Trump quer fazer de Powell bode expiatório, diz estudioso – 22/04/2025 – Mercado

Um homem idoso com cabelo grisalho e barba, usando óculos e uma camisa azul clara. Ele está posando para a foto com um leve sorriso, em um ambiente ao ar livre com um fundo desfocado.

O mercado financeiro mal se acalmava com o recuo nas tarifas, quando o governo de Donald Trump apareceu com um novo motivo de pânico: demitir o presidente do banco central, Jerome Powell —algo que, a rigor, está fora de sua alçada e que o presidente americano negou ter intenção de fazer nesta terça-feira (22)

Independentemente da lei, o republicano fez uma série de ameaças ao chefe do Fed (Federal Reserve) nos últimos dias. No discurso, Trump acusa a autoridade monetária de agir politicamente ao pausar os cortes de juros que havia iniciado no ano passado, durante o governo Joe Biden. Powell rebate que as tarifas colocam as metas de emprego e inflação do banco em risco.

Mas, para David Wessel, tudo isso é teatro. Em entrevista à Folha ele diz que Trump até gostaria de substituir Powell, mas seu real objetivo com os ataques é poder culpar o Fed pela recessão vista por analistas como cada vez mais provável nos EUA.

Atual diretor do Centro Hutchins de Política Fiscal e Monetária, com sede em Washington, Wessel trabalhou durante 30 anos no Wall Street Journal, onde foi responsável pela cobertura do BC americano. Em 2009, publicou o best-seller “Os Bastidores da Crise”, livro sobre a atuação do Fed sob Ben Bernanke durante a crise financeira global de 2008. É vencedor, em equipe, de dois prêmios Pulitzer.

Como evoluiu a independência do Fed? O sr. acredita que ela está em risco agora?

O ponto de virada do Fed foi a inflação do final dos anos 1970 e início dos 1980, quando Paul Volcker [presidente do Fed de 1979 a 1987] forçou uma recessão profunda para quebrar o ciclo inflacionário. É preciso, porém, fazer uma distinção entre independência e crítica. Durante o governo George H. W. Bush (1989-1993), o presidente e seus assessores criticavam o Fed. O relacionamento entre Alan Greenspan [presidente do Fed de 1987 a 2006] e o secretário do Tesouro era tão tenso que eles pararam de se encontrar. Foi só com a chegada de Bill Clinton (1993-2001) que passou a ser malvisto criticar publicamente o Fed.

Agora, não são apenas as críticas de Trump ao Fed que deixam as pessoas nervosas. É a ameaça constante de que ele vai demitir Powell. Todo mundo sabe que em maio do ano que vem o presidente poderá indicar uma nova pessoa. A dúvida que fica é: ele vai escolher alguém que acredita na independência do Fed, ou alguém que apenas faça o que ele quer?

Se ele escolher alguém que apenas faça o que ele quer, quais serão as consequências disso?

Uma coisa que o Trump deveria ter aprendido com Powell é que alguém pode dizer coisas agradáveis durante a entrevista, mas quando chega ao Fed e sabe que está sucedendo figuras como Volcker, Greenspan e Ben Bernanke [presidente do Fed de 2006 a 2014], e está cercado por pessoas que acreditam na independência do Fed… Essa pessoa também tem sua própria reputação a zelar.

Acho altamente improvável, embora não impossível, que o próximo presidente do Fed simplesmente chegue dizendo “vamos cortar os juros porque Trump quer”. Na verdade, Trump pode descobrir que, se colocar alguém que o mercado acredita que vai obedecê-lo, essa pessoa pode ter que adotar uma política monetária mais rígida para ganhar credibilidade.

Acho que é possível que Trump indique um dos nomes sendo cogitados: Kevin Warsh [diretor do Fed de 2006 a 2011, indicado por Bush], Chris Waller [atual diretor do Fed indicado por Trump em 2020] ou Scott Bessent [atual secretário do Tesouro]. Todos esses são pessoas que se importam com sua reputação e com a credibilidade do Fed.

Foi o próprio Trump quem nomeou Powell presidente em seu primeiro mandato. O que o levou a fazer essa escolha, e como a relação entre os dois tornou-se tão tensa?

Qualquer pergunta que começa com “por que Trump…” é muito difícil de responder [risos].

Sabemos que Warsh era um dos candidatos. Segundo relatos da época, Steve Mnuchin, então secretário do Tesouro, apoiava Powell. Outra opção era reconduzir Janet Yellen [presidente do Fed de 2014 a 2018]. Trump frequentemente diz que acha que certas pessoas têm “cara de banqueiro central”, e tanto Powell quanto Warsh se encaixam nesse perfil. Supostamente, ele achava que Yellen era baixa demais para o cargo.

Suspeito que Powell foi muito discreto durante a entrevista. Trump passou a atacá-lo [no primeiro mandato] somente após se irritar com suas políticas. Agora, o que Trump está tentando fazer é culpar o Fed antecipadamente, usá-lo como bode expiatório. Ele sabe que os economistas preveem uma recessão nos próximos 12 meses, e não quer admitir que a causa são suas tarifas.

Sei que é difícil entender o que o presidente pensa, mas o sr. realmente não acha que, se pudesse, Trump demitiria Powell agora?

Acho que ele genuinamente gostaria de substituir Powell, mas, por enquanto, é só encenação. Suponha que amanhã ele diga “entendo que a lei limita minha capacidade de demitir Powell como diretor, mas vou removê-lo como presidente do Fed”. Primeiro, o mercado entra em pânico. Depois, Powell recorre à Justiça —ele não é tão rico quanto Harvard, mas tem dinheiro suficiente para atrasar o processo. E mais: a governança do Fed é complicada. O Comitê Federal de Mercado Aberto [FOMC, responsável pela definição dos juros], composto por sete diretores e 5 dos 12 presidentes regionais dos bancos, é quem elege seu presidente. Então, eles poderiam simplesmente reeleger Powell.

O mandato de Powell termina em maio de 2026. Não está tão longe. Por que criar toda essa polêmica se Trump pode simplesmente nomear alguém para substituí-lo e deixar tudo pronto para a transição? Se eu fosse –Deus me livre– o secretário do Tesouro de Trump, eu mostraria gráficos do mercado de ações e de títulos e diria: “chefe, quer piorar ainda mais isso?”. Trump é sensível ao mercado.











Diretor do Fed Prazo do mandato
Adriana Kugler* Janeiro 2026
Jerome Powell** Janeiro 2028
Christopher Waller* Janeiro 2030
Michael Barr* Janeiro 2032
Michelle Bowman Janeiro 2034
Philip Jefferson* Janeiro 2036
Lisa Cook Janeiro 2038

* Pode ser reconduzido. ** Atual presidente, cujo mandato à frente do Fed termina em maio de 2026.

O mercado de títulos já mostra uma perda de confiança nos EUA. O sr. acredita que esse cenário possa se deteriorar mais, a ponto de investidores buscarem segurança em outro lugar?

Parte disso depende se o governo vai recobrar o bom senso. Outro fator é que o Congresso está avançando com medidas que vão aumentar ainda mais a nossa dívida.

Mas temos uma grande vantagem, que é: se você não quer colocar seu dinheiro nos EUA, onde mais vai colocar? Há uma quantidade limitada de ouro no mundo para comprar —e ouro não paga juros. Acho que as pessoas não vão colocar dinheiro na China porque não sabem se conseguirão tirá-lo de lá. A Europa pode ganhar uma fatia maior do mercado, mas também tem seus problemas.

Não há muitas alternativas boas na escala que o mundo precisa. Isso ainda vai nos sustentar por um tempo. Mas pode ser que, daqui a uma década, olhemos para trás e vejamos esse momento como um ponto de inflexão.

Se Trump conseguir minar a independência do Fed, que efeitos isso pode ter sobre bancos centrais de outros países?

Boa pergunta. Acho que depende do que acontecer aqui. De um lado, posso imaginar pessoas olhando para o Banco do Canadá, o Banco da Inglaterra, o Banco Central Europeu, e dizendo que eles estão conseguindo melhores resultados do que um Fed em deterioração. E aí eles podem se destacar. Instituições como o FMI vão apoiá-los.

Por outro lado, bancos centrais se movem em grupo. Por exemplo, foi o banco central da Nova Zelândia que primeiro estabeleceu uma meta de inflação, e depois houve uma tendência global de adotar esse modelo. Então acho que seria mais difícil, se eu estivesse no Brasil, no México ou na Argentina, argumentar que a independência do banco central é essencial, se o presidente disser: “olha os EUA, eles não acham mais isso”.

Mas o pensamento assustador não é que o Brasil vai imitar os EUA, mas sim que nós estamos tentando adotar todos os erros que os mercados emergentes cometeram nos últimos 25 anos. É realmente extraordinário. Trump disse muitas dessas coisas durante a campanha, mas eu certamente não esperava que fosse assim agora.


Raio-X – David Wessel, 71

É diretor do Centro Hutchins de Política Fiscal e Monetária do Instituto Brookings. Foi correspondente e editor de economia do The Wall Street Journal, onde também supervisionou a cobertura do Federal Reserve. É autor de dois best-sellers do New York Times: “Red Ink” (2012) e “In Fed We Trust” (2009). Graduado pelo Haverford College, foi bolsista Knight Bagehot em Jornalismo Econômico na Universidade Columbia. Ao longo de sua trajetória, dividiu dois Prêmios Pulitzer.



Fonte ==> Folha SP

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