Escritórios de advocacia de elite dos Estados Unidos vêm preocupando juristas e seus próprios advogados ao aceitar exigências impostas pelo governo Donald Trump que, na opinião de críticos, violam direitos constitucionais básicos e podem contribuir para enfraquecer o Estado de Direito americano.
Até esta segunda-feira (29), nove dos mais ricos e prestigiados escritórios jurídicos dos EUA já assinaram acordos com a Casa Branca prometendo interromper programas de diversidade e inclusão e oferecendo gratuitamente serviços jurídicos que custariam US$ 940 milhões (cerca de R$ 5,3 bilhões) para causas consideradas importantes para o presidente americano.
Esse termo vago pode significar a atuação dos advogados como defensores de Trump e membros de seu governo em processos criminais e até mesmo como negociadores nas disputas tributárias travadas pelo presidente com outros países.
“Os acordos são sigilosos, o que para mim é bastante espantoso”, diz Cássio Casagrande, professor de direito constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF) e estudioso do sistema jurídico americano. “Nem sequer se sabe se o acordo é escrito ou verbal, e não se expôs claramente quais são essas causas que os advogados vão defender. Podem ser aquelas caras ao Partido Republicano: contra o aborto, a favor das armas. Ninguém sabe.”
Os acordos foram assinados depois que Trump publicou decretos impondo uma série de sanções aos escritórios, mencionados nominalmente nas ordens. A Casa Branca barrou essas firmas e empresas representadas por elas de conduzirem negócios com o governo federal e chegou a proibir que advogados e funcionários possam acessar repartições públicas —incluindo tribunais federais, uma medida que, em muitos casos, inviabilizaria seu trabalho.
“É um baque muito grande”, diz Casagrande. “Todos esses escritórios rotineiramente processam o governo ou representam clientes que [conduzem negócios com o Executivo] e precisam de documentos e provas do governo para advogar.”
Até aqui, os escritórios que assinaram acordos com o governo Trump são: Kirkland & Ellis; Latham & Watkins; A&O Shearman; Simpson Thacher & Bartlett; Cadwalader, Wickersham & Taft; Milbank; Paul, Weiss; Skadden, Arps; e Willkie Farr & Gallagher —todas essas firmas estão no ranking das 100 mais lucrativas do mundo compilado pela revista especializada The American Lawyer e empregam milhares de advogados em vários países do mundo, incluindo o Brasil.
“São muito importantes politicamente porque levam causas de alto impacto ao Poder Judiciário —em geral, grandes casos que chegam à Suprema Corte dos EUA são patrocinados por uma dessas firmas”, diz Casagrande. A Paul, Weiss, por exemplo, uma das primeiras a assinar o acordo com Trump, foi fundada em 1875 e participou de casos célebres da história americana, como a ação na qual a Suprema Corte pôs fim à segregação racial em escolas dos EUA, em 1954.
Hoje, entretanto, os escritórios lucram principalmente auxiliando grandes empresas a realizarem aquisições e advogando para fundos de investimento e de capital privado —se tornando, dessa forma, especialmente vulneráveis ao tipo de pressão que o governo Trump agora exerce contra eles, já que essas empresas têm uma série de conexões com órgãos públicos.
Um advogado ligado a um desses escritórios americanos disse à Folha, sob reserva, que o movimento de Trump é motivado principalmente pelos vínculos profundos e, às vezes, promíscuos das firmas com o Partido Democrata, oposição a Trump. Segundo ele, a ofensiva de Trump, se não justificada, seria pelo menos explicada por uma suposta conduta político-partidária de muitos dos escritórios de advocacia de elite dos EUA contra o Partido Republicano.
Para os juristas ouvidos pela reportagem, o principal objetivo do governo Trump é intimidação. “A mensagem é a de que escritórios que se coloquem em oposição ao governo sofrerão consequências”, diz Aziz Huq, professor de direito constitucional da Universidade de Chicago. “Quando um governo usa seus poderes consideráveis contra advogados públicos e privados, o efeito é criar uma situação onde fica muito mais difícil para que as pessoas possam defender seus direitos.”
Casagrande, da UFF, faz uma analogia com o Brasil para dimensionar a gravidade do que ocorre nos EUA. “Imagine o que aconteceria se o presidente Lula resolvesse processar escritórios de advocacia que defendem [o ex-presidente Jair] Bolsonaro. Se ele dissesse que o ex-presidente tentou um golpe de Estado e, por isso, quem o defende vai contra os interesses do Brasil e será proibido de se relacionar com o governo federal, de ter contato com empresas como a Petrobras e a Caixa Econômica, de entrar em repartições públicas. Seria bastante chocante”, diz.
Outros escritórios de elite, porém, até aqui se recusaram a assinar acordos e agora processam a Casa Branca, apontando uma série de violações de direitos básicos. A WilmerHale, alvo de um decreto de Trump, entrou na Justiça contra o governo federal afirmando que há violação da Primeira Emenda da Constituição americana, que garante a liberdade de expressão e proíbe a chamada “discriminação por ponto de vista”.
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Segundo a ação, o Executivo age contra a WilmerHale apenas pelo teor das causas defendidas pelo escritório, que desagradam Trump. Diz ainda que os decretos ferem o direito de petição, também garantido na Primeira Emenda e que permite a todo cidadão apresentar suas discordâncias ao governo, e o direito de livre associação, por inviabilizar o trabalho do escritório e assim, condená-lo a deixar de existir, entre outras violações.
Em março, este escritório e outro, Jenner & Block, conseguiram uma liminar, ou seja, uma decisão provisória da Justiça federal americana suspendendo parcialmente os efeitos dos decretos da Casa Branca contra essas firmas. É provável que o tema chegue à Suprema Corte, onde há maioria conservadora, formada justamente por indicações de Trump em seu primeiro mandato.
Fonte ==> Folha SP