Câmera corporal expõe distância entre PM e Polícia Civil – 01/08/2025 – Cotidiano

Imagem mostra policial militar segurança uma câmera corporal presa ao uniforme

Uma série de acontecimentos recentes tem levado a um aumento dos desentendimentos entre as polícias Civil e Militar de São Paulo, de acordo com pessoas de ambas as corporações que conversaram com a reportagem.

O estopim para o racha atual é a dificuldade que investigadores e delegados da Polícia Civil têm encontrado para ter acesso às imagens gravadas pelas câmaras corporais de PMs —que em média demoram 45 dias, a depender do caso.

Além disso, a morte de um investigador após ser atingido por tiros disparados por um sargento da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) piorou ainda mais o clima.

Os agentes relatam diversos obstáculos para conseguirem ver o material, principalmente em casos nos quais policiais militares são suspeitos de matarem alguém ou de terem cometido alguma irregularidade. Entre os principais problemas estão o envio de arquivos com cortes e sem áudio e a demora no encaminhamento, além de outras justificativas, disseram pessoas ouvidas pela Folha.

Não é incomum que os investigadores consigam imagens registradas por câmeras de segurança particulares semanas antes das disponibilizadas pela PM.

Delegados afirmam que o encaminhamento das imagens depende de reiterados pedidos, às vezes com a necessidade de intervenções por parte do Ministério Público e da Justiça. Os inquéritos confirmam essa situação.

Policiais civis trabalham com uma média de até duas semanas para terem acesso aos arquivos em casos mais simples, quando não há suspeita sobre os PMs envolvidos na ação. Mas esse prazo triplica para 45 dias em ocorrências mais complexas, ou seja, em que os equipamentos possam ter registrado algum excesso ou ilegalidade. Em um caso específico, na periferia da zona leste, foram quatro meses de espera.

Para efeito de comparação, um inquérito policial tem prazo inicial de 30 dias, prorrogáveis pelo mesmo período, ou até mais com anuência do Ministério Público e da Justiça.

Em nota, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que as duas polícias atuam de forma integrada e cooperativa, de acordo com as suas respectivas atribuições constitucionais, com o objetivo de combater a criminalidade e proteger a população. A pasta é chefiada pelo ex-PM Guilherme Derrite.

“Todas as imagens captadas pelas Câmeras Operacionais Portáteis [COPs] da PM são compartilhadas com a Polícia Civil e demais órgãos do Poder Judiciário, sempre que solicitadas, seguindo os prazos e procedimentos legais, diz a nota. Ainda segundo a secretaria, as solicitações podem ser feitas por email institucional, por ofício ou por meio do Sistema Eletrônico de Informações. “Esse fluxo de acesso é continuamente aprimorado, com respeito à legislação, à integridade das investigações e aos direitos dos envolvidos.”

A gestão estadual acrescentou que, desde junho, a Polícia Militar adotou um novo modelo de câmeras corporais, com novas funcionalidades que garantem mais agilidade no compartilhamento das imagens.

Nas delegacias é comum os policiais ouvirem que as câmeras estavam descarregadas, como aconteceu no caso de um morador de rua morto por um sargento a tiros de fuzil. Outra alegação é a de que o equipamento já foi entregue para um superior hierárquico, impedindo a visualização das imagens naquele instante.

Um exemplo da disputa entre as partes é a morte do aposentado Clovis Marcondes de Souza, 70, em 7 de maio do ano passado.

O homem caminhava em uma rua no Tatuapé, zona leste da capital, quando foi atingido na cabeça por um tiro do sargento Roberto Marcio de Oliveira, 50, disparado de dentro da viatura. O policial alegou que o disparo foi acidental, quando tentava abordar dois homens em uma moto. Souza foi baleado enquanto estava na calçada e morreu no local.

Como a Folha mostrou, os PMs envolvidos na ação descumpriram as normas para esse tipo de caso ao não comunicarem a Polícia Civil da ocorrência. Todo o procedimento foi realizado na Seção de Polícia Judiciária Militar do 8º Batalhão de Polícia Militar, mesma unidade em que Oliveira estava lotado. Seus superiores decidiram pela prisão em flagrante.

A morte chegou ao conhecimento do DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa) no dia 10 através de uma requisição do Ministério Público. Na manhã do dia seguinte os policiais civis foram até a rua onde o aposentado tinha sido morto. Horas depois, conforme relatório, conseguiram imagens do caso em um comércio. Não há menção sobre a data exata do envio das imagens por parte da PM, mas no dia 13 houve um pedido pelo delgado Ivan Cesar Alves.

Ou seja, as imagens de câmeras da loja chegaram bem antes das captadas pelos equipamentos usados pelos PMs.

Oliveira foi solto por decisão da Justiça Militar em junho, que passou o caso para a Justiça comum. A denúncia contra o sargento por homicídio doloso foi apresentada no último domingo (27), mais de um ano após a morte. Ele segue em liberdade.

Questionado sobre a demora no recebimento das imagens, o Ministério Público respondeu que as manifestações sobre o caso estão sendo realizadas nos autos.

Uma situação semelhante foi observada na morte do estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, 22, em novembro passado. Em questão de horas os investigadores do DHPP já sabiam detalhes da ação porque conseguiram acesso a imagens da câmera do hotel onde o caso aconteceu —enquanto as cenas captadas pelo equipamento do soldado envolvido só chegaram aos policiais civis mais de um mês depois.

Segundo a gestão Tarcísio, a demora ocorreu porque os investigadores fizeram a solicitação em um canal inadequado. “Após a correção, os vídeos foram enviados integralmente, inclusive com o código que atesta sua integridade”, disse a pasta.

CHÁ DE CANSEIRA NA ROTA

Um outro caso que indica o distanciamento entre as duas polícias ocorreu durante o cumprimento de um mandado de busca e apreensão na sede da Rota na semana passada. O alvo da ação eram dois oficiais envolvidos na morte do agente Rafael Moura da Silva, 38, da Polícia Civil.

O investigador foi baleado pelo sargento Marcus Augusto Costa Mendes durante uma ação na favela do Fogaréu, no Capão Redondo, zona sul de São Paulo, em 11 de julho, e morreu cinco dias depois.

Os investigadores da Polícia Civil que cuidam do caso foram impedidos de acessar o prédio da Rota em um primeiro momento, apesar de estarem com o mandado e acompanhados da corregedoria da PM. Tiveram que aguardaram por cerca de 40 minutos até teram a entrada liberada.

Quando conseguiram entrar, encontraram os armários alvos da busca abertos e vazios. O sargento Mendes segue em liberdade.

Em nota, a gestão Tarcísio de Freitas afirmou que a PM tem colaborado integralmente com as investigações conduzidas pelo 37º Distrito Policial (Campo Limpo), incluindo o cumprimento de mandados de busca e apreensão, como o realizado no último dia 26.



Fonte ==> Folha SP

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