Tren de Aragua se expande pelo Brasil em parceria com PCC – 15/06/2025 – Cotidiano

A imagem mostra uma visão através de um buraco em uma superfície metálica. No fundo, é possível ver um corredor iluminado, com paredes claras e um piso reflexivo. Há um objeto vermelho pendurado em uma das paredes, e a luz entra pela extremidade do corredor, criando um contraste com a escuridão ao redor do buraco.

Os policiais civis encontraram o venezuelano Andrés Marcelo Mendez Perez, 34, enquanto ele trabalhava em um frigorífico em Chapecó, no oeste de Santa Catarina. Ele era procurado havia um ano e meio por suspeita de participação em um crime que ocorreu a mais de 3.400 km de distância.

Ao revistá-lo, acharam porções de drogas, segundo a versão dos agentes. Ele também teria admitido à polícia que tinha mais na sua casa, onde havia cocaína, maconha e uma balança de precisão.

Perez era procurado pelo assassinato de um adolescente venezuelano de 16 anos em Boa Vista, Roraima. O corpo, com uma perfuração no pescoço e as mãos amarradas por um cadarço, apareceu às margens do rio Branco e embaixo da ponte dos Macuxis no dia 11 de maio de 2020. Foi avistado por um morador de 40 anos que caminhava próximo à ponte.

A vítima morava num dos acampamentos da Operação Acolhida, montada pelo Exército brasileiro para abrigar refugiados venezuelanos.

Perez negou qualquer relação com o homicídio, segundo sua defesa. Em depoimento, afirmou que é usuário de drogas desde a adolescência, mas que nunca vendeu entorpecentes. Admitiu a posse de pequena quantidade de drogas, mas afirmou que a balança de precisão não era ele, sim de um colega que morava na mesma casa.

A investigação afirma, porém, que há conexões entre o homicídio do adolescente e dezenas de outros crimes com a facção criminosa Tren de Aragua, fundada na Venezuela, que se fortaleceu em Roraima nos últimos anos.

“É o exemplo de integrante da facção Tren de Aragua que o governo federal investiu recursos públicos para mandar para outro estado sem checagem de antecedentes”, diz o delegado Wesley Costa de Oliveira, titular da Delegacia de Repressão a Ações Criminosas Organizadas (Draco) da Polícia Civil de Roraima. Ele se refere às viagens de dezenas de milhares de migrantes atendidos pela Acolhida, no processo de interiorização dos refugiados.

O grupo criminoso, segundo investigações da polícia, hoje controla a venda de drogas e a prostituição em bairros de Boa Vista, atua na fronteira com a Venezuela para viabilizar diferentes modalidades de tráfico ilegal e mantém relações comerciais com as duas maiores organizações criminosas brasileiras, o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho).

Hoje, o Tren de Aragua é considerado o maior grupo criminoso da Venezuela e há registro de sua presença na Colômbia, Bolívia, Equador, Peru e Estados Unidos, entre outros países.

Pesquisas acadêmicas e órgãos oficiais atribuem sua origem ao ano de 2005, em um sindicato de trabalhadores ferroviários que participavam da construção de uma linha férrea entre os estados venezuelanos de Aragua e Carabobo.

Em 2013, o presídio de Tocorón (a cerca de 100 km de Caracas) virou uma espécie de quartel-general do grupo, que tem como principal líder Héctor Rustherford Guerrero Flores, o “Niño guerrero”. Após fugir da prisão, Niño está foragido até hoje.

A expansão do grupo para os países vizinhos ocorreu a partir da crise humanitária na Venezuela, com o fluxo de migrantes fugindo da inflação e do desabastecimento se agravando há cerca de sete anos.

Após o grupo se consolidar em Roraima, agora há suspeitas de que representantes do grupo tenham se estabelecido em estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. A prisão no oeste catarinense, para a polícia, seria indício desse espalhamento.

Oliveira afirma que não há qualquer procedimento de checagem dos antecedentes criminais dos refugiados, e que isso facilitou a expansão do grupo, mesmo que os criminosos sejam minoria entre os imigrantes.

“Eles podem entrar [no Brasil] e ‘nascer’ novamente. Entram no território brasileiro com nomes verdadeiros com nomes falsos, e aqui é como se não tivessem absolutamente nenhum registro [criminal] formal”,diz o delegado.

A grande maioria das vítimas do Tren de Aragua no Brasil são os próprios venezuelanos, segundo processos judiciais que tratam de crimes atribuídos ao grupo. São eles que compram e vendem droga nos territórios dominados pela facção, e que acabam assassinados por dívidas e disputas por território.

De março a agosto de 2021 houve mais de dez assassinatos atribuídos pela polícia à facção venezuelana. Em quatro, as vítimas foram esquartejadas, com os restos mortais das vítimas deixados em vias públicas, envoltos em sacos plásticos e colchões.

Em novembro do ano passado, a polícia encontrou um cemitério clandestino com ao menos nove corpos enterrados numa área de mata em Boa Vista. Cinco eram mulheres, e todos foram identificados como venezuelanos, segundo a Draco, que atribui os crimes ao grupo.

Segundo Oliveira, s criminosos estabelecem metas de pagamento para as mulheres exploradas sexualmente. Aquelas que não alcançavam o pagamento estipulado eram mortas para dar exemplo à demais, assim como aqueles que prestam depoimentos à polícia contra a facção.

Já as relações comerciais com PCC e CV é decorrente do controle estratégico da fronteira. Em depoimento durante um julgamento em Roraima, o delegado Leonardo Cruz Barroncas disse que armas e drogas são trazidas pela fronteira em Pacaraima por “trouxeiros” —homens e mulheres que atravessam mata com sacolas de pano que levam as mercadorias ilegais.

O mesmo delegado conta que já houve flagrante de venezuelanos transportando drogas e armas com destino a Manaus, e que “eles abastecem o Comando Vermelho lá”. Segundo Oliveira, já se sabe que parte das armas e drogas traficadas pelo grupo chegaram ao Rio de Janeiro, e o fluxo do dinheiro pago por esses itens também já foi identificado.

Outra parte chega aos garimpos na floresta amazônica. A prisão de Antonio José Cabrera, 40, em uma fazenda em Mucajaí (RR), é uma indicação nessa direção. Ele e o irmão, Daniel Cabrera, são apontados como membros de alta cúpula do Tren de Aragua no Brasil. Ambos estão presos na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, a maior do estado, na área rural de Boa Vista.

Mucajaí, segundo estudo conduzido pelo pesquisador Rodrigo Chagas, da UFRR (Universidade Federal de Roraima), tem garimpos controlados pelo CV. Cabrera foi preso sob acusação de ser mandante do assassinato de um venezuelano em Boa Vista, e seu nome já havia aparecido em investigações sobre tráfico ilegal e outros homicídios.

A versão da polícia, com base num dos depoimento do autor do crime, é que a morte foi encomendada após a vítima, Gregori José del Nazareth Puerta Alvarez, 27, deixar de trabalhar para o Tren de Aragua e passar a vender drogas em nome do PCC. A defesa de Cabrera nega essa versão, e diz que a polícia de Roraima o persegue desde 2022.

“Essa facção passou a se ligar ao CV e ao PCC, sem escolher um lado”, diz Oliveira.

No início deste ano, o governo dos Estado Unidos passou a designar o Tren de Aragua como organização terrorista. A medida serviu como justificativa para a deportação, para os Estados Unidos, de mais de 200 venezuelanos que estavam presos em El Salvador.



Fonte ==> Folha SP

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