Tratamento de câncer no SUS é desigual, diz estudo – 23/04/2025 – Equilíbrio e Saúde

A imagem mostra um corredor de um hospital com um sinal de advertência sobre radiação na parede. Um profissional de saúde, vestido com um jaleco branco e máscara, está ajudando um paciente, que usa uma camiseta preta e calças curtas, a caminhar. O ambiente é bem iluminado e possui armários brancos ao fundo.

A ausência de protocolos unificados e atualizados para o câncer em hospitais do SUS gera enormes disparidades regionais, com cada hospital adotando suas próprias condutas. Alguns não oferecem nem o que está preconizado pelo Ministério da Saúde.

Há também diretrizes oncológicas desatualizadas e que não levam em conta medicamentos já aprovados pela Conitec, a comissão de incorporação de novas tecnologias ligada ao ministério.

As conclusões aparecem em um estudo feito pelo Instituto Oncoguia, apresentado na manhã desta quarta-feira (23) durante um fórum nacional de oncologia que acontece em São Paulo.

Procurado para comentar o estudo, o Ministério da Saúde não respondeu até a publicação deste texto.

O trabalho revisitou um outro estudo, realizado em 2017, chamado “Meu SUS é diferente do seu SUS”, no qual os pesquisadores identificaram grandes diferenças no tratamento ofertado por hospitais oncológicos do sistema público, cenário que mantém.

“Oito anos depois, seguimos convivendo com uma desigualdade brutal no acesso ao tratamento oncológico no Brasil. A ciência avançou. A Conitec incorporou novas tecnologias, terapias e exames fundamentais. Mas o cuidado que o paciente realmente recebe no SUS continua, muitas vezes, atrasado, incompleto ou até mesmo inexistente”, diz Luciana Holtz, fundadora e presidente do Instituto Oncoguia.

Nesta segunda edição do estudo, dos 268 hospitais (existem 318 habilitados em oncologia no país) questionados, 95 responderam a questões como protocolos que utilizam no cuidado oncológico e a lista dos medicamentos usados em cinco tipos de câncer mais incidentes no Brasil: mama, próstata, pulmão, colorretal e melanoma.

Os hospitais brasileiros responderam a partir de três opções: as diretrizes diagnósticas e terapêuticas do Ministério da Saúde, a lista de remédios essenciais da OMS (Organização Mundial da Saúde) e a lista de medicamentos da Esmo (Sociedade Europeia de Oncologia Médica), uma das mais respeitadas do mundo. Nenhum deles dispõe de terapias que atendam 100% o recomendado pela Esmo.

Existe um consenso de que o atual modelo de cuidado oncológico já não atende mais às necessidades do SUS, e a política nacional de prevenção e controle do câncer (PNPCC), regulamentada em fevereiro deste ano, instituiu a necessidade de criação de protocolos que definirão o mínimo a ser ofertado em cada hospital. Mas, de acordo com o estudo, esses protocolos ainda não estão disponíveis.

Para Holtz, enquanto o país não tiver protocolos nacionais, atualizados, obrigatórios e vinculados ao financiamento —ou seja, com diretrizes que orientem e sustentem de fato o cuidado em todos os hospitais oncológicos—, as pessoas continuarão lidando com uma loteria.

“O paciente tem acesso a tratamentos distintos dependendo do CEP, da instituição e até da sorte. Isso não é equidade. Isso é abandono institucionalizado”, diz.

O estudo mostra que muitos hospitais do SUS seguem diretrizes que estão em conformidade com os padrões básicos da OMS —embora haja instituições que ainda não ofertam o preconizado—, mas há dificuldade de oferecer tratamentos oncológicos mais modernos, como imunoterapia e terapias-alvo.

No câncer de mama, por exemplo, o medicamento pertuzumabe, indicado para tumores metastáticos, é recomendado por diretriz do ministério e tem compra centralizada, mas a disponibilidade está em 66% na região Norte contra 93% no Sudeste.

No câncer de próstata, todos os hospitais oferecem a hormonioterapia, porém, há drogas antigas, com eficácia inferior em comparação com as opções mais modernas e avançadas que já constam na lista do ministério, mas que só 52% dos hospitais pesquisados relatam oferecê-las —no Nordeste, a taxa cai para 28%.

“A disponibilidade ainda é extremamente baixa. Esses tratamentos mudam por completo a história de pacientes que enfrentam o câncer de próstata metastático e trazem um benefício brutal. Hoje é o padrão de tratamento para os mais diferentes cenários da doença avançada”, diz o urologista Fernando Korkes.

Por outro lado, ele chama a atenção para o fato de que os hospitais do SUS ainda relatam o uso da ciproterona (que bloqueia o efeito dos andrógenos), mesmo o medicamento estando contraindicado. As sociedades brasileiras e europeia de urolologia e de oncologia não recomendam a medicação por estar associada a menor taxa de sobrevida.

No câncer de pulmão, foi observado que os hospitais seguem as orientações básicas de tratamento de maneira eficaz, mas os inibidores EGFR (receptor do fator de crescimento epidérmico), proteína que regula o crescimento celular, só estão disponíveis em 51%, o que contraria diretrizes do ministério publicadas em 2014.

No câncer colorretal, os hospitais também aderem adequadamente aos tratamentos básicos, porém há baixa disponibilidade de anticorpos anti-VEGF e anti-EGFR, recomendados pela Esmo e outras entidades médicas. No Nordeste, a taxa de oferta é de 14% para ambos, enquanto no Sudeste, de 53% e 47%, respectivamente.

No caso do melanoma (câncer de pele), o uso de imunoterapia ainda está indisponível na maior parte dos serviços, apesar de ser recomendado por diretriz do ministério.

Para Rafael Kaliks, oncologista do comitê científico do Oncoguia, esse é o caso mais grave entre os pesquisados. “Trata-se de um tratamento que faz parte da lista da OMS e que foi formalmente incluído no SUS em 2020. Porém, o que oferecemos na prática é um tratamento nefasto, a dacarbazina”, diz ele.

Na opinião de Holtz, além de revisar e publicar protocolos oncológicos atualizados, vinculando-os a um modelo de financiamento justo e factível, o ministério precisa criar mecanismos para monitorar e avaliar a adesão dos hospitais a essas diretrizes.

Ela também defende a reorganização do cuidado oncológico com base na regionalização, para que nenhum paciente precise viajar centenas de quilômetros em busca de atendimento adequado, e a publicação de indicadores de qualidade e transparência sobre o que está sendo ofertado no SUS —onde, como e com qual resultado.

“Governos estaduais e municipais, por sua vez, precisam assumir responsabilidade pela regulação e pela implementação efetiva desses protocolos. Isso inclui garantir exames, iniciar tratamento no tempo certo e fortalecer suas redes de atenção”, afirma.



Fonte ==> Folha SP

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