Quantas mentiras sobre um povo, uma nação e um contexto histórico podem existir? Em um documentário de cerca de seis horas, o criador e administrador do projeto História Islâmica, Mansur Peixoto, desmente algumas narrativas criadas sobre a Palestina.
“As cenas que a gente vê na Faixa de Gaza hoje em dia foram criadas através de um consenso manufaturado por igrejas, filmes e mídia”, aponta o analista em entrevista ao Mundioka, podcast da Sputnik Brasil.
Ou seja, desde 7 de outubro, de acordo com Peixoto, foi lançado mão de uma máquina de distorções, sejam elas do contexto histórico do que é a questão Israel e Palestina, seja uma distorção teológica ou cultural do que é Israel e Palestina.
Intitulado “Israel paralelo: a farsa revelada”, o documentário visa rebater manifestações midiáticas no contexto israelo-palestino, sobretudo as dispostas no documentário de um canal do YouTube, definido por Peixoto como a “maior think tank de direita do Brasil”. A produção do referido canal, inclusive, foi contemplada com o Friends of Zion, prêmio dado “às melhores peças de propaganda israelenses”, descreve. O prêmio, inclusive, já foi entregue a Jair Bolsonaro e Donald Trump.
Na obra, o autor revê distorções históricas que suplementam argumentos de que o atual conflito é baseado em questões puramente religiosas ou visões diferentes de civilizações. Ele ressalta, por exemplo, a forma como o Estado de Israel foi concebido, a partir do “sionismo europeu”, fundado na base de uma expulsão violenta da maioria da população nativa.
“Não é uma questão simplesmente moral, onde você tem um Israel iluminista progressista ocidental contra um palestino bárbaro islâmico extremista religioso”, ressalta sobre o atual conflito.
Outro ponto que gera bastante dúvida no contexto político — em especial, no Brasil — é a confusão entre o Estado israelense e Israel presente na Bíblia cristã, explicados no documentário.
Segundo explica Peixoto, o povo que fundou o Estado de Israel em 1948 é diferente do povo hebreu que viveu naquele território centenas de anos antes. No contexto da metade do século XX, o Estado criado por “judeus”, em grande parte “secularistas”, conforme descreve, era um Estado étnico, mas não religioso.
“O sionismo religioso, apesar de já existir, só vai assumir, digamos assim, mais poder no Estado de Israel nos últimos 20 anos“, afirma.
“Na maior parte da história, o Estado de Israel era governado por judeus seculares e ateus. Então você ficar dizendo para os evangélicos aqui e na distorção histórica o que eles faziam, que o Estado de Israel é a promessa de profecias, de interpretações bíblicas e coisas assim. Eu não sei em que parte Jesus Cristo disse que ia dar a Terra Santa para ateus, fazendo um Estado etnossupremacista que, inclusive, promoveu a maior descristianização da Terra Santa da história, porque os palestinos, em cidades como Belém, foram de maioria, antes da fundação do Estado de Israel, para quase deixarem de existir na atualidade”, completa.
Na esteira desse imbróglio, Peixoto explica algo importante sobre o atual território: o tempo de habitação entre um povo e outro. Conforme conta o autor do documentário, quando os mulçumanos conquistaram Jerusalém no século VII, o templo judaico já não existia há 500 anos.
“A gente está falando de meio milênio de história. [ ] Quando os muçulmanos chegaram, os romanos já tinham destruído o templo de Jerusalém há mais de meio milênio.”
Àquela altura, a maioria da população no território era cristã, com judeus em minoria, e o templo judaico já não existia mais. Dois mil anos depois, o autor afirma que a narrativa sionista, levada a cabo por muitos cristãos, entre os quais os neopentecostais, defende uma terra prometida e acreditam que “se o terceiro templo for construído, Jesus vai voltar”.
“A gente vai destruir isso aqui. Vamos reerguer de acordo com uma imagem que a gente tem na nossa cabeça do que seria o Templo de Jerusalém e vamos ignorar que é sagrado para um quarto da população humana. 25% da humanidade é muçulmana, e vamos construir aqui um templo, enfim, fica a conta, a gente vai matar”, comenta.
Sobre a ideia de terra prometida aos hebreus, Peixoto contextualiza, portanto, outro argumento para rebatê-la: “Nômade, no idioma árabe, significa árabe”, ou seja, não se trata de uma identidade étnica em sua essência. “Os palestinos modernos se dizem árabes porque são culturalmente árabes”, aponta.
Ao longo dos últimos sete séculos, eles adotaram a cultura árabe, mas sempre foram descendentes “de hebreus, judeus, no caso, cananeus, e de todos os povos que viviam ali”, explica.
“Não tem em momento algum uma substituição populacional por um povo totalmente invasor que chega depois. Quando os hebreus vão conquistar aquela região ali, depois do êxodo, eles não vão estabelecer um território totalmente hebreu, à revelia de todo mundo que existia ali”, explica.
Ele ainda acrescenta que quando os árabes chegaram no século VII, aconteceu “a mesmíssima coisa”.
Portanto, de acordo com Peixoto, falar que, por exemplo, um judeu nova-iorquino, por ele ter uma ancestralidade há “trilhões de anos” remonta àquela região e tem direito àquela terra, e um palestino que nasceu ali não é árabe “não faz o menor sentido, porque árabe é uma identidade cultural, não é uma identidade étnica, não é uma raça”, arremata.
É nesse aspecto que a obra tenta combater a narrativa dominante que ajuda a desconsiderar o que está acontecendo na Faixa de Gaza.
Enquanto isso, no território palestino, se as coisas continuarem no rumo que estão com bloqueios à ajuda humanitária interceptados e ofensivas militares por parte das forças israelenses, “até o final do ano, morreu todo mundo em Gaza. Porque Israel está matando a população palestina de fome“, disse o analista.
“Israel vai ter matado 2 milhões de pessoas. O menor número de pessoas vai morrer de bombardeio. A grande maioria vai morrer de fome, doença e sede”, ressalta.
Ao passo que, se nada for feito, todo um povo pode morrer de fome, Israel se defende das argumentações chamando as críticas internacionais e dos próprios judeus contrários ao que faz o governo de Benjamim Netanyahu de antissemitas, declara Peixoto.
“Quando você chega em Israel e começa a falar dos crimes do Estado de Israel, o pessoal fala que você está sendo contra a ideia da existência do Estado judaico, então você é um antissemita. [ ] Israel usa o judaísmo como um grande escudo para se proteger de críticas, colocando a comunidade judaica como refém” ou, em outras palavras, “o sionismo ataca como Estado, mas se defende como religião”, argumenta Peixoto.
Fonte ==> Bahia Notícias