundo e um pouco de tomada de riscos. O maior envolvimento paterno tende a reduzir a delinquência adolescente. Meninas adolescentes que são próximas de seus pais exibem melhor saúde mental quando adultas.
A cultura popular abraçou a mudança em direção a lares menos hierárquicos. Nenhum estúdio de televisão hoje produziria um programa como “Papai Sabe Tudo”, sitcom americana dos anos 1950 com um título autoexplicativo.
Se é que há uma tendência hoje, é retratar os pais como bobalhões. No desenho animado “Uma Família da Pesada”, o pai, Peter Griffin, é tão estúpido que dá um soco ciumento em uma orca que acaricia sua esposa no parque Sea World.
As bênçãos da maior igualdade vieram, no entanto, com uma grande ressalva. Nem todos os homens se adaptaram bem ao novo mundo. Enquanto os pais com educação universitária nos Estados Unidos estão passando mais tempo com seus filhos, seus pares com menor nível educacional estão passando um pouco menos do que passavam há 20 anos. Eles também são muito mais propensos a viver separados de seus filhos e quase não os ver.
Isso criou uma divisão de classe na criação dos filhos, com as vantagens financeiras de que as crianças de classe média alta sempre desfrutaram, agora agravadas por um ambiente doméstico mais estável e estimulante.
Muitos homens da classe trabalhadora, enquanto isso, estão perdendo completamente as alegrias da paternidade: agora que as mulheres podem se dar ao luxo de ser mais seletivas, mais homens estão sendo deixados de lado. Muitos se ressentem disso intensamente, o que alimentou uma política de ressentimento masculino em grande parte do mundo desenvolvido.
Decepcionantemente, Sedgewick não consegue lidar com essas tendências. Em vez disso, ele conclui o livro com uma nota pessoal. Quando pergunta a seu filho pequeno o que um pai deveria ser, o menino responde que um pai deve ser “engraçado e bom em dar abraços”. Como conselho para criação de filhos, isso é difícil de superar.
Texto de The Economist, traduzido por Walter Porto, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado em www.economist.com
Fonte ==> Folha SP