Tarifaço escancara racha na direita brasileira e levanta dúvidas sobre bolsonarismo

Tarifaço escancara racha na direita brasileira e levanta dúvidas sobre bolsonarismo

Especialistas entrevistados pela Sputnik Brasil acreditam que ações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, encorparam discurso do governo Lula sobre soberania, mas não levam PT até elite empresarial, que busca por novo rosto para 2026.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, publicou nas redes sociais na última semana uma carta na qual anunciou taxação de 50% às importações brasileiras. Entre as justificativas, o mandatário norte-americano alegou suposta perseguição política a Jair Bolsonaro, acusado de tramar um golpe de Estado.

Em um primeiro momento, nomes importantes da direita do Brasil, como os governadores de Minas Gerais e São Paulo, Romeu Zema (Novo) e Tarcísio de Freitas (Republicanos), respectivamente, responsabilizaram o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pelas ações do líder republicano.

Entretanto, poucas horas após o anúncio das tarifas dos EUA, a opinião pública passou a questionar a ação de Trump e a defender a soberania brasileira. Coincidência ou não, tanto Zema quanto Tarcísio baixaram o tom e passaram a falar que era preciso negociar e tentar, de alguma maneira, contornar o tarifaço.

Quem não recuou e continua a apoiar a taxação de Trump é o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que há meses está justamente nos Estados Unidos. O filho de Jair, inclusive, pediu que os seguidores agradecessem ao chefe de Estado norte-americano pelas tarifas, que começam a valer em 1º de agosto.

Porém, para analistas entrevistados pela Sputnik Brasil, Eduardo e a família Bolsonaro, em geral, não deveriam dizer obrigado a Trump, já que as ações do presidente dos EUA causaram um racha na direita brasileira e levantaram dúvidas sobre os interesses do bolsonarismo.

O mestre em ciência política e autor de “Guerra híbrida e neogolpismo: geopolítica e luta de classes no Brasil (2013–2018)”, Mateus Mendes, não acredita que Eduardo tenha feito um lobby relevante a ponto de os EUA taxarem o Brasil em 50%. Entretanto, para ele, a ação tem efeito contrário ao esperado pela família Bolsonaro quando tenta se vangloriar.

“[Classe média e empresários] vão ficar revoltados com [Jair] Bolsonaro porque está claro que ele, embora tenha contribuição pequena, o fato é que [ele] queria que fosse [maior]. Se dependesse dele, a relevância [na taxação] era enorme. Isso basta para que alguns setores comecem a ver que ele é tóxico [para o sistema].”

O coordenador do Laboratório de Geopolítica, Relações Internacionais e Movimentos Antissistêmicos (LabGRIMA) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e professor da instituição, Charles Pennaforte, acredita que os bolsonaristas fanáticos não se importam com a posição de Eduardo ou do restante da família, independentemente do que esteja em jogo. Por outro lado, quem pratica o “bolsonarismo laico” não vai concordar com esse posicionamento a favor dos EUA.

“Certamente, não muda nada [no bolsonarismo religioso]. A visão que eles têm é de que Bolsonaro e o seu clã estão fazendo o correto e vivendo, de certo modo, um momento de perseguição”, explica o professor, que alerta sobre a corrida presidencial de 2026: “O bolsonarismo radical não ganha eleição sozinho.”

A professora de relações internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Ana Garcia observa dois grandes efeitos no tarifaço de Trump: o realinhamento da sociedade brasileira com Lula e o escancaramento da divisão da direita, que não deve contar com Jair em 2026, já que o ex-presidente está inelegível.

“A direita não está alinhada ainda, dada a impossibilidade de Bolsonaro se candidatar. A direita não está totalmente alinhada ao Tarcísio. A disputa está grande. Agora, essa questão das tarifas trouxe à tona as divergências entre eles.”

O também professor da UFRRJ Luiz Felipe Osório concorda com a fala de Garcia e destaca que os principais afetados pelas ações econômicas dos Estados Unidos são, justamente, a burguesia, que de alguma forma tem relação com o comércio exterior.

“A direita brasileira, com esse episódio, mostrou-se como ela é: fragmentada em setores, em frações, que, muitas vezes, se opõem, sobretudo, na relação que têm com o capital internacional. O bolsonarismo, expressão de setores menores da burguesia e com relação direta no comércio internacional, é afetado negativamente com a situação.”

Lula deve capitalizar com a situação

O governo federal teve um começo de ano difícil, capitaneado pelo escândalo dos descontos indevidos do INSS e agravado, mais recentemente, pela briga com o Congresso devido ao aumento da alíquota do Imposto sobre Operações Finaneiras (IOF). Porém, o assunto da taxação norte-americana reduziu a atenção nessas pautas que colocavam em xeque a popularidade de Lula.

Para Pennaforte, o melhor cabo eleitoral do petista, neste momento, é Trump, que levantou uma pauta perfeita para o presidente do Brasil defender, alcançando algo perto da unanimidade em diferentes setores.

“O PT ganhou um grande cabo eleitoral: o Trump. O bolsonarismo está ajudando com essas propostas [de taxação]. Se o PT, o governo Lula, tiver a capacidade de usar bem todo esse cenário, que se propõe agora como ruim — e parece que já vai começar a fazer isso com uma série de propagandas sobre o Brasil ser soberano —, sem dúvida nenhuma, politicamente, a vida vai ficar mais fácil para a esquerda.”

Para Ana Garcia, a carta publicada por Trump nas redes “não teve pé nem cabeça”, classificada pela professora como “uma aberração” que causa “estranheza e revolta generalizada”.

“Afetou positivamente o governo, vamos dizer assim, a criar um alinhamento mais geral em torno da questão da soberania e da não ingerência.”

Já Osório, por sua vez, acredita que a adesão ao governo do PT por parte das classes mais ricas vai depender de como o Planalto conseguirá capitalizar esse caso. Para o especialista, há a possibilidade de um nacionalismo burguês se fortalecer diante desse cenário, mas ainda assim existem ressalvas.

“Há de se pontuar, entretanto, que a burguesia é uma classe social, e não econômica, ou seja, ela não necessariamente age conforme o interesse racional objetivo. Não é porque vai perder financeiramente que adota tal ou qual agenda ou posição política. Além de a burguesia ser um segmento muito fracionado em interesses e relações econômicas.”

Mendes entende que os empresários estejam irritados com o fato de a família Bolsonaro apoiar a taxação. Mas, por outro lado, o cientista político destaca que esse setor não tem afinidade alguma com as pautas do PT e buscará um novo candidato de direita. Para Mateus Mendes, o governo federal deve estar alerta, a fim de não deixar esse tema interromper o cronograma do Planalto.

“Quando o presidente dos EUA anuncia uma medida dessa, mesmo que o governo considere a possibilidade maior de que nada aconteça, a simples possibilidade de que algo ocorra exige que o governo pense em respostas. Isso imobiliza. Assim, Trump sequestra a agenda dos governos.”



Fonte ==> Ba.gov

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