A guerra comercial imposta pelos Estados Unidos de Donald Trump, as guerras militares dos últimos anos e o fortalecimento da direita nas eleições europeias pressionam a ambição dos países para a COP30, a conferência de clima da ONU (Organização das Nações Unidas), avalia o presidente da reunião, André Corrêa do Lago.
“As negociações evoluem muito de acordo com as circunstâncias internacionais, e não preciso dizer que vivemos circunstâncias internacionais particularmente complexas”, afirma à Folha.
Todas as últimas conferências ambientais da ONU travaram no mesmo ponto: a resistência dos países ricos em atender a demanda dos em desenvolvimento por mais dinheiro para financiar soluções climáticas.
Na última edição da reunião climática, no Azerbaijão, a negociação deste item foi formalmente encerrada com a aprovação de uma nova meta, chamada de NCQG, mas que foi considerada frustrante (US$ 300 bilhões, ou R$ 1,6 tri).
Tão frustrante que alguns países tentaram trazer a negociação de volta à mesa na conferência pré-COP de Bonn, na Alemanha, em junho, e só a possibilidade de incluí-lo novamente já travou as tratativas.
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A COP30 ocorre em Belém em novembro. Brasil e Azerbaijão terão que apresentar o chamado “roadmap”, um roteiro de como o mundo conseguirá melhorar essa meta e chegar a US$ 1,3 trilhão (R$ 7,2 tri) em financiamento climático.
Mas isso sem contar com o engajamento da maior economia do mundo, os EUA, que nem sequer enviaram uma delegação para Bonn. Trump já anunciou que o país deixará de ser signatário do Acordo de Paris (tratado de metas de combate ao aquecimento global) em 2026.
Alguns negociadores avaliam que a ausência do país abre espaço para que nações menores ocupem esse espaço.
“Ganha espaço, mas com a ausência de um ator muito importante. É uma vitória discutível”, discorda Lago.
À Folha, ele faz um balanço das negociações pré-COP de Bonn, projeta a conferência de Belém e critica Trump por ter usado o etanol e o desmatamento ilegal como motivos para justificar a investigação comercial contra o Brasil.
“O presidente Trump precisa receber informações mais corretas sobre o Brasil.”
Por que, em Bonn, o Brasil foi contra rediscutir a destinação de recursos dos países ricos para os pobres, como pediram algumas nações?
Não é que o Brasil não considerou prioridade. O Brasil tinha pedido a todos os delegados para não abrir novos itens de agenda de negociação, porque às vezes você consegue paralisar as negociações colocando novos itens. Um grupo colocou o item de financiamento climático e, de fato, paralisou a negociação durante dois dias.
É uma forma efetiva de chamar a atenção para um tema, tanto que você está me perguntando sobre ele. Mas torna a negociação mais difícil e mais lenta. Sobretudo quando é um item particularmente polêmico e que você sabe que não vai avançar, só paralisar.
Isso pode se repetir em Belém?
O item poderá, eventualmente, ser levantado também no início da COP de Belém. Por isso o Brasil pediu para que ninguém fizesse isso [em Bonn], para avançar na agenda já acordada.
No entanto, você tem que entender por que os países fizeram isso: foi a maneira institucional de manifestarem a sua frustração com o resultado financeiro da COP29. Em Baku, foi aprovada aquela sigla estranha, a NCQG, a nova meta financeira, que deixou muitos frustrados.
Mas há receio de que o financiamento trave as negociações em Belém?
Existe sempre essa possibilidade.
A China é um dos países que ainda não apresentaram sua nova NDC [meta nacional de descarbonização de cada país]. É uma falta de comprometimento?
Havia uma expectativa de que todos os países apresentassem sua NDC até fevereiro. Tendo em vista que menos de 20 apresentaram antes de fevereiro, o normal se tornou não ter apresentado. Então a China está junto, inclusive, com a União Europeia, que até agora também não apresentou e que deve apresentar em setembro, como a China.
O senhor acredita nisso?
A China nos disse que está avançada nessa preparação. Acredito que vão publicar sua NDC em setembro. É o que temos ouvido.
O que mudou nas negociações na ausência da delegação dos Estados Unidos em Bonn?
Houve várias interpretações, alguns países até acharam que sem os Estados Unidos alguns assuntos avançaram de maneira mais positiva. Mas acho que é uma interpretação que, infelizmente, não reflete a realidade, porque a realidade é que a ausência de um ator tão importante como os Estados Unidos não pode ser boa para a negociação do clima.
Afinal, eles são os maiores emissores históricos, estão em segundo lugar no ano de 2025 e, portanto, é muito importante ter um ator tão relevante na discussão. A gente tem que lembrar que o Acordo de Paris foi desenhado para os EUA, porque eles não tinham entrado no Protocolo de Kyoto [o acordo anterior]. Então, é duplamente frustrante.
A participação de estados dos EUA não supriu essa ausência?
Os estados não negociam os acordos. Eles vão ter uma participação importante, são 37 estados americanos que pretendem seguir o que é decidido no Acordo de Paris, e esse grupo representa em torno de 70% do PIB americano. É uma economia maior do que a China. Mas sem o poder de negociar e aprovar documentos.
E como a China reagiu a este cenário?
Não creio que tenha acontecido voluntariamente, mas a ausência dos EUA teve consequências na negociação. Os países desenvolvidos perderam o apoio de uma parcela importante do seu grupo, porque sua força vem principalmente da Europa e dos EUA. Essa ausência tornou a forma de negociar da Europa um pouco diferente, ela teve que se adaptar.
Os países em desenvolvimento ganham força sem os EUA?
Alguns interpretam que sim, mas aí volto ao argumento: você ganha espaço, mas com a ausência de um ator muito importante. É uma vitória discutível.
Como negociador de clima há muitos anos e como uma pessoa que acredita que essa negociação tem que levar a um efetivo combate da mudança do clima, eu obviamente preferiria que os Estados Unidos estivessem lá negociando.
Houve tentativa de recuo no acordo do “transitioning away” —a terminologia, em inglês, das COPs para dizer que o mundo deve reduzir o uso dos combustíveis fósseis?
É importante lembrar o seguinte: o “transitioning away”, ou seja, a famosa frase para nos afastarmos dos fósseis, já foi aprovada por consenso em Dubai [na COP28, em2023]. O que acontece é que tem países que gostariam de que o assunto voltasse com maiores detalhes.
Detalhar é uma forma de enfraquecer?
Alguns países querem enfraquecer a decisão, e alguns países querem acentuar. Diante disso, não houve evolução. A decisão já foi tomada.
Houve enormes discussões entre países em Bonn. É preocupante para Belém?
Tenho uma tendência a ser otimista, então vejo o copo metade cheio. Ou seja, houve um engajamento das delegações, apesar das divergências, algumas bastante vocais, como você diz. Aconteceram vários avanços nos textos que precisamos aprovar em Belém.
O fato de Bonn ter ido bem não significa que Belém irá necessariamente bem. As negociações evoluem muito de acordo com as circunstâncias internacionais, e não preciso dizer que vivemos circunstâncias internacionais particularmente complexas.
É melhor uma COP sem os Estados Unidos ou com uma delegação que atrapalhe as negociações?
Não vejo muito o motivo de uma delegação americana ser ativa em Belém se um mês e meio depois eles vão, formalmente, estar fora do Acordo de Paris. Não faz sentido mandar uma delegação para ser ativa num acordo do qual você já anunciou sua saída.
Os Estados Unidos devem mandar uma delegação, que vai acompanhar as negociações da Convenção do Clima [outro grupo], da qual eles ainda são parte.
Brasil e Azerbaijão precisam negociar, em Belém, o “roadmap”…
Negociar, não. Apresentar.
Apresentar o roteiro para o mundo mobilizar R$ 7,2 trilhões em financiamento climático. A guerra comercial pode reduzir a ambição deste documento?
É uma análise realista, inclusive porque os países desenvolvidos estão perdendo uma das maiores economias, que seria um dos países de onde poderiam vir mais recursos públicos. Isso torna mais complexa a discussão de financiamento, sem dúvida.
Mas lembro que, em princípio, do ponto de vista formal, a discussão de financiamento acabou em Baku. O “roadmap” é um mapa do caminho assinado, pelo [Mukhtar] Babayev, presidente da COP29, e por mim, presidente da COP30. Não vai ser negociado e não precisa ser apoiado ou aprovado.
Mas precisa ser aplicável, efetivo…
Ele precisa ser influente. Pode ser bem apreciado ou mal recebido, pode acontecer de tudo.
O sr. já sente algum efeito da guerra tarifária nas negociações climáticas?
Da guerra tarifária menos do que, por exemplo, o aumento dos gastos militares, apesar de serem coisas de certa forma embrenhadas, e outras pressões sobre países desenvolvidos.
Quais pressões?
Eleições. Há uma tendência, não é uma regra absoluta, de que a direita goste menos da agenda do clima. A pressão eleitoral nos países democráticos da Europa está tendo, sim, uma influência sobre a ambição dos países desenvolvidos.
Então existe um trio de fatores que pressionam a ambição dos países na COP: tarifas do Trump, guerras e eleições?
Sim, provavelmente.
E o tarifaço?
O tarifaço provoca uma preocupação sobre o custo de produção dos produtos. E muitas pessoas atribuem um elevado custo da energia [que afeta o custo de produção] à elevada proporção de energias renováveis, de maneira absolutamente superficial.
Por exemplo, quando caiu a energia em Portugal e na Espanha. Há uma associação, uma série de meias-verdades para tentar moderar o discurso climático.
Eu brinco que a gente passou do negacionismo científico para um negacionismo econômico, ou seja, [a suposição de] que não vale o investimento para combater a mudança do clima.
Trump abriu uma investigação sobre o Brasil e justificou falando em taxas do etanol e o desmatamento ilegal. Qual a posição do sr. sobre isso?
Responderia próximo ao que o presidente [Lula] disse, que o presidente Trump precisa receber informações mais corretas sobre o Brasil.
Há chance da cúpula de chefes de Estado da COP sair de Belém?
A conferência de chefes de Estado está planejada para Belém, e o presidente da República quer que seja em Belém.
Raio-X | André Corrêa do Lago, 65
Rio de Janeiro, 1959. Entrou no Itamaraty em 1982. Foi diretor de energia, de clima, negociador-chefe da Rio+ 20, secretário de clima, energia e meio ambiente, e chefe das delegações brasileiras nas últimas duas COPs. Também foi embaixador no Japão, na Índia e no Butão. Economista de formação, faz parte do júri do prêmio Pritzker de arquitetura.
Fonte ==> Folha SP