Semana de despedidas dolorosas – 24/04/2025 – Djamila Ribeiro

Ilustração de fundo cinza escuro, à direita está a imagem de uma mão que segura uma rosa branca, sendo continuada por uma manga de blusa branca que cobre o punho.

Começo esta coluna prestando condolências ao povo católico do Brasil pela morte do papa Francisco, uma voz de compaixão e coragem em tempos tão sombrios. Inspiro-me em são Francisco de Assis e em muitos de seus devotos. Meus sinceros respeitos.

Neste momento, em que o mais velho parte, é tempo de recolhimento. E me vi tomada por alguns momentos a mais, pois vivi uma semana de despedidas. Na vida pessoal, fui surpreendida pela partida repentina do jovem companheiro de uma pessoa muito querida para mim. E, nas notícias, fui atravessada pelo assassinato de Bruna Oliveira da Silva, de apenas 28 anos. Mestranda em turismo pela USP, a Universidade de São Paulo, Bruna foi morta na rua, próximo à estação de metrô Corinthians-Itaquera. Seu corpo foi encontrado seminu, com sinais de violência.

É revoltante como viver, para nós, mulheres, é um risco constante —e, pior, naturalizado. Depois de ler a entrevista de Simone da Silva, sua mãe, falando sobre os ideais feministas da filha, fiquei ainda mais sentida. Já fui Bruna em muitos momentos da minha vida —voltando do mestrado para casa, muitas vezes tarde da noite, onde uma filha me esperava.

Talvez o que senti agora seja parecido com o que senti quando soube do feminicídio de Janaína Bezerra, na Universidade Federal do Piauí, em 2023. Poeta, também jovem, também estudante, também sonhadora e também vítima de feminicídio. Nesse sentido, a universidade acertou em homenageá-la em 2025, concedendo a ela o diploma simbólico de graduada em jornalismo.

Como conselheira do Fundo Patrimonial da USP, lamento a morte de Bruna, restando-me homenageá-la e direcionar a minha revolta pelo que ocorreu. Nunca pode ser “mais um caso”. Eu me recuso a tratar com anestesia esse morticínio de mulheres, uma forma parafraseada de genocídio.

Enquanto os dados de feminicídio alardeiam ano a ano a situação de desumanidade no país, a mídia ocupa suas manchetes da semana com disputas ministeriais e negociações entre homens em palácios de Brasília. E o Brasil sangra. Só no último feriado, dez mulheres foram assassinadas no Rio Grande do Sul. Dez. Todas com sonhos e histórias, as quais pude conhecer brevemente ao ler uma reportagem do Correio do Povo.

Que se digam seus nomes: Raíssa Müller, assassinada junto de seu companheiro Eric Richard de Oliveira Turato; Caroline Machado Dorneles, grávida e mãe de uma menina; Juliana Proença, de 47 anos, morta na última sexta-feira; Jane Cristina Montiel Gobatto, que deixa um filho; Patrícia Viviane de Azevedo, que deixa duas filhas; Simone Andrea Meinhardt, com cinco filhos e cinco netos; Talia da Costa Pereira, com dois filhos; Laís Malaguez Meyer, morta no meio da rua na tarde de segunda; Leobaldina Rocha Lyrio e Diênifer Rauani Lyrio Gonçalves, mãe e filha, mortas pelo companheiro e padrasto. Presentes.

Se a morte de Bruna na cidade mais movimentada do país não comove, dez feminicídios em um único estado, em um intervalo de quatro dias, deveriam fazer o Brasil parar. Uma intervenção, um pronunciamento à nação à altura —qualquer coisa. Mas o que tomou a atenção foi especular o cargo da vez no “acordo de cavalheiros” que sustenta os pactos do poder masculino neste país. Um acinte.

Os feminicídios seguem em série, mas o que se vê é uma cobertura apática. Pouco se fala sobre a omissão do Estado, sobre a ausência de políticas eficazes de prevenção, acolhimento e justiça. E menos ainda sobre concessão de meios de comunicação formados por mulheres e voltados aos seus direitos, uma vez que nem de dia podem andar na rua em paz.

Bruna, como as dez mulheres do Rio Grande do Sul, eram filhas de alguém, amigas de alguém, amadas por alguém. Por isso, é impressionante a normalidade com que os homens vivem na política só preocupados com a “boquinha” e sem se importar em propor um projeto de país. Voltarão a falar de mulheres somente na época de eleição, querendo nossos votos que os elegem, mas sem cumprir um programa à altura de nossas necessidades.

Retomo um ensinamento do papa Francisco que pude ler no site da Canção Nova. Foi um pronunciamento feito pelo pontífice durante uma campanha para coibir a violência contra a mulher, em 2023, na emissora estatal italiana RAI. Francisco afirmou: “Nosso grau de humanidade é revelado pela forma como tratamos as mulheres, em todas as suas dimensões”. E ainda disse: “É preciso agir imediatamente, em todos os níveis, com determinação, urgência e coragem”.

Que suas palavras, e a memória de Bruna e de tantas mulheres que se foram, sirvam de lembrete: precisamos urgentemente rever nosso grau de humanidade.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.



Fonte ==> Folha SP

Leia Também

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *