O maior projeto de licenciamento ambiental da história do Brasil, iniciativa que receberá investimentos de R$ 196,4 bilhões, converteu-se em um novo flanco de desentendimentos entre o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e a Petrobras.
O Ibama negou, no início deste mês, um pedido da empresa para analisar a licença prévia requerida para a quarta etapa de exploração do pré-sal na Bacia de Santos, enquanto a companhia não apresentar um programa específico sobre ações contra as mudanças climáticas. As informações foram obtidas pela Folha.
A quarta etapa não é um projeto qualquer nas prateleiras da Petrobras. O licenciamento, que será feito de maneira integrada, como ocorreu nas três etapas anteriores, inclui dez plataformas, além de gasodutos e demais estruturas.
O alcance dos investimentos supera com folga as três fases anteriores. A primeira etapa recebeu R$ 19,4 bilhões, enquanto a segunda chegou a R$ 120 bilhões. A etapa 3 contou com R$ 126,5 bilhões e este novo beira os R$ 200 bilhões.
A negativa do Ibama emitida em 3 de julho se baseia em novas exigências que passaram a ser feitas. A avaliação técnica é que as ações de mitigação climática adotadas até hoje no pré-sal —como a reinjeção de gás dentro do poço e a redução da queima— não são mais suficientes frente à gravidade da crise climática.
Por isso, o órgão passou a exigir um programa específico sobre o assunto, com metas claras ligadas a cinco eixos: transparência, monitoramento, mitigação, compensação e adaptação.
A Petrobras, porém, se negou a apresentar o plano e encaminhou ao Ibama uma série de informações sobre iniciativas já realizadas. A empresa afirma, ainda, que não há regulamentação específica para esse tipo de exigência no licenciamento, o que criaria um tratamento desigual no setor.
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“O estabelecimento de obrigações exclusivas para a Petrobras em relação ao enfrentamento da mudança climática no âmbito do licenciamento ambiental federal, desvinculadas de um marco normativo comum para o setor, merece especial atenção para não resultar em tratamento discriminatório a empresas do mesmo setor regulado, em desacordo com a Lei de Liberdade Econômica”, declarou a Petrobras ao Ibama, em resposta encaminhada em maio.
O Ibama, porém, insiste no programa e alega que não há como avançar sem o detalhamento do programa. “A Petrobras possui diversos compromissos públicos de redução de emissões, mas esses compromissos não estão refletidos no licenciamento ambiental, o que impede o acompanhamento da evolução dos indicadores”, disse o órgão à petroleira.
O Ibama também afirmou que, “considerando o contexto de agravamento da crise climática, a urgência na redução das emissões líquidas e a responsabilidade compartilhada de atendimento das metas climáticas, não parece razoável o desenvolvimento da exploração petrolífera com tamanho saldo positivo de emissões de gases de efeito estufa”.
Questionada pela Folha, a Petrobras afirmou que “é importante destacar o ineditismo da solicitação do Ibama para a apresentação de um programa específico sobre mudanças climáticas no âmbito do processo de licenciamento ambiental da etapa 4 do pré-sal da Bacia de Santos”.
A empresa ressalta que isso não estava previsto no termo de referência, que é fase inicial do processo de licenciamento.
O Ibama, também procurado, disse que a necessidade de estabelecer medidas adicionais para a mitigação dos impactos climáticos considera a dimensão do projeto e o seu significativo volume de emissões.
“A diretoria de licenciamento ambiental do Ibama segue em diálogo permanente com a Petrobras, com vistas a construir soluções efetivas para o adequado tratamento dos possíveis impactos ambientais da atividade”, afirmou, em nota.
A entrada em operação das dez plataformas da etapa 4 do pré-sal, segundo o Ibama, prevê o lançamento no ar de mais de 7,6 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2eq) por ano, de 2032 a 2042.
Para efeito de comparação, o parque de geração de energia termelétrica a combustíveis fósseis no Brasil —que soma 67 usinas a carvão, gás natural e óleo— emitiu 17,9 milhões de toneladas de CO2eq em 2023. Só a etapa 4, portanto, vai responder sozinha por 43% do que é expelido por todo o parque térmico nacional.
O volume de gás de efeito estufa chega a se aproximar a tudo que é expelido hoje no pré-sal, em suas três etapas somadas. Em 2023, as plataformas da Petrobras que já operam nas três primeiras etapas emitiram 10,79 milhões de toneladas de CO2eq, conforme dados da petroleira.
“Tal adição é inoportuna, no momento em que precisamos de uma inflexão de curto prazo na trajetória de emissões nacionais e, portanto, são necessárias medidas compensatórias para reduzir o impacto operacional líquido do pré-sal”, disse o Ibama à empresa nos documentos obtidos pela reportagem.
As dificuldades no licenciamento podem frustrar o cronograma da Petrobras, que prevê o início de operação desta etapa em 2026. A licença prévia —fase que não autoriza o início das construções e só atesta a viabilidade ambiental— foi protocolada em julho de 2021.
Uma vez emitida, a empresa precisa requerer a licença de instalação, quando tem de atender todos os compromissos assumidos na fase anterior.
A etapa 4 prevê a instalação de dez unidades localizadas em distância mínima de 178 km da costa do litoral de São Paulo e Rio de Janeiro. Há previsão de perfurar 132 poços, com produção média estimada de 123 mil metros cúbicos por dia de petróleo e 75 milhões de metros cúbicos por dia de gás natural.
Na nota enviada à Folha, a Petrobras afirma que elabora atualmente uma resposta para atender às demandas do Ibama referentes ao programa sobre mudanças climáticas e que, quando pronta, será encaminhada para apreciação.
A petroleira declarou que a mudança do clima “é um tema de escala global que vai muito além de um processo de licenciamento” e que está inserida no chamado Plano Clima, que trata de políticas públicas e do planejamento energético do país, além de ter reduzido suas emissões em 46%, de 2015 para 2023.
Fonte ==> Folha SP