Vírus letal atinge ararinhas-azuis na Bahia – 30/07/2025 – Ambiente

Vírus letal atinge ararinhas-azuis na Bahia - 30/07/2025 - Ambiente

Um vírus letal atinge a população de ararinhas-azuis que vive no interior da Bahia, parte de um projeto de reintrodução à natureza conduzido pela ONG alemã ACTP (Associação para a Conservação de Papagaios Ameaçados) e pela empresa brasileira Blue Sky, cujo acordo com o governo brasileiro foi rompido em 2024.

A informação sobre o surto de circovírus foi divulgada pelo Ministério do Meio Ambiente na segunda-feira (28) e confirmada pela ACTP nesta quarta (30). Até aqui, 14 aves estão contaminadas, incluindo um filhote que estava em vida livre.

O ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) suspendeu o programa de reintrodução e proibiu novas solturas de aves, ordenando uma série de medidas para conter a transmissão do vírus.

Biólogos e veterinários ouvidos pela Folha são unânimes em dizer que a captura é uma medida essencial e obrigatória quando há casos de doenças em programas como esse, e que as afirmações da Blue Sky não fazem sentido.

“É urgente, imprescindível e fundamental que as aves que estejam ainda soltas sejam imediatamente recapturadas e novamente mantidas em cativeiro até que os exames necessários em todo o plantel sejam refeitos”, diz Luís Fábio Silveira, curador da seção de aves do Museu de Zoologia da USP (Universidade de São Paulo).

Para ele, é improvável que o circovírus estivesse circulando na natureza em uma área remota como Curaçá, no interior da Bahia, onde acontece a soltura das ararinhas-azuis, o que indica que o surto poderia ter origem na população em cativeiro.

“O próprio [ICMBio], em estudos prévios, não detectou o circovírus nas aves de vida livre antes da reintrodução das ararinhas”, diz Silveira. “É importante ressaltar que há um risco real de que a única localidade até hoje compatível [com a soltura], Curaçá, já possa ter sido contaminada com um vírus letal, o que implicaria em um problema ainda maior para o projeto.”

O biólogo diz ainda que capturar as ararinhas-azuis “é viável e não é nada complexo, dado que elas vivem e circulam perto do viveiro de soltura, e se alimentam ali por perto”. “Qualquer projeto de reintrodução no Brasil precisa de um plano de contingência, e a recaptura está sempre prevista em casos extremos, e esse é um caso clássico”, afirma também.

A ararinha-azul é uma das aves mais raras do mundo, com apenas 328 espécimes existentes no planeta e somente 11 na natureza, soltas no seu único habitat natural, a caatinga da Bahia, como parte do programa de reintrodução.

O circovírus causa a chamada doença do bico e das penas. A enfermidade não tem cura, é crônica e termina por matar a ave na maioria dos casos. O vírus não é perigoso para humanos ou para aves de produção, como galinhas.

“Como veterinários, nossa responsabilidade é soltar somente animais saudáveis, incluindo livre de circovírus”, afirma Gabriel Corrêa de Camargo, responsável pelo Centro de Medicina e Pesquisa em Animais Selvagens da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em Botucatu.

“Minha opinião é que [as ararinhas] deveriam ser recolhidas e testadas. A disseminação do circovírus pode afetar inclusive outros psitacídeos da região”, diz.

Os psitacídeos são pássaros da família Psittacidae, isto é, papagaios, araras e periquitos, que costumam ser acometidos pela doença. O vírus é encontrado em aves exóticas que chegam ao Brasil sem o devido controle —muitas vezes, fruto de tráfico de animais.

“No caso das ararinhas-azuis, esse animais vieram da Europa, e uma das hipóteses é que eles não tiveram o devido controle sanitário”, afirma a médica veterinária Alice Soares de Oliveira. “Eles deveriam ter entrado em protocolo de quarentena bem cuidadoso, por conta inclusive do circovírus, que, sabidamente, é prevalente na Europa”, diz a médica.

Alice explica que filhotes de aves costumam morrer mais rapidamente da doença, enquanto adultos desenvolvem problemas neurológicos, intestinais e chegam até mesmo a perder todas as penas antes de morrer. Para ela, a explicação da Blue Sky é “descabida”. “O risco de contaminação é muito maior do que o de ferir as aves [na captura].”

O programa de reintrodução da ararinha-azul é permeado por disputas constantes entre a ACTP, a Blue Sky e o governo brasileiro. A relação se deteriorou depois que o ICMBio identificou uma “transação comercial fora do escopo do trabalho de conservação” ao enviar 26 ararinhas-azuis para um zoológico na Índia de propriedade de um bilionário do setor petroquímico.

Além disso, a ACTP fez transações de ararinhas-azuis em valores estimados de € 75 mil (cerca de R$ 478 mil) por ave. Em um dos casos, a ONG emitiu uma fatura cobrando € 300 mil (R$ 1,91 milhão) de um zoológico na Bélgica por quatro espécimes, de acordo com o governo alemão.

O ICMBio, a Blue Sky e o biólogo da ACTP responsável pelo programa de reintrodução, Cromwell Purchase, não responderam a perguntas da Folha sobre o vírus até a publicação desta reportagem.



Fonte ==> Folha SP

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