Só 0,2% da renda com petróleo no Brasil vai para clima – 24/04/2025 – Ambiente

Vista de drone de costa com floresta ao lado de local com lama e água; o lamaçal forma uma padrão de traços na água

Uma das justificativas dos defensores da exploração de petróleo no governo Lula e no Congresso é que a receita dos combustíveis fósseis vai financiar a transição energética no Brasil. Na prática, porém, isso não tem ocorrido: zero deste recurso é destinado para energias renováveis e menos de 1% acaba em rubricas de clima ou meio ambiente.

A constatação é de um estudo do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), ao qual a Folha teve acesso, que detalha como foram distribuídos os R$ 108,2 bilhões que o Brasil arrecadou com a exploração petroleira em 2024 —por exemplo, com royalties, participações ou bônus por contratos.

Quase R$ 60 bilhões foram repassados a estados e municípios —mais da metade para o Rio de Janeiro ou as cidades do estado fluminense—, que, por sua vez, não têm instrumentos de transparência e controle sobre estes recursos.

Há ainda R$ 8,7 bilhões paralisados em disputas na Justiça, e mais R$ 30 bilhões em dividendos pagos pela Petrobras —o Inesc preferiu separá-los do total, porque são usados para pagamento da dívida interna.

A “construção de uma sociedade mais justa” e a viabilização da “urgente transição energética”, diz o Inesc, são os argumentos usados para justificar os combustíveis fósseis. “Contudo, tais afirmações, embora acalentem o imaginário desenvolvimentista, carecem de uma avaliação fundamentada em dados e evidências robustas que possam sustentá-las”, acrescenta o instituto.

O debate nacional sobre a ampliação da exploração de petróleo tem como foco atual a Bacia Foz do Amazonas, na chamada margem equatorial do país.

A investida mais recente começou ainda no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que tentou fazer o Ibama (Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais e Renováveis) liberar a Petrobras para perfurar o local —mas não conseguiu.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu em 2023 e, a despeito do discurso climático e da resistência da ala ambiental comandada pela ministra Marina Silva, pressiona pelo mesmo desfecho.

“A Petrobras tem a maior experiência de exploração de petróleo em águas profundas. Vamos cumprir todos os ritos necessários para que a gente não cause estrago na natureza. Até porque é dessa riqueza que a gente vai ter dinheiro para construir a sonhada transição energética”, disse ele, em fevereiro.

Reproduzem a narrativa nomes como o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP) e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).

Rodrigues, inclusive, apresentou ao Senado um projeto para destinar parte dos royalties petrolíferos à preservação da Amazônia e à mitigação dos impactos da atividade, mas o texto segue sem previsão de avançar.

A receita arrecadada com a exploração do petróleo explodiu após o início da exploração do pré-sal, que hoje representa cerca de 80% do total arrecadado.

Sua distribuição acontece de acordo com uma série de leis e é definida na LOA (Lei Orçamentária Anual) —o que faz com que esse processo passe invariavelmente por governo e Congresso.

O inesc cruzou a base de dados da receita arrecadada líquida do petróleo com a fonte das despesas do Orçamento da União de 2024.

As áreas que mais receberam desses recursos são Saúde e Educação —com R$ 11 bilhões em seus ministérios e R$ 16 bilhões do Fundo Social—, porque há a obrigação de que parte desse dinheiro seja empregado nelas.

A Educação, por exemplo, usa a verba para educação básica, assistência estudantil, formação inicial, universidades e institutos federais.

Já para transição energética ou clima não há regras similares, mas sim uma “profunda lacuna” entre promessa e realidade, como define o Inesc.

As únicas duas despesas diretamente ambientais alimentadas por renda do petróleo são verbas do Ministério do Meio Ambiente que somaram R$ 168,3 milhões no último ano, ou menos de 0,2% dos R$ 102 bilhões.

Este montante serve à gestão ambiental da cadeia do petróleo e a projetos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

O valor é menos de um quarto dos R$ 2,6 bilhões alocados em despesas explicitamente destinadas a impulsionar os fósseis, como R$ 1,3 bilhão para o Ministério da Defesa fiscalizar áreas de exploração fóssil ou R$ 742 milhões para o Fundo Setorial de Petróleo e Gás Natural, do Ministério de Ciência e Tecnologia.

Na pasta de Minas e Energia, quase metade dos recursos começaram o último ano destinados a atividades que até podem contribuir para energias limpas —recursos livres ou para expansão do sistema energético. A outra metade foi para levantamentos geológicos e prospecção de combustíveis fósseis.

Procurado, o Ministério de Minas e Energia afirmou que a destinação dos recursos obedece a regras que não cabem à pasta, mas que em 2024 houve R$ 1,8 bilhão em recursos privados aportados para projetos de energia sustentável.

“Ainda assim, o Ministério de Minas e Energia tem atuado proativamente para estimular a transição energética e a proteção ambiental por meio de outros mecanismos”, afirmou a pasta.

A Folha questionou também Educação, Saúde e o governo em geral sobre a aplicação dos recursos, mas não teve resposta.

“O que se observa, concretamente, é um presente no qual a redenção social pela renda do petróleo não passa de um imaginário. E, quanto ao futuro, iminente, o que temos é um país que conviverá com uma trajetória inescapável de extremos climáticos e suas consequências dramáticas”, diz o Inesc.

O instituto aponta ainda que a verba destinada para estados e municípios é “opaca em termos de transparência e vazia no sentido estratégico”, pela falta de controle.

Dos quase R$ 60 bilhões repassados pela União, o Rio de Janeiro ficou com 82% de tudo que é distribuído aos estados; os municípios cariocas, com 66% do que foi às cidades.

“Tamanha concentração da renda do petróleo nos estados e municípios onde ocorre a exploração deveria denotar uma ampla discussão sobre o papel dessa renda no impulsionamento de um projeto de desenvolvimento nacional, seja ele qual for”, afirma a nota técnica.

Os estados ainda questionam este regime de partilha, o que, em 2024, levou a R$ 8,7 bilhões bloqueados.

O Inesc lembra ainda que o Fundo Social, criado em 2010, jamais foi regulamentado, e seus órgãos de controle jamais foram instituídos.

Em março deste ano, Lula editou uma medida provisória para isso, ampliando seu rol de aplicações, e o texto está no Congresso.



Fonte ==> Folha SP

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