Uma mulher estável pode namorar um homem desempregado? – 23/04/2025 – Amor Crônico

Uma mão segurando uma nota de 50 yuan dobrada em forma de coração. Ao fundo, um laptop com uma tela visível, mas sem detalhes claros. A nota apresenta cores variadas e detalhes típicos de dinheiro.

Algumas perguntas não vêm sozinhas. Quando a leitora contrapõe “mulher estável financeiramente” a “homem desempregado”, escuto dois incômodos: a diferença na condição financeira e a diferença na relação com a ambição profissional e dos símbolos que o dinheiro carrega numa relação.

Num país onde 66% dos casais nunca falou sobre dinheiro com seus parceiros, segundo pesquisa de 2024 da CNDL em parceria com o SPC e o Banco Central, é natural que a maioria de nós se constranja diante dos impactos concretos do amor, que, conforme nos foi ensinado, “não se ensoberbece, não busca os seus interesses, tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. Na prática, sabemos que essas palavras lindas não bastam. Talvez seja hora de problematizar a culpa que sentimos por colocar o dinheiro na equação do casal.

Entendo o desconforto —especialmente sendo mulher. Somos de uma geração que batalhou pela autonomia financeira e aprendeu que depender do dinheiro de alguém era não apenas arriscado, mas moralmente questionável. Crescemos com medo de sermos vistas como interesseiras, oportunistas, caçadoras de segurança alheia e, por isso, muitas vezes silenciamos nossas necessidades materiais em nome de um romantismo sem lastro. Quando hoje nos vemos incomodadas com a diferença financeira do parceiro, a pergunta interna é cruel: será que virei o opressor que tanto combati?

Antes que seu superego tirânico te aniquile quero trazer outra perspectiva: talvez você só esteja se permitindo ser pragmática e podendo experimentar a maravilha que é construir uma relação real e possível. Isso porque para afirmarmos que já superamos o ideal do amor romântico não basta ter deixado para trás o sonho do príncipe encantado. É preciso também abrir mão da ilusão de que “com amor, não falta nada” e de que “o que importa é o sentimento”.

É óbvio que o sentimento importa, mas ele sozinho não paga a conta do supermercado, não determina a possibilidade de um plano de saúde X ou Y, não viabiliza o aluguel da casinha de vila. Você pode pagar o aluguel da casinha de vila sozinha? Talvez sim. Mas quer? E ele, se sente confortável em aceitar? Porque a questão nunca é só oferecer, mas o que o outro consegue receber sem se sentir diminuído, em débito ou deslocado.

E a forma como nos sentimos nessa dinâmica —tanto você quanto o outro— é 100% pessoal, subjetiva e intransferível. Não se trata de querer responder da forma politicamente correta ou de tentar convencer o outro de que sua percepção de autovalor é ligada a ícones ultrapassados do patriarcado. Se houver incômodo, ele é real. E precisará ser lidado como tal.

Além disso, vejo que no início dos relacionamentos a gente se encanta com o “nós dois numa cabana” —que, muitas vezes, é só seu apartamento no fim de semana em que as crianças estão com o pai. Mas, se a relação é sempre uma fuga, ignoramos uma conta de realidade que virá com juros. Vidas não existem no vácuo. É uma delícia ter amores que nos fazem furar nossas bolhas, mas o bonito é quando mantemos a abertura e a receptividade para o mundo do outro —e não quando rompemos um a bolha do outro para nos fecharmos numa terceira bolha, agora só nossa. Pergunte-se: estou disposta a simplificar meu estilo de vida? Consigo habitar o mundo dele —e ele, o meu— sem ressentimentos, sem culpa, vergonha ou dívidas invisíveis?

Mas o dinheiro, ainda que desafie, é apenas metade da história.

A outra metade é ainda mais delicada: a relação com a ambição e sua associação quase que automática ao universo profissional.

Por que exatamente te incomoda que ele esteja desempregado? E se ele tiver vendido uma startup e agora vive de dividendos? Ou se for sustentado por uma herança e estiver tranquilo com isso? Ou, mesmo que ganhe menos, pode ter um estilo de vida mais simples, sem que isso o fragilize. A profissão ocupa lugares simbólicos diferentes para cada um. E é aqui que mora o risco de cairmos em contradição.

A gente passou anos criticando os machos-alfa provedores, torcendo o nariz para o coletinho e para o sapatênis. E talvez o encantamento por esse homem desempregado tenha surgido exatamente por ele ser diferente —mais afetuoso, mais presente, mais interessado. Talvez ele te veja como ninguém viu. Talvez ele some na rotina, no cuidado, na escuta. Mas então por que esse desemprego ainda te atravessa?

Gostaria que você se perguntasse: o quanto essa insegurança é concreta —e o quanto é simbólica? Sim, é preciso considerar o concreto —as contas, o Excel sentimental que mencionei. Mas também pode haver algo inconsciente, enraizado na nossa educação: o ideal do homem bem-sucedido que nos ensinaram a admirar. Será que você não está, sem perceber, projetando nele o modelo de masculinidade que aprendeu a admirar, mesmo que critique? Aquela ideia de sucesso que ainda ecoa das infâncias que a gente passou tentando superar?

Byung-Chul Han fala que vivemos numa era que ama o que é produtivo e bem-sucedido. E é aí que mora o perigo: querer transformar o outro num projeto. Nessas, viramos namoradas RHs, consultoras de carreira, “salvadoras de potencial”. Entendendo-se salvar como refazer seu Linkedin, maximizar contatos com pessoas de empresas interessantes, incentivar o investimento num curso de especialização… “Afinal, se ele já é especial, imagina quando se ‘encontrar profissionalmente’?”, pensa você na melhor —e mais egóica— das intenções. Mas a relação dele com o trabalho é dele. Assim como eles levaram tempo para entender que não podem opinar sobre como nos vestimos, a gente também precisa aceitar que não cabe a nós dizer como eles devem se colocar no mundo profissional.

O que nos cabe é nos fazer perguntas maduras: eu topo me relacionar com esta pessoa como ela é hoje —e não como imagino que ela pode ser no futuro? Existe admiração real por este homem para além da esfera profissional?

Porque a admiração é um dos alicerces mais fundamentais do amor. Pela perspectiva da psicanálise, amar é também reconhecer no outro algo que nos inspira e nos movimenta internamente. Não admirar é, aos poucos, deixar o desejo adoecer, estagnar, perder vitalidade.

Talvez você o admire profundamente como pai; admire seu comprometimento com a escuta e com os amigos cultivados ao longo da vida; sua capacidade de se abrir para os seus sonhos. Mas se, para você, o trabalho é um símbolo de realização essencial —e a ausência de ambição profissional mina o seu olhar amoroso—, é preciso acolher isso sem julgamento.

Mais cruel do que reconhecer que a admiração não é suficiente é tentar amar sem admiração. E nesse vazio, se perder no ressentimento, na crítica silenciosa, ou no desejo de mudar o outro. Pergunte-se: admiro o homem que ele é —ou espero, secretamente, que ele se torne alguém diferente?

É importante também se questionar: eu topo ter este estilo de vida que estamos construindo hoje e estou ciente de alguns confortos que possa estar renunciando por não poder dividir algumas contas sem que, num momento de desentendimento, eu jogue essa conta emocional para ele?

Te convido a olhar para relação e para si mesma com honestidade e acolhimento. Pergunte-se: Quais são suas necessidades emocionais e concretas? É possível que minha necessidade de segurança seja suprida em outros campos da relação ou o campo financeiro é essencial? Se for, banque esta necessidade sem querer ser politicamente correta. O que você pode oferecer de verdade e o que pode abrir mão sem se trair? Amar é escolha. Mas não basta amar alguém: é preciso conseguir amar a vida que se constrói com esse alguém.

E se você também tem um dilema ou uma dúvida sobre suas relações afetivas, me escreva no colunaamorcronico@amorespossiveis.love. Toda quarta-feira respondo a uma pergunta aqui.



Fonte ==> Folha SP

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