Israel é como irmão mais velho que protege e decepciona – 31/05/2025 – Ilustríssima

A imagem mostra uma grande área com muitos tendas, indicando um acampamento. Ao fundo, há edifícios em ruínas, com estruturas danificadas e desmoronadas. O céu está claro e azul, contrastando com a devastação visível no solo. As tendas são de várias cores, incluindo azul, branco e bege, e estão dispostas de forma densa, sugerindo uma grande concentração de pessoas.

[RESUMO] Autor entrelaça passagens da história de Israel e suas experiências como judeu brasileiro, destacando a mentalidade sionista dos anos 1960 e 1970, o entusiasmo com a vitória na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e sua posição crítica aos governos do país desde o massacre de palestinos nos campos de refugiados de Sabra e Chatila, em 1982. Desde a Segunda Intifada, escreve, Israel adotou definitivamente uma política de apartheid e, com o 7 de Outubro e a destruição de Gaza, a relação entre os dois povos vive seu pior momento.

A nossa diferença de idade é de apenas cinco anos. Israel declarou sua independência em 14 de maio de 1948 em Tel Aviv. Eu nasci em 31 maio de 1953 em São Paulo e fui batizado dias depois pelas leis judaicas. Nestes 72 anos, vivemos longe um do outro, com cinco breves encontros e uma relação de amor e decepção.

Israel é como um irmão mais velho, a me proteger das ameaças antissemitas, me encher de orgulho com suas conquistas científicas e culturais, mas que me deixa envergonhado quando quebra ao meio os vizinhos palestinos, fulminando a esperança de uma convivência pacífica entre os dois povos.

Minha geração nasceu sob o fantasma do Holocausto (“shoá” em hebraico), com o saldo macabro de 6 milhões de judeus mortos, e cresceu sob uma guerra permanente com os árabes.

Nos anos 1950, as fotos e os filmes dos campos de concentração, de prisioneiros famélicos e doentes, de covas repletas de ossos, das torturas e execuções, das câmaras de gás e dos fornos mostraram ao mundo os horrores nazistas.

Multiplicadas ao longo dos anos em milhares de documentários, livros, museus e filmes sobre o Holocausto, essas cenas foram fundamentais para comprovar as atrocidades do Exército alemão e de seus aliados e se contrapor ao negacionismo.

Na infância, vi espantado sobreviventes com números tatuados no braço, marca da sua tenebrosa passagem pelos campos de concentração. Pessoas sem cor, mortos-vivos, com uma tragédia pesada demais para se carregar nos ombros.

Tudo era muito recente na década de 1960. As feridas do maior genocídio do século 20 ainda estavam abertas quando eu empunhava orgulhoso a bandeirinha de “Simchat Torá”, uma das festas judaicas que comemorávamos na recém-inaugurada sinagoga de São Caetano do Sul, cidade vizinha a São Paulo, com pouco mais de cem judeus.

Vivíamos como se não houvesse o ontem. Havia apenas poucos anos da libertação dos primeiros campos de concentração pelos soldados soviéticos, nos meses finais da Segunda Guerra. Só em 27 de janeiro de 1945, os soviéticos entrariam no mais terrível dos campos nazistas, Auschwitz, na Polônia, onde encontraram milhares de cadáveres e uns poucos zumbis, doentes e famintos.

Pelo menos 960 mil judeus foram exterminados naquele campo, além de cerca de 70 mil poloneses, 21 mil ciganos, 15 mil prisioneiros de guerra soviéticos e 10 mil a 15 mil civis de outras nacionalidades (incluindo tchecos, iugoslavos, franceses, alemães e austríacos).

Em 10 de abril de 1944, Rudolf Vrba e Alfréd Wetzler, prisioneiros em Auschwitz, escaparam do campo para revelar ao mundo a máquina de morte montada pelos nazistas, conforme conta Jonathan Freedland em “A Arte da Fuga”.

Os relatórios de Vrba e Wetzler chegaram ao conhecimento do presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, do primeiro-ministro inglês, Winston Churchill, e do papa Pio 12 ainda em 1944, um ano antes de Auschwitz ser libertada pelos soviéticos. Os aliados não deram ouvidos aos dois fugitivos. Mesmo assim, as denúncias de Vrba e Wetzler salvaram pelo menos 200 mil pessoas.

Oitenta anos depois da libertação de Auschwitz, novas e surpreendentes histórias de heroísmo ainda estão sendo descobertas, como relatou Yoel Yaari, professor de neurociências na Universidade Hebraica de Jerusalém e pesquisador do Holocausto, em um ensaio publicado pelo jornal israelense Haaretz.

“Um dos casos mais conhecidos de resistência e revolta das mulheres em Auschwitz é o de Roza Robota, Ala Gertner, Regina Safirsztejn e Ester Wajsblum. As quatro foram enforcadas em Auschwitz em 6 de janeiro de 1945 por terem desviado pólvora de uma fábrica de munições para um grupo de rebeldes que operava no campo”, escreve Yaari.

“Esses relatos de heroísmo […] atestam a existência de uma rede secreta de solidariedade e ajuda mútua que foi forjada entre os muros do campo, apesar de todos os esforços dos nazistas para quebrar o espírito humano e dividir as vítimas. Na maioria dos casos, cada uma dessas mulheres corajosas agiu não individualmente, mas como parte de uma trama humana de apoio e cooperação.”

A pólvora que elas roubaram seria utilizada para ajudar um grupo a destruir as câmaras de gás e os fornos dos crematórios do campo de Birkenau, além de romper a cerca eletrificada, permitindo uma fuga em massa de presos. A revolta, porém, fracassou, e os 450 envolvidos foram executados pela SS em 7 de outubro de 1944, quase 80 anos antes do selvagem ataque do grupo terrorista Hamas ao sul de Israel.

As quatro heroínas pertenciam a um grupo de 30 jovens judias. “Cada uma delas preferiu resistir e, se fosse para morrer, então morrer com honra, para que não se dissesse que elas foram como ovelhas para o abate”, afirma Yaari.

Nos primeiros anos de Israel, especialmente entre os jovens sabras (nascidos no país), havia um sentimento de desconforto e até desprezo em relação ao que alguns viam como passividade dos judeus europeus frente à opressão nazista.

Histórias como a das mulheres de Auschwitz, de revolta à opressão alemã, ainda eram pouco conhecidas nos anos 1950 e 1960, exceto pelos grandes levantes como a Revolta do Gueto de Varsóvia, em 1943, considerado o maior ato judeu contra a ocupação nazista.

Em 1960, uma operação do serviço secreto israelense (Mossad) foi comemorada pelos judeus no mundo inteiro como se fosse a conquista de uma Copa do Mundo.

Adolf Eichmann, conhecido como arquiteto do Holocausto, que se refugiou na Argentina depois da derrota alemã em 1945, foi sequestrado em Buenos Aires por agentes israelenses, escondido em um voo e despachado para Israel para ser julgado.

Considerado culpado em várias acusações, o carrasco alemão foi condenado à morte e executado em 1º de junho de 1962. O julgamento, acompanhado por jornalistas de várias partes do mundo, inclusive pela filósofa Hannah Arendt —que escreveu um artigo polêmico na revista The New Yorker—, provocou uma grande comoção em Israel, fazendo com que os jovens israelenses passassem a tratar com mais empatia os sobreviventes do Holocausto.

Nos anos 1960 e 1970, a propaganda sionista, exibida por documentários ufanistas, mostrava jovens cantando e dançando, dirigindo tratores para transformar os desertos áridos em pomares verdes e, de arma em punho, protegendo a terra de Israel dos “inimigos árabes”.

A mentalidade sionista valorizava o judeu forte, independente e disposto a lutar. Eu me lembro dos cofrinhos azuis de lata do Fundo Nacional Judaico, que, nas primeiras décadas do século 20, dedicava-se a buscar doações mundo afora para a compra de terras na Palestina e a criação de assentamentos.

No final dos anos 1960, o nosso grupo de jovens na sinagoga recebeu várias visitas de movimentos sionistas que queriam nos convencer a imigrar para Israel, o “lar nacional judaico”. Era preciso ocupar o território, disputado a ferro e fogo com os árabes. Nenhum de nós se apresentou.

Meus avós maternos, vindos da Romênia, no Leste Europeu, foram os primeiros judeus a se radicarem em São Caetano do Sul, em 1920. Meus avós paternos chegaram na mesma época da Europa, mas se instalaram no Bom Retiro, à época bairro judeu de São Paulo, onde se podia comer bagels fresquinhos a qualquer hora. Meus pais nasceram no Brasil, se casaram em 1950 e tiveram três filhos. Nenhum de nós foi morar em Israel.

Nasci sionista, não por opção, mas por determinismo. Quando dei por mim, era um judeu brasileiro, embora preferisse ser um brasileiro judeu. Pela manhã, frequentava a escola primária em um colégio particular de São Caetano do Sul; à tarde, tinha aulas de hebraico na sinagoga.

De manhã, eu era brasileiro.

Quando o papa João 23 morreu, em 3 de junho de 1963, a professora na escola primária pediu a todos os alunos da classe que se ajoelhassem e rezassem o Pai Nosso. “Todos”, ela repetiu, em um claro recado para o único judeu da sala, que ainda vacilava. Ajoelhei-me e balbuciei algumas palavras, torcendo para que o D’us judaico não me visse.

À tarde, eu era judeu.

Tenho até hoje na estante o livro “Memorias de um Terrorista”, com dedicatória em hebraico, datada de 16/12/1962, que o professor de hebraico me deu. Avner, o autor, era um pistoleiro israelense de uma organização terrorista chamada Stern.

Não me lembro do nome do professor, mas era um sujeito alto, forte, bronzeado e misterioso, que mancava da perna esquerda, diziam que por consequência de um tiro. Com certeza havia lutado contra os ingleses, que ocuparam a Palestina entre 1920 e 1948, ou com os palestinos. Quem sabe ele fosse o próprio Avner.

Na Guerra de 1948, a gangue Stern, como passou a ser chamada, participou de um massacre do povoado árabe Deir Yassin, perto de Jerusalém, quando mais de cem palestinos foram assassinados. Na capa do livro, um terrorista judeu empunha uma metralhadora. Anos mais tarde, quando estava no colegial, deixei o livro de Avner na mesa de cabeceira para me inspirar a responder às ameaças de um nazistinha que estudava na minha sala. Na época, ninguém falava em bullying.

Em 1966, aos 13 anos, li a Torá, o livro sagrado dos judeus, no meu bar mitzvah, cerimônia que marca a passagem do menino para a vida adulta. Não pela fé judaica, mesmo porque não entendia uma palavra do que lia na Torá, mas pela festa e pelos presentes.

O entusiasmo por Israel veio em junho de 1967, com a espetacular vitória na Guerra dos Seis Dias. Em poucas horas, as Forças de Defesa de Israel destruíram as divisões aéreas do Egito, da Síria e da Jordânia. Em seis dias (5 a 10 de junho), invadiram o deserto do Sinai, a Cisjordânia e as colinas de Golã. Em 7 de junho, os israelenses conquistaram a cidade de Jerusalém, hasteando a bandeira com faixas azuis e brancas e a estrela de Davi no centro no Muro das Lamentações.

“Os exércitos árabes foram esmagados e os Estados Árabes ficaram humilhados enquanto a minúscula Israel triplicava seu território e se tornava uma potência regional hegemônica. Dezenove anos após sua fundação, a nação israelense se tornava um império. Dezenove séculos após a destruição do Segundo Templo, os judeus voltavam a ser os senhores do monte do Templo de Jerusalém, no qual outrora se situavam os antigos templos”, descreve Ari Shavit em “Minha Terra Prometida: o Triunfo e a Tragédia de Israel”.

Lembro de ter devorado os jornais e revistas da época. Comprava todos. Queria saber cada detalhe das batalhas travadas por “Davi contra o Golias” e as estratégias de Moshe Dayan, o icônico general israelense que usava um tapa-olho de pirata e se transformou em um herói de guerra em Israel, pelo menos até a guerra de 1973.

Golda Meir era a primeira-ministra em 6 de outubro de 1973, quando Israel foi pego de surpresa pelo Exército egípcio em pleno Yom Kippur, a data mais sagrada do calendário judaico. Eles atacaram pela península do Sinai, enquanto os sírios lançavam uma ofensiva pelas colinas de Golã.

Cerca de 2.800 israelenses, 15 mil egípcios e 3.500 sírios morreram na Guerra do Yom Kippur, que durou 19 dias e foi considerada um grave erro da inteligência militar israelense, a exemplo do 7 de outubro de 2023.

O conflito ameaçou a sobrevivência do país, a ponto de Golda Meier ter avaliado a possibilidade de usar o seu “varenye” como arma de dissuasão.

“Varenye” era o pote de compotas que os judeus da Rússia guardavam no armário para tempos de dificuldades, de modo que, se estourasse um ataque antissemita, eles teriam algo para alimentar suas famílias até que a fúria cessasse. Golda chamava Dimona, a cidade no deserto de Neguev onde Israel construiu na década de 1960 um complexo nuclear, de seu “varenye”, como relata Ari Shavit. Em outubro de 1973, a situação era tão grave que se aventou a possibilidade de Golda Meier usar o “varenye”.

Quarenta anos depois da Guerra do Yom Kippur, em 2013, o jornalista Mitch Ginsburg, em artigo no Times of Israel, confirmou esse fato. Um ex-assessor ministerial contou que, no segundo dia da Guerra do Yom Kippur, o então ministro da Defesa, Moshe Dayan, pediu à primeira-ministra considerar fazer preparativos para o uso de armas nucleares. Golda teria dito a Dayan para esquecer essa ideia.

A primeira-ministra, que costumava dizer que os palestinos não existiam, renunciou em 1974, mesmo ano em que o ministro da Defesa pediu demissão.

A vitória do Likud, partido de direita liderado por Menachem Begin, pôs fim à longa hegemonia do Partido Trabalhista (esquerda), que governou o país entre 1948 e 1977. O grande triunfo de Begin foi assinar, em 1979, o tratado de paz com o Egito do presidente Anwar Sadat nos Acordos de Camp David, mediados pelo presidente Jimmy Carter, dos Estados Unidos.

A sua grande tragédia aconteceu em 1982, quando Begin iniciou a Guerra do Líbano, metendo o país em uma hiperinflação e em um vergonhoso massacre nos campos de refugiados, como cúmplice dos milicianos cristãos.

O objetivo de Israel era eliminar a presença da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) no Líbano e enfraquecer o Hezbollah. A invasão israelense levou à queda do governo libanês pró-palestino e à retirada de Arafat e de seus combatentes palestinos de Beirute, mas também trouxe um aumento da violência no país.

Em setembro de 1982, os falangistas cristãos, aliados de Israel, mataram entre 800 e 3.000 palestinos nos campos de Sabra e Chatila, nas proximidades de Beirute. Também assassinaram libaneses e sírios. As tropas israelenses cercaram os campos e facilitaram o acesso dos milicianos cristãos, que cometeram toda sorte de atrocidades contra os civis desarmados, muitos deles crianças e mulheres.

O violento massacre provocou grandes manifestações de protesto em várias cidades do mundo, inclusive em Tel Aviv, onde 400 mil pessoas foram às ruas para exigir a renúncia do primeiro-ministro, Menachem Begin, e seu ministro da Defesa, Ariel Sharon.

À época com 29 anos, participei em São Paulo de um ato de repúdio ao governo de Israel, liderado pelo jornalista Alberto Dines (1932-2018), que lotou o auditório da Casa do Povo, no Bom Retiro, em São Paulo.

A partir daí, à exceção de 1993, quando Yitzhak Rabin, primeiro-ministro, e o líder da OLP, Yasser Arafat, ensaiaram uma tentativa frustrada de paz, eu passei a adotar uma posição crítica em relação aos governos de Israel.

Em fevereiro de 1989, fui pela primeira vez a Israel, a convite de uma associação agrícola, com um grupo de professores universitários da Unicamp e produtores rurais. Foi uma visita rápida, mas suficiente para sentir que, por trás daquela aparente calma do dia a dia nas ruas de Tel Aviv e Jerusalém, havia um caldeirão de pólvora prestes a explodir.

No último dia da viagem, fui fazer compras no bairro árabe da Cidade Velha de Jerusalém e, de repente, começou um tumulto parecido com os arrastões das praias brasileiras, só que sem furtos nem roubos. Os comerciantes baixavam apressados as portas das lojas, enquanto nas ruas estreitas um grupo de palestinos gritava e empurrava as pessoas.

Era a senha da Primeira Intifada (do árabe agitação, levante), movimento de resistência palestino contra a ocupação israelense, que começou em dezembro de 1987 e durou até setembro de 1993. Em algumas cidades da Cisjordânia, a revolta não se limitava ao empurra-empurra. Jovens palestinos atiravam pedras contra militares israelenses, que respondiam com balas de borracha. Nessa época, também começaram os ataques terroristas palestinos em Israel, com bombas, tiroteios e facadas contra a população civil.

Quando voltei a Israel, em maio de 1993, pela primeira vez desde 1948 havia uma esperança de paz. Foi quando conheci Moshe e Ogenia Scholnick, brasileiros naturais da Bahia que haviam se estabelecido anos antes no kibutz Bror Chail, conhecido como o kibutz dos brasileiros, a menos de 10 km da Faixa de Gaza. Vista de uma colina do Bror Chail, Gaza parece uma grande prisão a céu aberto.

Em 1993, o movimento kibutziano estava em pé de guerra, após negociar uma dívida de US$ 4 bilhões com os bancos. A forte crise econômica em Israel nos anos 1980, que fez a inflação bater na casa dos 400% ao ano, levou os kibutzim a caírem na real e perceberem que as contas não batiam, ou seja, que seria impossível viver apenas da receita rural, principalmente após o governo ter cortado os subsídios à produção agrícola.

A fazenda coletiva entrou em crise financeira e teve que recorrer a uma receita capitalista para sobreviver, desenvolvendo indústrias de insumos, máquinas agrícolas e irrigação, além de automatizar a produção.

“Com uma população de veteranos, não podemos nos dar ao luxo de ser agricultores. Tudo no campo é automatizado, da ordenha à irrigação das lavouras, e apenas três membros do kibutz, com a ajuda de dez empregados, dão conta da fazenda. Se continuássemos com o modelo tradicional, o kibutz viraria um asilo e, depois disso, um cemitério”, disse Moshe.

Em 1993, estávamos no início das conversações entre Rabin e Arafat, que iria culminar naquela célebre foto de 13 de setembro, em que dois inimigos visivelmente constrangidos apertavam as mãos no jardim da Casa Branca, em Washington, sob o olhar triunfante do anfitrião Bill Clinton.

A esperança de paz acabou dois anos depois em uma praça em Tel Aviv durante uma grande manifestação pública, com mais de 100 mil pessoas, em prol de um acordo entre Israel e Palestina. Em 4 de novembro de 1995, Rabin foi assassinado por um estudante judeu ortodoxo de extrema direita que se opunha às negociações com os palestinos.

Dali para a frente, o conflito entre judeus e palestinos se acirrou, com uma série de atentados terroristas, de um lado, e retaliações, invasões e prisões, de outro.

A Segunda Intifada (2000-2005) trouxe uma escalada da violência, com atentados suicidas promovidos pelos grupos terroristas Hamas, Fatah e Jihad Islâmica da Palestina em ônibus, mercados e restaurantes de Tel Aviv e Jerusalém.

Israel partiu definitivamente para a política do apartheid, iniciando a construção de um muro de concreto com cerca de 700 km de comprimento e até oito metros de altura isolando os territórios palestinos da Cisjordânia.

“Israel é a única nação do Ocidente que mantém outro povo sob ocupação. Por outro lado, é a única nação do Ocidente cuja existência está ameaçada. Intimidação e ocupação se tornaram os dois pilares de nossa condição”, escreve Ari Shavit em “Minha Terra Prometida”.

A frase foi escrita anos antes do ataque terrorista de 7 de outubro de 2023, uma ameaça existencial só vista nos tempos do nazismo. Militantes do Hamas, armados até os dentes, invadiram áreas do sul de Israel e promoveram o pior massacre sofrido por judeus desde o Holocausto.

O ataque covarde do grupo terrorista pegou de surpresa a inteligência de Israel e causou mais de mil mortes, milhares de feridos e centenas de reféns, muitos jovens que participavam de um festival de música.

O contra-ataque israelense não poupou ninguém, terroristas e civis, homens, mulheres e crianças; socorristas, médicos e jornalistas, mais de 50 mil mortos. Os bombardeios não escolhem vítimas. Gaza está destruída. Sem água, medicamentos e luz elétrica, mantém ainda 58 reféns. Com o apoio do Exército, colonos judeus da ultradireita atacam vilas árabes na Cisjordânia, destruindo suas casas.

Milhares de israelenses saem às ruas todas as semanas para protestar contra o governo de Binyamin Netanyahu, o senhor da guerra, exigindo um cessar-fogo para uma nova troca de reféns por prisioneiros palestinos. Mas, como diz o historiador israelense Benny Morris, o público judeu parece amplamente indiferente à matança em massa em Gaza.

Quem combate a chacina promovida pelo governo Netanyahu é tachado de antissemita, mesmo que não o seja; se for judeu, é um traidor.

“A desumanização é evidente todos os dias, aparente nos depoimentos dos soldados; na matança de civis em Gaza; na brutalidade demonstrada por soldados e carcereiros enquanto detidos, alguns do Hamas e alguns civis, são levados seminus para os campos de detenção; na rotina de espancamentos e torturas nos próprios campos de detenção e prisões. O público judeu-israelense é indiferente a tudo isso. Não há dúvida de que o processo pelo qual Israel está passando deriva, pelo menos em parte, de um processo paralelo de desumanização dos judeus que se desenvolveu entre nossos vizinhos muçulmanos palestinos”, diz Morris.

O momento é de medo, luto e ódio. “Estamos no auge da violência e da destruição”, disse o cineasta israelense Amos Gitai ao El País.

Uma das principais vozes contrárias ao governo Netanyahu em Israel, o diretor prega o reconhecimento mútuo como forma de promover o diálogo entre israelenses e palestinos, mas acredita que este é o pior momento da relação entre os dois povos.

“É preciso reconhecer a dor do outro. As sociedades que eliminam o outro se autodestroem”, diz Gitai.



Fonte ==> Folha SP

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