Em alguns horários, o acesso ao calçadão da avenida São João pela rua Líbero Badaró chega a ficar congestionado pelo excesso de carros. O pedestre, em tese beneficiário prioritário do espaço, fica apertado nos cantos. Um gradil chegou a ser colocado no local pela concessionária, a Viva o Vale, para garantir o mínimo de espaço para quem caminha.
O problema se repete, ainda que em menor grau, do outro lado da São João, na altura do largo do Paissandu, e dentro do Vale do Anhangabaú. Além dos carros que circulam, muitas vezes em velocidade incompatível com uma via em que há pedestres, ciclistas, skatistas e patinadores, o espaço é tomado por carros estacionados.
Não é um problema isolado. A Folha circulou pelos calçadões do centro antigo de São Paulo pela manhã e à noite, na semana passada, e viu um estacionamento a céu aberto nos dois períodos.
Carros —oficiais ou não— estavam parados na região da praça Antônio Prado e nas ruas 15 de Novembro, do Comércio e General Carneiro. Entre eles, veículos da Assembleia Legislativa e de prefeituras do interior paulista.
Para a vereadora e cicloativista Renata Falzone (PSB), a situação mostra um enfraquecimento da política de priorização dos pedestres e da mobilidade atividade, em favorecimento aos veículos individuais. “É algo que a prefeitura tem feito por ação e por omissão e que contraria o que está previsto do Plano Diretor”, afirma.
Ela lembra que a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) chegou a criar um plano piloto para permitir o estacionamento noturno nos calçadões próximos ao Theatro Municipal em fevereiro de 2023. A ideia acabou sendo abandonada pouco depois.
Na ocasião, a administração Nunes chegou cogitou a criação de 275 vagas dentro dos calçadões no período noturno, sob a alegação de baixo fluxo de pedestre. “Eles preferem colocar carros a incentivar as pessoas a circular a pé e de bicicleta”, comenta Falzone.
Naquele mesmo ano, em maio, a prefeitura criou 34 vagas rotativas normais, de zona azul, para carros na rua 24 de Maio, além de outras quatro exclusivas e para idosos e outras quatro para caminhões. No local, já funcionava desde 2021 uma área de carga e descarga para caminhões.
O calçadão naquela rua havia sido liberado para os carros, que deveriam compartilhar a via com os pedestres em 2005, durante a gestão de José Serra (PSDB). Na época, foi criada uma faixa de asfalto, mas o piso segue no mesmo nível do calçamento das laterais, em um formato diferente das ruas tradicionais. O uso para estacionamento, no entanto, era proibido até 2021.
A vereadora classifica como omissão o trânsito e estacionamento de carros em outras áreas do calçadão, sem que os motoristas sejam obrigados a cumprir as leis de trânsito. Ela entrou com um pedido de informações na Comissão de Trânsito, Transportes e Atividade Econômica da Câmara, da qual faz parte, sobre o assunto.
Diretor da ONG Cidadeapé, Oliver Cauã, aponta uma tendência na atual gestão de permitir informalmente a ocupação de calçadões por carros, inclusive com vagas de garagem. “A situação se repete, por exemplo, na praça Fernando Prestes, no Bom Retiro, onde é possível ver diversos carros, oficiais ou não, parados ao longo do dia e da noite”, diz.
Para o ativista, a própria arquitetura do calçadão da avenida São João, após a reforma e a concessão, é um incentivo à utilização para a circulação de carros. “Os postes foram colocados em linha e o mobiliário está nas laterais, o que forma algo semelhante a uma rua no meio da calçada”, aponta. Ele diz que um ponto de fiscalização da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), na esquina da rua Líbero Badaró, também foi retirado do local.
Sobre o trânsito de veículos no Vale do Anhangabaú, a CET afirma, em nota, que “o Vale do Anhangabaú está atualmente sob concessão da iniciativa privada, concessionária Viva o Vale. Assim sendo, a gestão, a manutenção e a operação do espaço são de responsabilidade da concessionária”, diz. Segundo o texto, a companhia não tem jurisdição ou atribuições diretas sobre a área concedida.
Em nota, a concessionária afirma que “a circulação de veículos dentro da área do Vale é limitada a partir do controle de acesso de veículos, a fim de garantir a segurança dos pedestres”.
Afirma que “os veículos autorizados para entrada são, majoritariamente, aqueles vinculados a operações de manutenção, eventos autorizados, e transporte público ou credenciado (como táxis e OTTCs), além de veículos pertencentes aos condomínios comerciais que desembocam no Vale do Anhangabaú.
Diz ainda que a velocidade permitida é sinalizada no local, com limites reduzidos para preservar a segurança dos usuários e faz “o monitoramento contínuo da movimentação interna e, em casos de infrações —como velocidade excessiva ou circulação indevida—, comunicamos ao gestor de contrato para medidas corretivas”. Afirma, no entanto, não ter “dados representativos” de comunicações sobre ocorrências.
Sobre as demais áreas, a CET afirmou, após receber uma dezena de fotos de carros estacionados nos calçadões, que existem veículos que possuem autorização para transitar pelo local. “O estacionamento, contudo, é proibido. A CET fiscaliza a região dos calçadões e orienta os usuários constantemente”, diz.
Fonte ==> Folha SP