Alemão dono de ONG no Brasil tentou comprar animais raros – 01/07/2025 – Ambiente

Alemão dono de ONG no Brasil tentou comprar animais raros - 01/07/2025 - Ambiente

O dono de uma ONG alemã que trabalha no Brasil com a conservação de uma das aves mais raras do mundo negocia a compra de animais silvestres ameaçados de extinção em nome de um zoológico criado por um bilionário indiano do setor petroquímico.

Em pelo menos uma ocasião, Martin Guth, que fundou a ONG ACTP (Associação para a Conservação de Papagaios Ameaçados), ofereceu € 120 mil (R$ 760 mil) por espécimes de macacos —segundo ele, o pagamento seria realizado, de preferência, em dinheiro vivo e em Dubai.

Os detalhes da atuação de Guth como comprador de animais para o zoológico indiano Vantara estão em mensagens escritas por ele às quais teve acesso o jornal alemão SZ (Süddeutsche Zeitung), que conduziu uma investigação sobre a ACTP em parceria com a Folha.

O Vantara, que ainda não está aberto ao público, já é o maior zoológico do mundo. Mais de 45 mil animais silvestres vivem na instituição —entre eles, cerca de mil grandes felinos, como leões, tigres e leopardos. Em comparação, o zoológico de São Paulo, o maior do Brasil, conta com cerca de 3.200 animais no total.

A maioria dos espécimes no Vantara hoje vem de países avaliados por especialistas como sendo focos de tráfico de animais, e alguns têm origem em zoológicos falsos dos Emirados Árabes Unidos —isto é, vendedores de animais silvestres que possuem documentação como se fossem centros de conservação, mas que na verdade não têm estrutura apropriada para isso e utilizam os papéis para poder exportar espécimes.

Em resposta às perguntas da reportagem, Guth e o Vantara negam que haja compra ou venda de animais, e a advogada do dono da ACTP diz que ele não atua como comprador para o zoológico indiano.

O Vantara diz que todos os animais que chegam ao zoológico o fazem de maneira legal, seguindo regulações de acordos internacionais, que nunca vendeu ou comprou espécimes, e que seu objetivo é ser um centro de recuperação para animais feridos, doentes ou incapazes de viver na natureza.

Martin Guth é conhecido no universo da conservação pela reputação controversa. Sua ONG, a ACTP, tem posse de 75% das ararinhas-azuis do mundo, uma das aves mais raras do planeta e cujo único habitat natural é a caatinga brasileira.

Como a Folha mostrou, a ACTP realiza transações comerciais com as ararinhas —em uma delas, 26 espécimes foram enviados para o Vantara sem a autorização do governo brasileiro, que resolveu encerrar o acordo de cooperação com Guth quando ficou sabendo da transferência. Em outra ocasião, a ACTP cobrou € 300 mil (R$ 1,9 milhão) por quatro aves que foram enviadas à Bélgica.

Nas mensagens às quais o SZ teve acesso, Guth afirma negociar em nome do Vantara, instituição fundada pela família do bilionário Mukesh Ambani, CEO da Reliance Industries —um conglomerado que atua nos ramos de energia, varejo, mídia e entretenimento, entre outras atividades. O zoológico, que fica no estado de Gujarat, está localizado ao lado da maior refinaria de petróleo do mundo, de propriedade da Reliance.

Ambani, além de ser o homem mais rico da Índia, tem conexões profundas com o governo do país. O primeiro-ministro indiano Narendra Modi já visitou o Vantara —e foi fotografado com uma ararinha-azul.

Apesar de ter sido oficialmente inaugurado por Modi em março, o Vantara não tem previsão de receber visitantes do público em geral. No seu site oficial, o zoológico diz que “visitas presenciais só são permitidas no momento com aprovação das autoridades regulatórias”.

Uma das comunicações com vendedores de animais silvestres mostra que Guth recebeu uma extensa lista de espécimes à venda, incluindo imagens, ao que respondeu: “vamos querer quase todos!”, perguntando em seguida sobre os preços.

Guth também disse em uma mensagem que estaria disposto a comprar tartarugas-gigantes nativas das ilhas Seychelles, no oceano Índico. “Temos interesse, mas só se [as tartarugas] forem bem grandes mesmo. De tamanho médio nós já temos.”

Ao SZ, a advogada de Guth não negou a autenticidade das mensagens. Ela disse que seu cliente, sempre que fica sabendo de animais que precisam de cuidados, “está disposto a fazer tudo a seu alcance para ajudar esses animais a terem uma chance de viver uma vida melhor”.

A instituição afirma ainda que só teve contato com Martin Guth como presidente da ACTP, organização com a qual firmou um acordo de cooperação, e que não é responsável por afirmações feitas por Guth a terceiros. Nas mensagens, Guth não aparenta estar agindo em nome da ACTP.

De acordo com autoridades indianas, o Vantara, como instituição de conservação reconhecida, não tem permissão de realizar transações comerciais de animais. Documentos obtidos pelo SZ, entretanto, mostram que o zoológico teria pago altas quantias por espécimes: em uma ocasião, um comerciante da República Tcheca, um dos principais fornecedores do Vantara, emitiu faturas no valor de € 237 mil (R$ 1,5 milhão) e € 177 mil (R$ 1,1 milhão) ao zoológico.

Esse comerciante diz que se trataram de “transações não comerciais” pelas quais ele recebeu honorários por serviços prestados.



Fonte ==> Folha SP

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