Trump quer dados dos americanos num só lugar; veja riscos – 13/04/2025 – Tec

Trump quer dados dos americanos num só lugar; veja riscos - 13/04/2025 - Tec

A dívida estudantil, o status de deficiência, o empregador e o salário —e isso é apenas o começo.

Esses detalhes íntimos sobre a vida pessoal de quem vive nos Estados Unidos estão armazenados em sistemas de dados desconectados em todo o governo federal —alguns no Tesouro, outros na Administração da Seguridade Social ou no Departamento de Educação, entre outras agências.

O governo Trump agora está tentando conectar essas informações. No mês passado, o presidente Donald Trump assinou um decreto pedindo a “consolidação” desses registros segregados, levantando a perspectiva de criar um tipo de acervo de dados sobre os americanos que o governo nunca teve antes, e que membros do próprio partido do presidente historicamente se opuseram.

O esforço está sendo liderado por Elon Musk, o homem mais rico do mundo, e seus tenentes do Doge (Departamento de Eficiência Governamental), que buscaram acesso a dezenas de bancos de dados enquanto percorriam agências do governo federal. Ao longo do caminho, eles passaram por cima das objeções de funcionários de carreira, protocolos de segurança de dados, especialistas em segurança nacional e proteções legais de privacidade.

Até agora, o sucesso do grupo de Musk variou por setor e às vezes por dia, à medida que diferentes decisões foram tomadas por juízes federais que analisaram mais de uma dúzia de processos contestando as medidas. O grupo foi temporariamente bloqueado de acessar dados sensíveis em várias agências, incluindo a Administração da Seguridade Social.

Mas na segunda-feira (7), um tribunal de apelações reverteu uma decisão preliminar que impedia o acesso do grupo ao Tesouro, ao Departamento de Educação e ao Escritório de Gestão de Pessoal.

Na semana passada, o IRS (Serviço de Receita Interna) concordou em ajudar o Departamento de Segurança Interna a obter dados confidenciais para identificar imigrantes para deportação, apesar das objeções de funcionários de carreira. Na esteira dessa decisão, o comissário interino do IRS e outros funcionários de alto escalão estão se preparando para renunciar.

As categorias de informações são extraídas de 23 sistemas de dados que contêm informações pessoais sobre a população através de oito agências que os assessores de Musk querem acessar, de acordo com pessoas familiarizadas, bem como documentos internos e depoimentos judiciais. No total, o The New York Times identificou mais de 300 campos de dados separados sobre pessoas que vivem nos EUA nesses sistemas.

A lista é uma subcontagem. Por meio de seus decretos, Trump concedeu ao time de Musk acesso a “todos os registros de agências não classificados” —uma categoria que exclui segredos de segurança nacional, mas que inclui informações sensíveis sobre praticamente todos no país.

Com esses dados reunidos, Musk e a Casa Branca disseram que poderiam caçar melhor o desperdício, a fraude e o abuso.

“O governo é fraudado porque os sistemas de computador não se comunicam entre si”, disse Musk em uma recente entrevista à Fox News. Vincule os dados, ele sugeriu, e o governo poderia identificar fraudadores que recebem benefícios federais quando o IRS sabe que sua renda é muito alta ou quando a Administração da Seguridade Social sabe que sua idade é muito baixa.

Mas os críticos —como grupos de privacidade, sindicatos de funcionários públicos e associações de direitos dos imigrantes, que pediram judicialmente o bloqueio do acesso aos dados— alertam que tantas informações acumuladas poderiam ser usadas para muito mais do que detectar fraudes e seriam ilegais.

Esses dados agrupados, argumentam, dariam ao governo muito poder, criariam uma vulnerabilidade de segurança nacional que poderia ser alvo de Estados-nação hostis e quebrariam um pacto de longa data entre o governo e a população, de que os americanos que compartilham dados com agências oficiais podem confiar que os dados serão protegidos e usados apenas para fins restritos.

Defensores da privacidade dizem que todos esses dados permitiriam que o governo policiasse imigrantes e punisse seus oponentes políticos ao usar informações sobre a vida pessoal de um indivíduo (falências, históricos criminais, reivindicações médicas) ou interrompendo os benefícios que recebem (vales de habitação, cheques de aposentadoria, assistência alimentar).



Eles não demonstraram um único caso em que a detecção de fraudes exigiu algum acesso governamental universal aos dados de todos. Na verdade, a criação de um banco de dados uniforme monstruoso com todas as informações sobre todos os cidadãos será um convite à fraude e retaliação política contra o povo

É assim que os dados pessoais são rastreados e usados em Estados autoritários, acrescentou Raskin. Tanto a Rússia quanto a China acumulam dados sobre seus cidadãos para rastrear opositores e suprimir a dissidência do partido governante.

A Casa Branca se recusou a falar diretamente como protegeria e usaria os dados que está tentando reunir, nem se o governo está tentando criar um banco de dados central, citando apenas seu foco em fraudes.

“Desperdício, fraude e abuso estão profundamente enraizados em nosso sistema quebrado há muito tempo. É necessário acesso direto ao sistema para identificá-lo e corrigi-lo”, disse o porta-voz da Casa Branca, Harrison Fields, em um comunicado.

Especialistas alertam que tentar combinar conjuntos de dados complexos para tomar decisões sobre programas governamentais —incluindo o uso de IA (inteligência artificial) para identificar desperdícios nos gastos do governo, como discutiram os aliados de Musk— poderia produzir erros desenfreados e danos no mundo real.

Especialistas em segurança nacional observam que uma grande coleção de dados sobre cidadãos americanos seria um alvo atraente para Estados-nação inimigos, hackers e cibercriminosos. Países como China, Rússia e Irã estiveram por trás de grandes violações de bancos de dados do governo dos EUA nos últimos anos, disseram autoridades americanas.

Empresas privadas e corretores de dados que compram e vendem dados também sabem muito sobre os americanos. Mas uma diferença crucial está no que apenas o governo federal pode fazer com esses dados, dizem os defensores da privacidade. O Google não controla o aparato de aplicação de imigração. A Target não tem o poder de interromper pagamentos da Seguridade Social.

“Isso chega a um ponto fundamental sobre privacidade: não é apenas uma questão de ‘Alguém mais no mundo sabe isso sobre mim?’. É uma questão de quem sabe isso sobre mim, e o que eles podem fazer, legalmente ou na prática, com essa informação?” disse John Davisson, diretor de litígios do Electronic Privacy Information Center, que processou o governo para bloquear o acesso do Doge a dados financeiros no Tesouro e registros da força de trabalho federal no Escritório de Gestão de Pessoal.

PRIVACIDADE ACIMA DE EFICIÊNCIA

O Congresso debateu essa questão há 50 anos ao considerar a aprovação de uma lei para proteger a privacidade dos dados de americanos na esteira do escândalo Watergate e com a crescente informatização dos registros pessoais.

“Onde isso vai acabar?” disse o senador republicano Barry Goldwater, do Arizona, na época. “Permitiremos que todos os sistemas computadorizados se interliguem em todo o país para que todos os detalhes de nossas vidas pessoais possam ser reunidos instantaneamente para uso de um único burocrata ou instituição?”

Com a aprovação da Lei de Privacidade de 1974, os americanos escolheram a privacidade em detrimento da eficiência, argumentou Julian Sanchez, um estudioso libertário de privacidade.

“Fizemos uma escolha muito consciente de aceitar os custos da ineficiência”, disse ele, “porque se um banco de dados unificado caísse nas mãos de alguém que quisesse usar o poder do Estado para algum propósito repressivo, sua tarefa seria facilitada demais por essa centralização.”

Às vezes, disse ele, os libertários foram chamados de paranoicos por sugerir que tal cenário ainda era realista nos EUA do século 21. “Acho que é muito evidente”, acrescentou ele, “agora é.”

No decreto de 20 de março de Trump, ele pediu “a eliminação de silos de informação” em todo o governo. Dentro de 30 dias, afirma o texto, “os chefes de agência devem, na máxima extensão consistente com a lei, rescindir ou modificar todas as orientações que servem como barreira ao compartilhamento de informações não classificadas entre ou dentro de agências”.

A administração não especificou quem poderia visualizar os dados consolidados em todo o governo, mas o decreto concede acesso amplo a funcionários federais “designados pelo presidente ou chefes de agência.”

O presidente também está mirando informações mantidas pelos estados, buscando “acesso irrestrito a dados abrangentes” relacionados a programas que recebem financiamento federal.

A Casa Branca não respondeu às preocupações levantadas por críticos sobre os riscos de reunir esses fluxos de dados.

Resta saber se os tribunais permitirão, em última instância, os esforços da administração, sendo que alguns deles parecem contrariar a Lei de Privacidade e outras leis.

A Lei de Privacidade proíbe as agências de divulgar informações pessoais sem consentimento. As agências também geralmente não devem compartilhar com todo o governo para um propósito não relacionado ao motivo pelo qual foram originalmente coletados.

Isso significa, por exemplo, que o governo não deve usar dados pessoais fornecidos para solicitar empréstimos estudantis para realizar a aplicação da lei de imigração. Ou usar informações apresentadas para detalhar deduções fiscais para identificar alguém como um apoiador de causas de esquerda.

“O governo não deve necessariamente pensar criativamente sobre como pode combinar todas as informações que já coletou sobre você e sua família em dezenas de bancos de dados ao longo de toda a sua vida para descobrir novas coisas sobre você”, disse Aman George, diretor de política legal da Democracy Forward, um grupo jurídico de tendência liberal que trouxe algumas das ações judiciais contra o Doge.

Existem algumas exceções aos padrões legais de privacidade, incluindo para investigações criminais e para funcionários do governo que precisam de dados sensíveis para realizar seus trabalhos legalmente atribuídos. Mas os tribunais que bloquearam o acesso do Doge aos dados, por enquanto, concluíram que a equipe de Musk provavelmente não tem essa necessidade, dado o mandato vago e mutável do grupo.

“Em vez disso, o governo simplesmente repete sua invocação de uma necessidade de modernizar o sistema e descobrir fraudes”, escreveu a juíza distrital Ellen L. Hollander ao emitir uma restrição temporária na Administração da Seguridade Social. “Seu método de fazer isso é equivalente a matar uma mosca com uma marreta.”

O Código da Receita Federal e a Lei da Seguridade Social adicionam proteções ainda mais rigorosas aos dados fiscais. E outras leis estabeleceram padrões de segurança para a manutenção de dados governamentais e criminalizaram o acesso a um computador do governo ou o compartilhamento de dados sem autorização.

A equipe de Musk, de acordo com reportagens do Times e documentos judiciais, também mirou dezenas de sistemas que rastreiam funcionários públicos, aquisição e contratação governamental, e gastos do governo com empresas e entidades externas, enquanto busca reduções generalizadas de pessoal.

O CUSTO DE RESULTADOS ERRADOS

O conceito de conectar sistemas de dados governamentais é muito mais difícil do que parece, disseram ex-funcionários.

Quando o IRS tentou estudar se poderia identificar pessoas elegíveis para o crédito fiscal de renda auferida há cerca de uma década, encontrou diferentes programas e conjuntos de dados usando definições diferentes para “família” e “renda”, disse Nina Olson, ex-defensora nacional do contribuinte no IRS de 2001 a 2019.

Tente combinar dados em uma gama ainda mais ampla de sistemas governamentais, e as incongruências se multiplicariam.

“Os dados não são adequados para o propósito que você está tentando usá-los. E você obterá resultados errados, e há consequências para isso”, disse Olson, diretora executiva do Centro de Direitos do Contribuinte, que também está processando o governo.

As pessoas poderiam perder benefícios ou ser identificadas para deportação por indicadores suspeitos que têm explicações aceitáveis. No entanto, Musk mostrou pouco interesse nos detalhes dessas explicações. Ele repetidamente deturpou dados sobre pessoas falecidas e imigrantes recebendo Seguridade Social e sugeriu que apenas algo nefasto deve explicar um aumento nos créditos fiscais, que pode estar ligado às expansões do crédito fiscal infantil e ao alívio da pandemia.

O que acontece se uma família que reivindica um crédito fiscal pela primeira vez for sinalizada por fraude —e tiver seu Medicaid cortado também?

“Qual será o processo de resolução deles? Eles agirão primeiro e lidarão com as consequências depois?”, disse Elizabeth Laird, do Centro para Democracia e Tecnologia. “As pessoas que talvez pensem ‘Bem, fui notificado de que meus dados foram vazados há 10 anos e estou bem’ —não acho que tenham sido submetidas ao que podemos ver como resultado disso.”



Fonte ==> Folha SP

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