Será que um dia vamos viver em outro planeta? – 30/05/2025 – Folhinha

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O espaço sempre fascinou a humanidade, como um lugar quase inatingível, que guardava muitos segredos.

Durante muitos milênios, ir até lá e deixar o nosso planeta para trás foi apenas um sonho da ficção científica.

No século passado, a partir de 1957, virou realidade. Mas era algo para robôs e astronautas, feito com dificuldade e custando muito dinheiro. Países inteiros gastavam fortunas para levar duas ou três pessoas à Lua. Só um deles conseguiu, os Estados Unidos, batendo a antiga União Soviética (hoje Rússia), na que ficou conhecida como a primeira corrida espacial.

Agora estamos vivendo uma nova fase, e a promessa é que em alguns anos o espaço não seja mais nem o sonho nem o desafio, mas o ambiente de trabalho, e talvez até o lar, de muita gente.

O que mudou para que tenhamos essa revolução?

No começo, só os países podiam bancar seus programas espaciais, que eram feitos de um jeito que tratava cada lançamento de foguete algo muito especial.

Levar coisas ao espaço, vencendo a gravidade terrestre e atingindo a velocidade necessária para que elas

não caiam de volta, é bem complicado.

É preciso muita energia para acelerar um objeto até 27 mil km/h (umas 30 vezes mais rápido que um avião) de forma que ele entre em órbita, e os foguetes conseguem fazer isso gerando essencialmente uma explosão controlada: é como uma espécie de bomba que explode numa direção só, empurrando o veículo na direção oposta. Os motores necessários para fazer isso são complicados e caros. E tudo era pensado para levar alguma coisa ao espaço, não para trazê-la de volta. Assim, os foguetes nasceram como veículos descartáveis.

Imagine quanto custaria ir à escola ou ao shopping se toda vez que quiséssemos fazer a viagem precisássemos comprar um carro novo.

Com as viagens espaciais por muito tempo foi assim. E como o voo em si era muito caro, os responsáveis pelas naves, sondas e satélites que seriam levados ao espaço também gastavam muito dinheiro para desenvolvê-los e testá-los, o máximo possível, para reduzir o risco de que um defeito colocasse tudo a perder —não tem mecânico ou assistência técnica no espaço.

Durante muito tempo, países e grandes empresas de foguetes e naves viveram felizes com esse esquema. Faziam poucas missões, por muito dinheiro, e os programas espaciais se limitavam a atividades muito essenciais, como observações meteorológicas (para ajudar na previsão do tempo), telecomunicações (transmitir imagens e dados ao vivo no mundo inteiro) e geolocalização (o famoso GPS, que

sabe exatamente em que ponto da Terra estamos nós e nossos veículos).

No começo do século 21, esse modelo começou a parecer meio limitante.

Ele servia às demandas mais imediatas dos governos (de satélites espiões a sondas), mas estava longe de permitir o sonho da ficção científica, com bases e colônias no espaço, e humanos trabalhando e vivendo fora da Terra.

Experimentos nesse sentido eram limitados, como os três dias que dois astronautas da missão Apollo 17, em 1972, moraram na superfície da Lua, ou os meses que astronautas passavam na estação espacial russa Mir, a partir dos anos 1980, e depois na Estação Espacial Internacional —que está desde 2000 ocupada, mas por um número relativamente pequeno de pessoas (raramente ultrapassa dez tripulantes simultâneos).

O segredo para mudar o jogo era um só: tornar os foguetes reutilizáveis.

A Nasa bem que tentou, nos anos 1980, com os ônibus espaciais, que decolavam como foguetes, mas voltavam à Terra como aviões. Só que eles se mostraram muito caros e perigosos —saía quase tão caro reutilizar um ônibus espacial quanto construir outro do zero. Os russos, por exemplo, nunca embarcaram nessa. Chegaram a desenvolver seu próprio ônibus espacial, o Buran, e o lançaram apenas uma vez —só para mostrar que podiam— antes de voltar a trabalhar apenas com cápsulas e foguetes descartáveis.

Essa perspectiva começou a mudar em 1996, quando uma fundação nos EUA teve a ideia de criar um prêmio para estimular a indústria a pensar de outro modo sobre esses desafios.

O chamado Prêmio X (mais tarde rebatizado de Prêmio X Ansari após doações de Anousheh e Amir Ansari) previa o pagamento de US$ 10 milhões a quem desenvolvesse um veículo reutilizável tripulado capaz de ir até a borda do espaço (100 km acima da superfície) e voltar, tornando a voar em menos de duas semanas.

Levou quase dez anos até que, em 2004, a empresa Scaled Composites conseguisse cumprir o desafio —financiada por entusiastas como Paul Allen, fundador da Microsoft. Ela ganhou os US$ 10 milhões, mas gastou mais de US$ 100 milhões no projeto.

Parece birutice, mas não é. Porque o plano era eventualmente desenvolver esse veículo para realizar

voos rotineiros de turismo espacial.

A empresa Virgin Galactic foi construída em torno disso, e hoje os voos suborbitais (desses que vão até a borda do espaço e retornam em seguida) já se tornaram uma realidade.

Por que a Katy Perry foi ao espaço? Passear, num desses voos suborbitais feitos para turismo, no caso fornecido pela Blue Origin, uma concorrente da Virgin Galactic fundada por Jeff Bezos (o dono da Amazon).

Não estranhe a presença de tantas pessoas que ficaram ricas com a internet nessa nova era espacial. Em geral, elas eram fissuradas pelo tema desde a infância e, quando enriqueceram, decidiram gastar parte do dinheiro transformando em realidade o sonho de tornar o voo espacial algo tão comum quanto viajar de avião.

A SpaceX talvez seja o principal exemplo. Criada por Elon Musk (outro que ficou rico com a internet), ela foi mais longe que qualquer outra na ideia de foguetes reutilizáveis. Não se limitando a veículos suborbitais, resolveu aplicar a ideia a lançadores de grande porte.

Em 2015, ela conseguiu fazer um de seus foguetes pousar de volta em uma plataforma, depois de subir ao espaço para colocar um satélite em órbita. Tem realizado esses pousos rotineiramente. E o barateamento dos lançamentos viabilizou coisas que até então eram tidas como impossíveis, como lançar milhares de satélites à órbita para fornecer internet no mundo inteiro.

A mudança também teve grande apoio dos programas espaciais governamentais, sobretudo da Nasa. Sem elas, a SpaceX não teria conseguido criar seus foguetes reutilizáveis.

E esses programas hoje vivem uma nova corrida espacial. Os Estados Unidos de novo estão na disputa, agora com a China. Os dois países querem ver quem será o primeiro a colocar astronautas na Lua no século 21. Até 2029, ao menos um deles deve chegar.

Os dois países também estão de olho em Marte. Até hoje, ninguém enviou astronautas ao planeta vermelho, porque fica muito mais longe que a Lua, e a missão é mais perigosa e complexa. Os americanos já começaram a falar em enviar pessoas, e Elon Musk quer até criar uma cidade em Marte. Mas não há planos concretos.

Já os chineses estão focados no retorno de amostras de Marte, de início sem enviar tripulações. É uma missão que pode revelar se há vida por lá, o que seria uma grande descoberta.

Os americanos estão aliados a europeus, japoneses e canadenses, e pretendem juntos fazer a exploração da Lua e de Marte. Eles realizam grandes empreendimentos juntos, como o Telescópio Espacial James Webb.

Os chineses também estão à procura de parceiros internacionais — oferecem oportunidades de participação nas missões robóticas à Lua e a Marte e estão querendo incluir astronautas de outros países no seu projeto de estação espacial, a Tiangong. O complexo orbital, por sinal, terá uma companhia ilustre em breve: um telescópio espacial similar ao famoso Hubble, mas com um campo de visão bem maior, e que poderá ser rotineiramente visitado pelos taikonautas (apelido dado aos astronautas chineses) para atualização e reparos.

A China não perde tempo no estímulo à sua indústria para que possa competir com os americanos. O foco está no desenvolvimento de foguetes reutilizáveis e de mais aplicações no espaço, como uma concorrente do Starlink, sistema da SpaceX, com sua própria constelação de milhares de satélites para fornecer internet rápida.

Conforme mais pessoas e empresas vão ao espaço, mais atividades serão feitas lá. Já se fala em estações espaciais comerciais, e tanto americanos como chineses querem criar bases na Lua, que poderão ser visitadas.

Se o século 20 foi o do desbravamento, o 21 será o da ocupação. E essa será uma jornada muito empolgante que poderemos vivenciar —e até participar dela— nos próximos anos.

Mas uma coisa é certa: não importa o que façamos no espaço, o mais importante será sempre cuidar da Terra. Talvez um dia existam humanos morando na Lua, em Marte e em outros cantos do Sistema Solar. Mas nunca lugar algum será tão bom para morar quanto o nosso próprio planeta.



Fonte ==> Folha SP

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