Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisaram os principais pontos da reunião, que reforçou a busca por um alinhamento de discurso e ações dos membros do grupo que defendem o multilateralismo e a reforma da governança global.
O BRICS realizou, na segunda-feira (8), uma reunião virtual das lideranças do BRICS para reforçar os interesses dos países do grupo no fortalecimento do multilateralismo e na coordenação de ações nos próximos fóruns, como a Assembleia Geral da ONU, a COP30 e o G20 na Índia, especialmente diante de sanções e tarifaços unilaterais contra países-membros, embora não tenham citado os Estados Unidos no decorrer do encontro.
Participaram da reunião os líderes de nações como os presidentes de África do Sul, Cyril Ramaphosa; Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva; China, Xi Jinping; e Rússia, Vladimir Putin. Segundo o Planalto, a conversa durou pouco menos de duas horas e teve o compartilhamento de visão dos mandatários do BRICS sobre como “ampliar mecanismos de solidariedade, coordenação e comércio entre países” do grupo.
Na entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisaram a cúpula virtual e os principais pontos das discussões entre os presidentes, além da ausência do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, que disponibilizou o chanceler, Vikram Misri, para o encontro.
A doutoranda em ciência política na Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora de política russa, Giovana Branco, explicou que pelas nações do BRICS viverem uma situação muito parecida quanto às tarifas dos EUA, há um entendimento do grupo que é preciso “lutar em conjunto contra as adversidades econômicas”.
“[A cúpula teve] falas sobre a multipolaridade do sistema, sobre a necessidade de maior integração entre os países do BRICS frente às dificuldades do cenário internacional. E a gente tem uma posição bastante clara desses países sobre os EUA, cada vez mais sendo retratados com perigos potenciais para o sistema internacional. Ou, ao menos, como uma certa ameaça para esses países.”
Branco ressalta que houve um cuidado para não citar nominalmente os Estados Unidos ou o presidente Donald Trump no encontro, em especial pela proximidade de certos países do grupo com Washington, como a Índia. Apesar da ausência de Modi ser simbólica, a especialista não vê Nova Déli dando as costas para o BRICS.
“A Índia tem essa posição dual no sistema internacional, e é bastante interessante a gente observar esses países que conseguem lidar com os dois lados do sistema. […] Quando a gente vê no longo prazo, os EUA sempre mantêm a Índia muito próxima justamente para balancear o crescimento chinês na Ásia.”
O historiador e pesquisador do BRICS no Partido dos Trabalhadores, Rodrigo Ruperto, acredita que o Brasil buscou minimizar os danos de um enfrentamento frontal dos EUA contra o mundo ao convocar esta cúpula, na qual foi debatida a necessidade de recuperar a funcionalidade da Organização Mundial do Comércio (OMC), paralisada há cerca de dez anos devido ao governo norte-americano.
“O Brasil apelou agora para a OMC sobre a questão das tarifas, mas a apelação é no vazio. Então, para que o mundo avance contra uma ameaça central a todos os princípios de liberalismo comercial e de todos os valores multilaterais do comércio, […] o Brasil busca, a partir deste momento, adensar as posições com os países do BRICS e aumentar o comércio bilateral.”
Na visão de Ruperto, é essencial para o Brasil se integrar cada vez mais na dinâmica do que o especialista classifica como “próximo quadro geopolítico do mundo”. Todavia, o analista alerta que uma convocação para uma cúpula virtual poucos meses após o encontro no Rio retrata a escalada acentuada de tensões econômicas globais.
“A gente tem que compreender essa cúpula como se fosse um botão de emergência no sentido de como a tensão se escalou em um, dois meses. Muito rápido. Era preciso sentar e conversar porque o que havia se premeditado há dois meses já é irreal, e aí o que nós podemos observar é que na próxima cúpula [presencial], na Índia, necessariamente terá que haver uma resposta mais contundente em termos de governança global no BRICS.”
Como o BRICS pode se unir?
Se a OMC, que seria o palco para discutir relações comerciais entre nações, está inoperante, os analistas que conversaram com o Mundioka entendem que o BRICS pode encontrar maneiras de enfrentar questões como o tarifaço. Uma das soluções, proposta pelo presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, é a criação de um mecanismo de apoio do grupo aos países membros.
Ruperto relembra que a ideia de Pezeshkian é similar ao que Brasil, China e Índia fizeram em relação à Rússia após Moscou receber sanções, em especial, dos Estados Unidos e da União Europeia, em 2022. Impedido de poder comercializar diretamente com alguns de seus clientes, empresários russos encontraram em nações parceiras a saída para sobreviver diante dos bloqueios comerciais.
“[Um mecanismo de cooperação] vai permitir que, mesmo com sanções, o projeto soberano de alguns países, como o Irã, a Rússia, a China, — o Brasil, eventualmente, caso nós consigamos implementar um — não fique à mercê de conjunturas momentâneas.”
Outra forma de se proteger de ações dos Estados Unidos, na visão de Ruperto, é a desdolarização das transações entre os países do grupo. Na visão do especialista, para isso, é necessário que projetos como o BRICS Pay saiam do papel e haja um avanço institucional do grupo.
“A partir do momento que o emissor do dólar, da moeda de reserva, se mostra fragilizado […] as nações vão buscar, cada uma ao seu modo, mitigar essa vulnerabilidade. Isso pode acelerar a desdolarização? Com certeza. Mas só que, para que isso seja algo realmente efetivo, é necessário ter um avanço institucional, inclusive no BRICS, muito maior.”
A falta do avanço institucional é mencionada também por Branco, que diz que o grupo por não ser tão institucionalizado, ainda não consegue responder de maneira rapidamente. Mas a semente das alternativas já foi plantada.
“Atualmente, não vejo isso sendo uma vontade política do grupo, já que os BRICS ainda, talvez por não ser tão institucionalizado, não ter essas concretudes que o nosso sistema internacional tem, provavelmente os BRICS ainda não têm essa capacidade de realmente colocar ali na mesa de negociação a sua vontade como um grupo aliado.”
A especialista também reforça que, com os atuais modelos de comércio e industrialização, é impossível para o BRICS se virar contra os Estados Unidos, mas que a semente da busca por alternativas já foi plantada.
Segundo a especialista, a política internacional vive um momento de tensão e reuniões como essa, para o alinhamento de pensamentos entre aliados, são positivas, o que reforça a importância do BRICS, embora o grupo tenha pouco crédito diante da opinião pública brasileira.
“O BRICS já consolidou a sua imagem como uma alternativa global. Embora isso não seja muito claro ainda para a população brasileira, é uma questão quando a gente vê a repercussão que esse grupo tem.”
Fonte ==> Ba.gov