Crise climática: Agricultoras baianas resgatam araruta – 30/06/2025 – Ambiente

Crise climática: Agricultoras baianas resgatam araruta - 30/06/2025 - Ambiente

Florisdete Santos, 52, cresceu tomando mingau de araruta —uma raiz semelhante à mandioca e rica em nutrientes— na comunidade de Tabuleiro dos Crentes, em Elísio Medrado (BA). “Meu pai sempre plantava e minha mãe fazia o mingau. Foi assim que foram criando os filhos”, diz.

Com o tempo, diz a agricultora, as plantações da agricultura familiar voltaram-se à mandioca para suprir a demanda por farinha. A araruta, conta, foi sendo esquecida tanto pelos seus pais quanto pela comunidade do Recôncavo Baiano.

Mas no ano passado, em uma reunião do projeto Resiliências Climáticas, da ONG Gambá, Florisdete foi a primeira a se manifestar quando perguntaram quem conhecia a raiz —tinha duas histórias para contar.

O projeto buscava promover práticas de convivência com o semiárido, resgatar saberes tradicionais e incentivar o cultivo de espécies alimentares resilientes às mudanças climáticas. Florisdete, diz, ainda não entendia completamente como a araruta poderia ajudar diante da seca crescente na cidade, mas já conhecia seus benefícios para a saúde e até para geração de renda.

A primeira experiência que teve com a raiz após a infância foi durante uma piora no controle da diabetes da mãe, que não reagia mais aos medicamentos e à alimentação tradicional. “Minha mãe ficou doente, ia para o hospital tomar soro, aí lembrei da araruta. Fiz o mingau e ela foi reagindo. Percebi que a araruta tinha um benefício muito grande.”

A fécula da araruta, tipo de farinha de textura fina e aspecto similar ao amido de milho, não tem glúten, ajuda a reduzir os níveis de açúcar no sangue e, rica em fibras, promove saciedade.

Depois da recuperação da mãe, Florisdete recorreu novamente à raiz enquanto procurava um alimento saudável e de fácil digestão para a filha, que nasceu com diversas restrições alimentares, como à lactose e ao glúten. “Entrava no mercado e ficava me perguntando: o que vou dar para minha filha? Aí lembrei de novo da araruta.”


Dessa vez, além do mingau, ela começou a fazer pão, bolo e biscoitos de araruta para o dia a dia da filha. Os biscoitos, preparados com óleo e leite de coco, tornaram-se o favorito da família e passaram a ser vendidos em suas visitas a Salvador.

Então, no final do ano passado, foi Florisdete quem levou mudas de araruta para distribuir entre os interessados em plantá-la. Como parte do projeto, ela entregou dez para cada agricultor, que, depois de cultivá-las, deveriam devolver outras dez para que a multiplicação continuasse.

O biólogo Rafael Freire, da ONG Gambá, explica que há um esforço para recuperar o uso tradicional da raiz —cultivada historicamente por povos indígenas— frente à crise climática, uma vez que ela é resistente a solos pobres e secos, tem valor nutricional superior ao de outros tubérculos, como a mandioca, e ainda ajuda na conservação e recuperação de áreas degradadas.

“Com o tempo, caiu em desuso devido à predominância comercial da mandioca, mas se mostra uma alternativa valiosa para comunidades vulneráveis”, diz o biólogo. “Em tempos de escassez hídrica e degradação do solo, como temos enfrentado, é uma planta estratégica para segurança alimentar e restauração ecológica”.


Elísio Medrado fica em um área de transição entre mata atlântica e caatinga, no Vale do Jiquiriçá, e é parte do semiárido brasileiro.

A iniciativa resultou na formação de um pequeno grupo, formado majoritariamente por mulheres, que se organizou em torno do cultivo da araruta. Ao todo, 11 mulheres passaram a plantar a raiz em seus próprios quintais ou pequenas roças.

Ailda Silva, 47, foi uma delas. Moradora da comunidade de Canabrava, ela integra a Associação do Tabuleiro —atuante em projetos de agricultura familiar. O plantio, conta, ocorreu em novembro, início de um período de calor intenso e estiagem prolongada. Por isso, algumas mudas não resistiram à seca.

“A parte que eu reguei, consegui aproveitar e elas estão lindas”, relata. “Há um tempo atrás, elas não dependiam tanto de água. Mas como o solo está muito quente, elas estão precisando.”

Apesar disso, Ailda diz que a araruta tem se mostrado uma planta promissora. A raiz pode ser plantada o ano inteiro, colhida em cerca de seis meses e cultivada em sistemas agroflorestais, sem desmatamento. Além disso, seu quilo pode chegar a R$ 35, frente aos R$ 4 a R$ 6 da farinha de mandioca, tornando-se também uma oportunidade de renda para as agricultoras.

“Você pode plantar uma fileira de árvores e uma fileirinha de ararutas”, diz Florisdete. “Assim, a gente pode tirar o sustento sem agredir o solo. Fui aprendendo isso com o pessoal do [projeto] Resiliências”.

O manejo da araruta também é mais fácil para mulheres que o da mandioca, diz Florisdete. A raiz é menor, mais fácil de extrair e o processo de produção da fécula exige apenas lavar, decantar e secar a goma, sem etapas como raspar ou torrar.

A produção atual ainda é pequena, mas a expectativa é que, com a multiplicação das mudas e a melhoria nas condições de cultivo, mais mulheres possam aderir à iniciativa. Elas também querem adquirir equipamentos para processar a fécula em maior escala.

Para o grupo, redescobrir a araruta foi uma forma de se reconectar com a infância e com a alimentação tradicional. “Muita gente diz: ‘vocês são fortes’. A gente responde: é porque fomos criados com mingau de araruta”, diz Ailda.

O projeto Excluídos do Clima é uma parceria com a Fundação Ford.



Fonte ==> Folha SP

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