MC Poze preso: especialistas apontam preconceito e excesso – 31/05/2025 – Cotidiano

A imagem mostra um homem sem camisa sendo algemado por um policial em um ambiente interno. O homem está encostado na parede, enquanto outro policial observa. Há roupas no chão e uma janela ao fundo, sugerindo um ambiente residencial.

A prisão do MC Poze do Rodo na quinta-feira (29) pela Polícia Civil do Rio de Janeiro gerou reações de advogados e pesquisadores do funk.

Eles criticam o momento da prisão do cantor, algemado em casa e conduzido sem camisa, e os aspectos jurídicos da investigação, baseada na suspeita de apologia ao crime e envolvimento com o Comando Vermelho.

A Polícia Civil foi procurada para explicar o uso das algemas e a divulgação dos vídeos, mas não houve resposta.

Segundo afirma a corporação, a investigação apontou que Poze faz shows exclusivamente em áreas dominadas pelo Comando Vermelho, e que as apresentações têm a presença de traficantes armados. Diz ainda que o repertório das músicas faz apologia ao tráfico e incita confrontos entre facções rivais.

Ao ingressar no sistema prisional, Poze declarou se identificar-se com o Comando Vermelho, segundo a Seap (Secretaria de Administração Penitenciária).

A declaração faz parte da ficha de ingresso e é obrigatória a todo detento. Nela, o preso tem que assinalar o campo “ideologia declarada”. No sistema penitenciário fluminense os internos são separados de acordo com suas alianças criminosas para evitar confrontos.

O advogado de Poze, Fernando Henrique Cardoso, afirmou que “essa é uma narrativa antiga e já debatida” e que irá entrar com pedido de liberdade.

Poze foi preso em casa, num condomínio no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio. Agentes usaram algemas e conduziram o cantor durante parte do trajeto sem camisa e descalço.

Na quinta e nesta sexta-feira (30) a Polícia Civil do Rio publicou, em seu perfil oficial no Instagram, dois vídeos repercutindo a prisão. Em um deles, diz que deseja promover a “cultura do bem” e que a prisão é um “recado” para “aqueles que romantizam e ajudam a disseminar a narcocultura”.

Em outro, intitulado “quebrando narrativas”, uma narradora diz que o uso de algemas “depende da conduta, do risco, da fuga, da reação no momento da prisão, e não da cor da pele ou status financeiros”, sem detalhar se Poze apresentou risco na chegada dos agentes.

“Tem branco algemado e preso todo dia”, diz o texto divulgado.

O advogado criminalista Sérgio Figueiredo afirma que o uso de algemas foi “exposição midiática”.

“Ele é conduzido de cabeça baixa, descalço, sem camisa, com o braço torto. Qual a necessidade de exposição? Tem o aspecto da cor, de quem é, a repercussão e a exposição.”

“Para algemar é preciso ter a justificativa de violência, grave ameaça, resistência, e tudo isso tem de estar fundamentado por escrito, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e criminal”, afirma o juiz André Nicolitt, do Tribunal de Justiça do Rio.

Priscila Nocetti, advogada e apresentadora da Furacão 2000, equipe de som que se tornou a principal divulgadora do funk a partir da década de 1980, diz que a prisão carrega a “rotulação social” historicamente vinculada ao gênero.

“A rotulação aponta, através de algumas características, inclusive físicas, quem pode ser um provável criminoso”, diz. “É uma guerra que vamos levar por toda vida se quisermos defender o movimento funk”.

Outros cantores de funk já foram presos sob acusação de apologia. No último dia 23, seis dias antes da prisão de Poze, a Polícia Civil do Rio prendeu MC Dick, tratado pela polícia em material divulgado à imprensa como “MC do Tráfico”.

Ele foi apontado como integrante do Comando Vermelho do Ceará. A investigação, segundo a polícia, apontou que ele tem “papel relevante na difusão da ideologia criminosa por meio de músicas”.

Autor do livro “O funk na batida: baile, rua e parlamento” e doutor em direito, Danilo Cymrot aponta para o que chama de “zona cinzenta” do entendimento do que é apologia.

“Fazer apologia ao crime seria fazer um elogio ao crime, ou fazer um elogio exaltando a figura de um criminoso. Só que no caso de uma obra de arte, de ficção —um filme, uma música—, sempre se pode alegar que, na verdade, ali retrata-se a realidade, ou ainda que é uma produção artística que não se confunde com a realidade.”

Em 2020, o próprio MC Poze já havia sido denunciado pela Promotoria do Rio sob acusação de incitar a violência e promover grupo criminoso. Um ano antes, o DJ Rennan da Penha foi preso por suspeita de ser olheiro do tráfico.

Em 2010, os MCs Tikão, Frank, Max, Didô e Smith, expoentes do funk carioca à época, foram presos sob acusação de apologia ao tráfico de drogas e associação com o crime.

“Parece claro que faz parte do mesmo processo histórico. Aquela [prisão em 2010] foi uma onda de criminalização do funk, e talvez a gente esteja vivendo outra com a prisão do Poze e os projetos de lei anti-Oruam“, afirma a historiadora Juliana Bragança, autora do livro “Preso na Gaiola”.

Oruam é um dos artistas de trap mais ouvidos do país. Ele é filho de Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, apontado como líder do Comando Vermelho e que está preso desde 1996, condenado a 36 anos de prisão por ser mandante de dois homicídios.

Bragança aponta que ao longo da década de 1990, ações jurídicas e políticas, como a interdição de bailes em 1995 e a instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) para investigar os bailes, em 1999, marcaram ondas de criminalização, ainda que o gênero, naquela década, já tivesse chegado às rádios e televisão, incluindo apresentações em programas de sucesso como o Xou da Xuxa.

Rômulo Costa, fundador da Furacão 2000, chegou a ser condenado em 2000 por corrupção de menores, promoção de violência nos bailes e envolvimento com o tráfico de drogas. Costa foi absolvido.

“É complicado ser rotulado de uma coisa que você não faz. Comigo levou seis anos até provar a inocência. É uma luta.”



Fonte ==> Folha SP

Leia Também

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *