Dominar a leitura de partituras, improvisar no palco ou criar uma composição visual a partir de um tema surpresa. Para quem sonha com uma vaga em cursos artísticos, esses são alguns dos desafios das provas de habilidades específicas dos vestibulares.
Obrigatória para carreiras como música, dança, artes visuais e artes cênicas, essa fase extra busca avaliar se o candidato possui um repertório mínimo de competências práticas e expressivas para acompanhar o ritmo da graduação —que, em geral, já parte de um certo nível técnico.
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Essa etapa varia conforme a área e a universidade e pode incluir exercícios práticos, improvisações, entrevistas, leitura de obras obrigatórias, análises escritas ou composições livres. Em comum, ela costuma combinar critérios objetivos, como ritmo, domínio corporal ou noções de linguagem visual, com aspectos subjetivos, como criatividade, expressividade e capacidade de criação.
Segundo a professora Luciana Sayure, coordenadora da comissão de graduação do curso de música da USP (Universidade de São Paulo), a realização das provas de habilidades específicas se justifica pela necessidade de aferir conhecimentos fundamentais ao desenvolvimento do estudante ao longo do curso.
“As provas visam garantir que o ingressante possua familiaridade com os princípios que sustentam uma formação consistente. São concebidas com base no percurso acadêmico considerado satisfatório e no perfil de egresso apto a atender, com desenvoltura, às exigências do mercado e da pós-graduação”, diz.
Apesar de não exigirem formação profissional prévia, as universidades esperam que o candidato tenha algum tipo de vivência na linguagem escolhida —mesmo que em oficinas, escolas livres, projetos sociais ou pela prática autodidata.
Alguns alunos e ex-graduandos mantêm cursinhos populares para ajudar candidatos que têm pouca ou nenhuma experiência com a linguagem artística escolhida.
As provas específicas têm editais próprios, que detalham bibliografias, formatos e critérios de avaliação. A Folha ouviu professores e membros das comissões das prova de habilidades específicas da USP e da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) para explicar o que é cobrado em cada curso.
ARTES CÊNICAS (USP e Unicamp)
Na USP, a prova dura quatro dias e inclui uma etapa teórica (com base em bibliografia obrigatória), oficinas coletivas, atividades práticas e uma entrevista oral.
Na Unicamp, são três fases: prova escrita (interpretação de textos), aulas práticas (improvisação, voz e corpo) e prova de palco, com encenação a partir de trechos predefinidos.
O que se avalia é a disponibilidade corporal, escuta, trabalho coletivo, repertório artístico e compreensão dos textos teóricos. A banca não busca atores prontos, mas candidatos dispostos ao processo criativo.
“Na prova de sala de aula, observamos como o corpo do candidato se estabelece no espaço e reage às propostas de improvisação”, explica Marcelo Lazzaratto, professor da Unicamp. “Na de palco, vemos se ele compreendeu a cena e o personagem e se consegue dizer o texto de forma apropriada, sem artificialidade.”
Segundo Lazzaratto, um erro comum é não entender a peça escolhida ou não se envolver nas atividades. “Se a pessoa se esconde numa prova coletiva, ela não vai ser percebida. Por outro lado, quem tenta se exibir demais também pode causar desconforto.”
De acordo com Suzana Viganó, professora da USP, o nervosismo é comum, mas o formato coletivo e acolhedor ajuda a quebrar a tensão. “Outro ponto importante é a bibliografia. Muitos se prejudicam por não estudá-la.”
Dicas práticas:
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Estude os livros obrigatórios com antecedência
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Frequente peças, performances e debates sobre teatro
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Busque oficinas ou grupos com práticas colaborativas
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Treine leitura oral e reflexão sobre as obras lidas
MÚSICA (USP e Unicamp)
Na USP, há uma prova teórica (para aferir conhecimentos em teoria musical) e uma prática (com foco no instrumento ou voz).
Na Unicamp, o exame também é dividido em duas etapas: teórica (com leitura rítmica, percepção e teoria musical) e prática, com execução de peças obrigatórias e de livre escolha. Os vídeos são enviados online, sem cortes. “Se identificarmos edição, o candidato é desclassificado”, afirma o professor e coordenador de graduação, Vinícius Fraga.
Entre os critérios avaliados estão proficiência mínima no instrumento, afinação, expressividade e leitura musical. “O ideal não é estudar só para passar, mas usar a prova como janela para amadurecer o próprio conhecimento musical“, diz Fraga.
Sayure, da USP, lembra que o candidato a violão, por exemplo, deve executar um programa preestabelecido. “O domínio de conhecimentos teóricos básicos também é essencial para que o estudante progrida no curso.”
Dicas práticas:
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Estude com um professor familiarizado com o repertório
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Pratique leitura à primeira vista e solfejo
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Participe de grupos, bandas ou conservatórios
DANÇA (Unicamp)
A prova é presencial e dura cerca de 2h30. Inclui aulas de técnica (dança contemporânea e dança do Brasil) e uma etapa de improvisação, em que o candidato apresenta um estudo coreográfico autoral de até dois minutos, sem música ou objetos.
No ano passado, a inspiração para o estudo coreográfico partiu de obras da artista Tomie Ohtake (1913-2015), por exemplo. Durante a apresentação, os avaliadores também propõem alterações, avaliando a capacidade de escuta e adaptação do candidato.
Os critérios de avaliação da prova são detalhados em edital e contemplam aspectos como criatividade, fluidez, domínio de espaço e tempo, prontidão, concentração, orientação espacial, ritmo, musicalidade e memória de movimento.
Segundo Paula Caruso, professora do curso de dança da Unicamp, há também uma nota global atribuída ao desempenho geral do candidato, considerando sua trajetória ao longo da prova, com margem para compensar eventuais desequilíbrios entre a prova de técnica e de improvisação.
Ela afirma que às vezes o candidato tropeça na técnica clássica, mas brilha na improvisação. “E isso pesa positivamente.”
“Não existe corpo padrão. Queremos ritmo, inventividade e prontidão”, diz a professora. “Chega gente do balé, das danças afrodiaspóricas, das danças populares brasileiras, da dança contemporânea. O que vale é como cada um usa o próprio corpo.”
Dicas práticas:
- Prepare o estudo coreográfico com tempo e ensaie bastante
- Conheça artistas e referências propostas no edital
- Treine improvisação
ARTES VISUAIS (USP e Unicamp)
As provas específicas nas duas universidades ocorrem em um único dia e combinam tarefas teóricas e práticas.
Na USP, o candidato interpreta imagens ou pequenos trechos de história da arte e deve desenvolver uma composição gráfica com materiais simples (grafite, lápis ou carvão) a partir de um tema. A mudança para uma prova única, desde 2023, busca refletir melhor a diversidade dos candidatos e evitar modelos engessados.
Na Unicamp, o modelo é semelhante: o candidato lê e analisa obras e movimentos artísticos da bibliografia e produz uma composição visual a partir de temas atuais, com apoio de textos e imagens de artistas contemporâneos. Os materiais também são básicos, incluindo carvão, papel, pregadores, cola.
Em ambas as provas, a banca valoriza a articulação entre texto e imagem, o uso criativo de cor, composição, contraste, proporção e textura, o impacto visual, a clareza da proposta e o repertório estético e interpretativo. Criatividade e leitura crítica pesam mais que perfeição técnica.
“Não buscamos um mestre do desenho de observação, mas alguém que saiba pensar com imagens”, diz Claudio Mubarac, professor da USP.
Para Edson Reuter, docente da Unicamp, o ideal é que o trabalho funcione como uma metáfora visual. “Às vezes a proporção está errada, mas a imagem fala alto. Ela nos chama.”
Traços excessivamente finos, zelo técnico exagerado ou soluções visuais muito óbvias podem prejudicar a expressividade. Por outro lado, um estilo engessado —só mangá ou só realismo— tende a limitar as respostas criativas.
Dicas práticas:
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Estude a bibliografia indicada (história da arte e leitura de imagens)
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Treine desenho de observação ao vivo (copos, mãos, plantas, objetos simples)
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Evite desenhar com base em fotos
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Antes de desenhar, escreva em poucas frases o que quer comunicar
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Visite exposições e registre o que chamou sua atenção
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Teste materiais simples e descubra texturas e efeitos que gerem impacto visual
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Cronometre seus exercícios para aprender a gerir o tempo de leitura, planejamento e execução
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Fonte ==> Folha SP