O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), decidiu abrir um inquérito contra o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) após ministros do tribunal se queixarem do que consideraram falta de ações do Itamaraty no caso.
De acordo com relatos feitos à Folha sob condição de anonimato, Moraes e outros ministros criticaram em conversas reservadas com outros integrantes da cúpula do Judiciário o fato de o Ministério das Relações Exteriores não ter se manifestado após o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, ter ameaçado impor sanções contra o magistrado.
Na avaliação de parte dos ministros do Supremo, as ameaças mereciam um posicionamento mais enfático da chancelaria.
Até o momento, a pasta tem mantido silêncio para evitar, segundo auxiliares do ministro Mauro Vieira (Relações Exteriores), prejudicar gestões que estariam sendo feitas para evitar que Moraes seja alvo de medidas punitivas de Washington.
A explicação dada pelo Itamaraty aos ministros do Supremo sugere que a diplomacia não pode se precipitar em declarações públicas se acredita que ações discretas podem ser mais exitosas.
A pasta responsável pelas relações exteriores mantém contato com o STF para informar sobre o andamento do caso. O diálogo ocorre no nível ministerial e técnico, entre diplomatas lotados no tribunal e a chancelaria.
Um integrante do Supremo afirmou, sob reserva, que a abertura do inquérito também seria uma resposta à escalada das ações de Eduardo Bolsonaro contra ministros do Supremo. Ele disse que a inação de Augusto Aras na PGR (Procuradoria-Geral da República) durante o governo Jair Bolsonaro deixou como lição a importância de se investigar atos contra as instituições.
As críticas do STF ao Itamaraty se juntam às de uma ala de ministros do governo Lula (PT) que também pressiona a pasta por uma reação política à altura do que considera um ataque de Trump contra instituições brasileiras.
Na semana passada, Rubio disse, durante audiência no Congresso americano, que Moraes poderia sofrer sanções no país e que o assunto estava “em análise”.
Nesta quarta (28), o Departamento de Estado, equivalente ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil, anunciou que vai restringir o acesso aos Estados Unidos de estrangeiros que o governo avaliar como responsáveis por censurar empresas ou cidadãos americanos, assim como residentes no país.
O anúncio do governo Trump não cita Moraes, mas bolsonaristas avaliam que ele, assim como outros integrantes da Polícia Federal e do Judiciário brasileiro, devem ser atingidos pela restrição de vistos. Ainda não houve confirmação das pessoas afetadas pela medida americana. Tampouco há informações sobre se alguma lista de alvos será publicada.
Em outro sinal de que Moraes está na mira de autoridades americanas, o jornal The New York Times revelou nesta quinta (29) que o Departamento de Justiça dos EUA enviou uma carta neste mês ao ministro do STF em reprimenda às ordens de bloqueios de contas em redes sociais americanas.
Aliados de Vieira dizem sob reserva que a resposta pública do Itamaraty ocorrerá se medidas concretas contra Moraes forem adotadas. Antes de qualquer reação, é preciso usar todos os canais para tentar evitar a eclosão de uma crise, segundo esses auxiliares.
Nos últimos dias, o Itamaraty não tem sido criticado apenas por Moraes.
Há um grupo de assessores de Lula que opina que a ameaça feita por Rubio demandava um posicionamento político do Brasil.
Não responder, afirmam, fortaleceu o discurso bolsonarista de que Moraes perseguiu oposicionistas e praticou censura no país.
Eles afirmam ainda que o assunto extrapola as dinâmicas do relacionamento com os EUA e tem implicações na política interna brasileira, principalmente pelo envolvimento de expoentes bolsonaristas e pelo potencial de ser tema das eleições de 2026.
Esse grupo diz ainda que o governo Lula precisa encontrar uma forma de tratar a ofensiva contra Moraes como uma ameaça à soberania nacional, na tentativa de mobilizar apoio de segmentos que não necessariamente se identificam com o petismo.
Nessa linha, a publicação, na semana passada nas redes sociais, de uma mensagem pela ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), foi lida por aliados do presidente como uma forma de pressionar por uma reação oficial do governo, principalmente do Itamaraty.
“É vergonhosa a conspiração de Bolsonaro com a extrema direita dos EUA, em busca de intervenção estrangeira no Judiciário do Brasil. A recente ameaça do secretário de Estado dos EUA ao ministro Alexandre de Moraes merece repúdio e evidencia o desespero do réu com o avanço do julgamento dos golpistas”, disse.
Da mesma forma, a inclusão na decisão de Moraes que abriu o inquérito contra Eduardo de uma determinação para que o Ministério das Relações Exteriores indique diplomatas brasileiros que possam prestar esclarecimentos sobre o caso foi interpretada como um recado de insatisfação com a chancelaria.
O pedido de abertura de investigação contra Eduardo partiu oficialmente do procurador-geral da República, Paulo Gonet. Ele enviou um ofício na segunda-feira (26) ao STF informando que pretendia apurar o possível cometimento dos crimes de coação, obstrução de investigação e abolição violenta do Estado democrático de Direito.
Segundo o PGR, os crimes podem ter ocorrido quando Eduardo Bolsonaro passou a atuar no Estados Unidos, junto a autoridades estrangeiras, contra “integrantes do Supremo Tribunal Federal, da Procuradoria-Geral da República e da Polícia Federal”.
“A seriedade das ameaças levadas a efeito pelo sr. Eduardo Bolsonaro se mostrou tanto mais deletéria quando se percebeu, em pronunciamento do titular da Secretaria de Estado dos Estados Unidos que, efetivamente, as medidas de sanção por que o sr. Eduardo Bolsonaro tanto se bate, estão sendo analisadas”, disse Gonet na representação.
O procurador-geral afirmou ainda que a ofensiva de Eduardo, por suas declarações públicas, aumentou à medida que o Supremo avança com o processo sobre a trama golpista —o pai, militares e aliados são réus na ação penal.
“As evidências conduzem à ilação de que a busca por sanções internacionais a membros do Poder Judiciário visa a interferir sobre o andamento regular dos procedimentos de ordem criminal, inclusive ação penal, em curso contra o sr. Jair Bolsonaro e aliados.”
Fonte ==> Folha SP